O retorno do recalcado

7.5.15 Cabotino 0 Comentarios



Sou estudante de Educação Física. Sertanejo. Moro na residência universitária por não ter condições financeiras para morar só, por enquanto. Estou no quinto período da universidade. Estagio em uma academia de musculação frequentada por gente de classe média. Ganho R$ 700 por mês. Quase um salário mínimo. Trabalho quatro horas por dia. Meu pai, na roça, trabalhava das 7h às 18h – com intervalo das 12h às 14h – de sol a sol para receber por colheita. Em média, algo em torno de um salário mínimo mensal.

A residência universitária é mista. Só que as meninas vivem em um prédio separado dos meninos – como se isso evitasse a troca de gametas/fluidos (desculpem o fisiologuês, coisas da profissão). A residência é um grande zoológico. Há de tudo: cobras, jacarés, passarinhos, felinos, elefantes, cavalos, vacas, insetos, bestas e antas. Esses dois últimos são os que se fazem mais presentes. Com destaque, para os estudantes de humanas.

Há um preconceito tácito, e muitas vezes manifestado, por parte principalmente dos estudantes de humanas, que o alunado de Educação Física: “ganha um diploma para estudar Futebol I, II e III; vôlei I, II e III, fazer polichinelo etc.” De fato, estudamos tudo isso. Agora, se eu perguntar para qualquer um deles quais as perspectivas do modelo teórico na macro economia de J. M. Keynes e F. Hayek? Muitos deles titubearão na resposta. (Não colocarei nota de rodapé para historicizar esses personagens. Uma para não perecer-me pernóstico, duas porque estou no Libre Office do Linux e é chato por nota de roda pé por aqui). 

Leio o quanto posso. Assisto filmes pelo streaming do YouTube. Cuido da minha mente assim como do meu corpo. Cultivo um apreço especial pela literatura alemã (B. Brecht, H. Hesse, G. Grass) e pelo cinema argentino (J. J. Campanella, L. Martel, D. Burman) e japonês (H. Mizoguchi, A. Kurosawa, I. Ozu). Assim como, por música Celta, Ramones, Daft Punk e Villa-Lobos.

 A vantagem de ser um estudante de Educação Física, instruído nos temas da cultura, é que podemos ser um L. Zelig (Cf. Woody Allen) em todo lugar, especialmente com as meninas.
 
A última coisa que uma pessoa minimamente instruída pode pensar na vida é que um aluno de Educação Física seja intelectual. O aspirante a educador físico é puro corpo. Seu cérebro é seu bíceps, reza a cartilha do terra-a-terra. Desta forma, quando nos inclinamos para a cultura em seus diversos desdobramentos: arte, política, tecnologia etc., começamos a fazer “ruído” nas consciências alheias.
 
A partir daí, é hora de nos camuflar à la Zelig. Em uma palavra: é hora de usar os clichês a meu favor, de maneira bem instrumental mesmo. Ora, se nós, estudantes de Educação Física, somos objetivados o tempo inteiro, então, por que não objetivar o outro também? Meus alvos prediletos são: os estudantes de humanas (podemos chamá-los a partir de agora como "humanitas", no acepção de Machado de Assis) com sua arrogância intelectual que não condiz entre o enunciado de suas ideias e a prática – acordam ao meio dia, às vezes frequentam as aulas e quando sobra tempo, estudam – e as meninas. 

Escarneio os "humanitas" porque acreditarem ser a elite intelectual brasileira (tsc, tsc, tsc) como se escrever uma dissertação sobre a metafísica em Heidegger (com mais um milhão de clichês sobre o Desiee, meu Deus) fosse tão relevante como criar um aplicativo para regular a taxa de insulina de um diabético. Já com as meninas, tenho uma relação de desforra, por conta do meu total fracasso com elas durante a adolescência (sem dinheiro, gordo, e sem autoestima). Por isso, cuido do meu corpo. Acordo cedo. Corro. Faço exercícios. Regulo minha alimentação. Tenho um alto sexy-appel. Por conta disso, não me faço de rogado. Ponho para chupar. Boto de quatro. Se não ligar no dia seguinte. Foda-se. Amor? Amor é o caralho. 

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