O corpo e a memória
Quando lembro do calor do sol das
manhãs em minha pele enquanto eu crescia, quando lembro do cheiro de minha região natal, que me parecia contraditoriamente seco e úmido, e que invadia minhas narinas dando uma estranha
sensação agridoce, quando lembro da diversidade de sons que rondavam meus
ouvidos... Em tudo isso percebo que sou pensamentos e sentidos, de tal forma
que memória e corpo se apresentam fundidos desde o começo, permitindo sentir
satisfações ou calafrios no simples fato de recordar o que já foi. Quando
lembro das tardes longínquas da infância, que passavam em horas lentas, quando
lembro do céu azul malhado por nuvens brancas e cinzas de todas as formas, tamanhos
e percepções e que dava vontade de alcançar com as mãos, quando lembro de todos
que estavam perto ou longe, e que de uma forma ou de outra eu vi envelhecer... Em tudo isso me espanta a quantidade de dias
passados desde então. Parece até que foram todos os dias que já existiram, o que
de certa forma foram para mim, e sinto cada vez mais forte que a vida é fluxo paradoxal
tão rápido e tão lento, fazendo os corpos envelhecerem a olho nu, porém sem
permitir que isso seja visto, se não a longo prazo. Quando lembro das noites
longas e escuras, quentes e frias, agitadas ou entediantes, quando lembro das
assombrações que invadiam meu quarto por meio de minha imaginação de menino,
apertando meu peito com medo, quando lembro das noitadas em mesas de bares e
sinto de novo a alegria que explodiu em minhas gargalhadas, quando lembro das
muitas noites em que a ansiedade impediu a chegada do sono... Em tudo isso
sinto como se estivesse acontecendo de novo comigo, aqui, agora e
imediatamente. Por fim, quando penso na textura das paredes, areias, portas,
tecidos, ferrolhos, cadernos, lápis, brinquedos, pratos, copos, papéis e tudo
mais que toquei e manuseei, quando lembro dos sabores das refeições, frutas,
saladas, remédios e biscoitos, quando lembro dos festivais de imagens,
coloridos, lugares, pessoas, das vergonhas minhas e alheias, enfim, de tudo que
meus olhos captaram... Em tudo isso,
definitivamente, meu ossos, pele, pálpebras e entranhas são acionados a sentir
como se estivesse acontecendo de novo, e de novo e novamente.
Castanha 23 de dezembro de 2017
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