Breve comentário sobre uma crítica

28.10.15 Unknown 0 Comentarios


por ROSANO FREIRE*

Recentemente o FoiHoje publicou uma crítica, assinada por Renato K. Silva, sobre o já tão comentado filme de Anna Muylaert, "Que Horas Ela Volta?" (2015). Nela, Silva, em total consonância com a recepção do público e da intelligentsia brasileira, projeta uma avaliação sobre as relações entre patrões e empregados que, mal ou bem, o filme tematiza.

Confesso que considero esta questão de menor estatuto perante a obra de Muylaert - e não deixo de me espantar com o quanto de atenção que ela conseguiu atrair. Mas o autor prossegue nessa linha e conclui, lançando mão também de uma rápida comparação com o filme "Casa Grande" (Felipe Barbosa, 2014), que a diretora deixa escapar por entre os dedos a chance de "radicalizar" as relações de classe na sociedade brasileira.

Tomo a análise publicada aqui neste blog como sintoma de um estado muito mais geral da crítica cinematográfica brasileira. O gosto pelas "questões sociais" que tem uma obra ou pela "mensagem social" que passa um filme - que, como disse, tomou efeito cascata na fruição de "Que Horas Ela Volta?" - é a menina dos olhos da intelectualidade brasileira dedicada ao cinema, incrustada nas universidades ou em parte da imprensa.

O ponto, contudo, deita raízes profundas na história brasileira e pode ter sua gênese identificada com o advento do "Cinema Novo". Não é fato desconhecido que o projeto estético dos cinemanovistas pode ser resumido na ideia de um "cinema autoral". Subjacente a este conceito, jaz a ideia de que o cinema popular, de massas, é algo genuinamente ruim, justamente porque fruto da indústria cultural, ou, em última instância, do regime capitalista. O "cinema autoral", portanto, vinha se opor a esta arte "alienada".

Foi desta forma que o "Cinema Novo" forjou a crítica que solapou, no Brasil, o status do cinema comercial - mecanicamente associado à pornochanchada. Cineastas como Walter Hugo Khouri, que nos legou uma extensa filmografia e alguns nossos melhores esforços, são amiúde, nas graduações e cursos de crítica e história do cinema, classificados como "autores de pornochanchadas". O fosso está cavado: tudo o que se produziu no Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, e que não tinha pretensões de "cinema novo", é rapidamente classificado como pornochanchada - tida, de antemão, como algo esteticamente raso.

Vejam: a questão não é, aqui, reproduzir para o outro lado o preconceito com as pornochanchadas, e, dessa forma, pinçar - agora sim! - um novo e autêntico cânone nacional. A pornochanchada foi o modo como se refletiu, no Brasil, a revolução comportamental do século passado. Tem seu valor para o nosso cinema. Mas ela é um capítulo do nosso cinema popular, não ele por todo e completo. E mais: confundir tudo o que se produziu no Brasil nas duas décadas supracitadas com esse tipo de cinema impede qualquer discussão razoável. 

Fecho o parênteses e retomo o ponto inicial do texto com a intenção de concluí-lo. A "armadilha conceitual" dos cinemanovistas, que mora no fundo de seu projeto estético de aspirações "engajadas", impregnou o campo intelectual brasileiro. Os críticos debitários desta tradição vêm, década após década, reproduzindo o preconceito ou o desprezo com o cinema popular. Parece-me que é esse o caso da crítica de Silva, quando clama por um tensionamento maior das relações patraões-empregados e quando reclama o "novelismo" que ofusca as principais questões que o filme deveria abordar.

O que esquecem os cinemanovistas e aqueles que se encarregam de levar à frente o seu legado - que tem seu pontos altos, sem dúvidas - é que o cinema é um tipo de prática que, desde cedo, se funda sobre a conjugação de tecnologia e espetáculo. A aproximação com o mercado nunca lhe foi estranha - ao contrário, muitos dos grandes filmes que a história mundial ostenta são oriundos deste casamento. Portanto, e penso que agora já se pode dizer de maneira direta: o que é comercial ou popular não é ruim por excelência.

Mas isso significa dizer, então, que o ponto de vista expresso na referida crítica é errado? Não necessariamente. Que ele não deva mais ser formalizado? Também não. Mas ele demarca de maneira interessante a fronteira que separa quem aprecia o cinema como arte (industrial e coletiva, mas ainda arte) e quem o toma como mero engenho ideológico.

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* Doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.









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Previsões Astrológicas: Câncer, Escorpião e Peixes.

27.10.15 Unknown 0 Comentarios




  Dando sequência ao passeio zodiacal, e botando mais pilha na vibe Saint Seya que baixou aqui no Foi Hoje, aterrizamos, neste episódio, nas "casas" de Câncer, Escorpião e Peixes. Não foi por acaso a escolha desses três. Cresci num lar com uma canceriana, uma pisciana e um escorpiano; só dava os três signos nas paradas de sucesso - era amor e ódio vivendo bem pertinho um do outro.

Talvez por isso, e só por isso, me atreva a escrever essas linhas. (Mentira! Tô curtindo.)

  Coincidentemente, os três signos têm em comum o elemento água e como água, vão contornando obstáculos, evaporam, desaguam e inundam. Levam o tempo que precisarem, mas chegam exatamente onde querem chegar. Ou seja, teimosia é uma característica comum aos nativos dos três signos. 

Mas vamos lá a cada um em separado.

Câncer: Cancerianos guardam tudo, inclusive rancor. Pra se aproximar dessas criaturas e tornar-se íntimo é preciso não pisar nos seus calos, pois, estão sempre com suas pinças de caranguejo de prontidão para usá-las, caso seja preciso. E não as usam necessariamente no momento em que se sentem, ou são realmente, ameaçados. Já ouviram falar do Conde de Monte Cristo? Pois é, as "primas-donas" desse signo se acham o próprio Edmond Dantes e em alguns casos são mesmo. Pense num povo rancoroso e afetado! Geralmente não gostam que lhes digam o que fazer, preferindo realizar tarefas e projetos por si mesmo, ou dizendo aos outros o que fazer. Flutuações de humor é lugar comum já que são regidos pela lua. Não será difícil ver um nativo do signo fugir às responsabilidades ou ficar em uma masturbação procrastinante que parece eterna, às vezes. Mas, quando estão envolvidos em alguma atividade que lhes desafia e lhes instiga, tendem a ser bastante empenhados e responsáveis. Manipuladores e possessivos, os cancerianos são verdadeiras "joinhas". Mas lá no fundo, no fundo, são criaturas amorosas, sentimentais e românticas, porém, vão fazer de tudo para passar a impressão de que são verdadeiras fortalezas. Vão observar bastante tudo à sua volta para dar qualquer passo, até se sentirem completamente seguros e mesmo assim, talvez, ainda andem para trás. O caranguejo é uma ótima metáfora para definir os nativos de Câncer, carapaça grossa por fora, mas por dentro sua carne é molinha, molinha.


Escorpião: Os nativos de escorpião passam quase que 24h por dia pensando em sexo. A área do cérebro de um escorpiano reservada para pensar em sexo tem pelo menos um hectare. Não é o principal foco quando estão em um relacionamento, mas é um dos fatores que mais pesa, definitivamente. Escorpianos curtem um mistério, preferem manter nas sombras seus segredos e pensamentos mais íntimos e também cultivam uma grande atração pelo que é "proibido". Se você conseguiu adentrar essa área restrita, dos segredos de um escorpiano, cuidado!... Caso sintam-se decepcionados, traídos ou tendo seus segredos violados, baixa a pombagira chiliquenta. Saia de perto! Escorpião entende diálogo como ele falando e você ouvindo, de preferência apenas acenando a cabeça em concordância. São criaturas teimosas, intuitivas, um tanto egoístas e bastante persistentes quando querem algo. Se você vai conviver com algum por opção ou por necessidade o segredo é ter paciência e lhes dar atenção quando querem, ou fingir que os ouve quando falam, pelo menos. O bicho é casca grossa.



Peixes: Piscianos não pisam no chão. Caminham no mínimo cinco centímetros acima do solo, vivem com a cabeça nas nuvens. É o signo mais TDA (transtorno de déficit de atenção) do zodíaco, de longe. Não precisam de nenhum psicotrópico ou qualquer coisa que altere suas consciências, que já é alterada por natureza. Por isso mesmo, os nativos de peixes tem uma noção da realidade bem particular, ou quase nenhuma. Empatia é uma das características marcantes da personalidade dos piscianos, por isso mesmo não são criaturas difíceis de lidar, a não ser que você tenha que dividir o teto com eles. Apesar de emularem um certo altruísmo, os glub glub curtem mesmo é ser o centro das atenções, competem por ela, o que os torna uns verdadeiros pavões sem noção, na maioria dos casos. Não gostam de se sentir cerceados, mas não costumam lutar contra o poder estabelecido.
É aquela coisa:
"- Detesto os mandos e desmandos do sargento Padilha!", mas quando Padilha brada:
"- Sentido, soldado Juruna!", é  um tal de "- Sim, senhor!" pra lá e "- Pois não, senhor!" pra cá.
Trabalham melhor sozinhos do que em equipe, porque ninguém aguenta as viagens na maionese dos peixinhos delirantes. Objetividade e praticidade passam longe. Piscianos têm uma certa dificuldade de lidar com críticas e com a felicidade e o sucesso alheio, podendo ser tachados de invejosos, mas na realidade tudo não passa de um leve complexo de inferioridade. 

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Dissabor

26.10.15 Unknown 0 Comentarios


Despertei hoje com aquela amarga sensação de quem acaba de ver um filme ruim. O sonho, porém, não lembrava. Afortunados são os que recordam-se de seus sonhos, e nutrem-o de não sei quantos significados - geralmente, divertidos e estapafúrdios na mesma medida. Furtado das imagens noturnas, estaria condenado a saborear um amargor sem lastro, como quem é penitenciado sem saber o porquê? Não estando no pitoresco do sono, a causa da amargura só poderia residir nas outras imagens, as da vida real, que chamamos real, e as quais damos um ordenamento tanto lógico, quanto confortável. Mas não havia risco de argumento palatável, dado que as lembranças do dia anterior também escasseavam. Já perdia qualquer tipo de encanto - maravilhoso ou perverso - que uma vida oca pode ter. Angústia sem fundo é igual a prédio sem base, balão sem ar, não se sustenta, desmorona. Impressiona a eficiência que o nosso corpo, em toda sua integridade psicossomática, pode ter, foi o que pensei. Nem precisou do pretexto das moléculas de álcool etílico - jogou, sumariamente, a memória desagradável para escanteio. Só depois de tempo considerável é que ele vai revolvendo algumas lembranças, pingando em conta-gotas o mar de receio, e como um mosaico o pesadume vai se desenhando. Como manda o lugar-comum, o arrependimento dá o matiz do dia, e eu preferi honestamente ter continuado a flutuar na maciez da dúvida. Daí surge uma necessidade descomunal de falar, revelar, declarar, dizer o que já foi dito, mas com uma pulsão vital tão nova que tornaria tudo espontâneo e genuíno, à luz do que as coisas se assentariam naturalmente em seu lugar. Mas a vontade que vem em torvelinho, subitamente, arrefece e se dissolve na boca, deixando um gosto estranho, amargo, de quem acabou de assistir a uma péssima película, e que, por isso, não tem nada a dizer.

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Que horas ela volta? a luta de classes ao gosto do Projac

17.10.15 Cabotino 1 Comentarios


por RENATO K. SILVA

Costumo dizer que o Brasil não é o país do futebol, mas sim o da telenovela, porque o nobre esporte bretão só é transmitido, nos dias de semana, após o produto de excelência da Rede Globo.

Dito esta premissa, vou falar do filme que extrapolou o pequeno circuito cinematográfico brasileiro e ganhou às redes sociais, às ruas e transbordou os cadernos de cultura dos jornais – Que horas ela volta? (Anna Muylaert, 2015).

Antes, cabe frisar que não tenho nada contra o gênero da telenovela. Muitas vezes apontado como um segmento “menor” do audiovisual pelos críticos, sobretudo os acadêmicos que desconhecem o Brasil “profundo” apresentado pelas novelas da Rede Globo. O que me incomoda nas telenovelas é que, em sua grande maioria, elas sonegam do espectador uma maior problematização das personagens e enredos para além do dualismo entre: mocinho vs. vilão.

Assisti Que horas ela volta? no Cinema do Museu, no bairro de Casa Forte, Recife, em sessão lotada numa tarde de sábado. Após o fim do filme, percebi o semblante descarregado dos espectadores, um clima de êxtase e efusão. Mais ou menos igual ao que temos quando saímos de um estádio após uma convincente vitória de nosso time do peito.

Entretanto, comecei a desconfiar daquilo que acabara de ver. Uma ruga de desconfiança e criticismo começou a crescer dentro de mim. Segue então algumas de minhas inquietações sobre o filme.

Que horas ela volta? narra a história de uma família rentista do Morumbi (bairro de classe média alta de São Paulo) nucleada por pai, mãe, filho, empregada fixa (que “mora no serviço”) e um cachorro. Nos moldes das produções da Globo Filmes – que inclusive assina a coprodução do longa-metragem.

O filme começa com um plano-aberto pegando a piscina da casa do Morumbi onde encontram-se uma criança e uma mulher. Em seguida, num corte temporal/elíptico de dez anos, descobrimos que a criança é Fabinho (Michel Joelsas) e a mulher é a empregada da família, Val (Regina Casé). E a pergunta que a criança faz na cena anterior para a empregada: que horas ela volta? É para saber o horário de regresso do trabalho da mãe/patroa Bárbara (Karine Teles). Por fim, compõe o quadro doméstico o diletante artista plástico em “eterno estado sabático”, Carlos (Lourenço Mutarelli) pai de Fabinho e marido de Bárbara.

O núcleo familiar vivendo em perfeita harmonia é sacudido com a vinda, direto de Pernambuco, de Jéssica (Camila Márdila) filha de Val, para passar uns dias na casa do Morumbi, pois fará o vestibular da Fuvest – arquitetura na FAU-USP. Tendo em vista que sua mãe, Val, "mora no serviço".

Jéssica não é apenas uma adolescente nordestina pela primeira vez na capital paulista, ela traz a tiracolo além de um relativo capital escolar: uma empáfia comportamental típica de uma geração que cresceu na euforia econômica, com ênfase no consumo de bens e serviços, dos anos Lula/Dilma. E é essa empáfia que lhe concederá acesso a cômodos e regalias até então destinadas às visitas da casa, e não para a filha da empregada que “não sabe qual é o seu lugar”.

Com a empáfia de Jéssica no interior da narração, o filme gera um grande desconforto na plateia porque instaura-se um forte contraste com a submissão de sua mãe, a empregada Val que, começa a ter uma confusa relação com a filha/hóspede?

Nesta toada, Jéssica começa a embaralhar os papéis sociais até então rígidos na economia financeira e emocional da casa do Morumbi. Com isso, a empáfia de Jéssica – tomar o sorvete do patrão, entrar na piscina e dormir no quarto de hóspedes – começa aos poucos a ganhar o coração e a vontade de Val. Mesmo que sua revolta fique localizada no furto de um conjunto de xícaras que havia presenteado a patroa dias atrás, e de chapinhar em uma piscina quase seca que nunca entrara em dez anos de serviços prestados na residência, em condições precárias de trabalho.

Em resumo, Jéssica representa o “fim” da reprodução social (filho de peixe, peixinho é). Pus a palavra “fim” entre aspas porque Jéssica reproduz a condição de mãe solteira desterrada como fora o caso de sua mãe, Val. Negando-se a uma postura subserviente tal qual sua mãe, Jéssica é um exemplo de que o país mudou. O filho do pobre agora pode estudar na faculdade onde estuda o filho do patrão da mãe. O filho do pobre agora pode viajar de avião. O filho do pobre agora... E outras aquisições sociais do Lulismo. 

Agora, Que horas ela volta? pinta um perigoso quadro de meritocracia quando assinala a saída pela educação. Ou seja, o “fim” da reprodução social é apontada pelo iminente sucesso de Jéssica no vestibular. E o perigo nesta forma de discurso está justamente em ver a educação como panaceia das mazelas sociais brasileira como se, mecanicamente, dando acesso à educação para os filhos dos pobres, a desigualdade brasileira diminuísse. Numa sociedade de classes, educação sem distribuição de renda é como tapar o sol da desigualdade com a falaciosa peneira da meritocracia.


Com o final esfuziante do longa duas coisas passaram, até onde pude acompanhar no debate sobre o filme, ao largo da discussão: o assédio sexual de Carlos perante Jéssica e a omissão dos direitos trabalhistas que Val nem esboçou reivindicar quando pediu demissão do emprego. Acredito que são duas pautas que não deveriam passar ilesas na narrativa do filme.

Que horas ela volta? me fez lembrar o filme Casa Grande[1] (Fellipe Barbosa, 2014), com um porém: Casa Grande é a visão do patrão sobre os empregados a partir do olhar da classe média (realizadores). E o filme da Anna Muylaert é o contrário: é a visão dos empregado(s) sobre os patrões a partir do olhar da classe média (realizadores). 

Neste sentido, o filme do Fellipe Barbosa conseguiu fazer um exercício de alteridade mais franco e sincero. Já o da A. Muylaert perdeu a oportunidade de ser mais contundente porque optou por recursos narrativos típicos da telenovela brasileira: ênfase no star system carismático (Regina Casé); maniqueísmo na elaboração dos personagens como Bárbara (espécie de mãe/madrasta que pratica “barbaridades” com os subalternos); além dos tradicionais clichês sobre os gostos de classe, o barroquismo extravagante de Val vs. o minimalismo requintado dos patrões.


Em suma, Que horas ela volta? tem o sabor da luta de classes ao gosto das produções do Projac, doce. Talvez por isso o filme tenha conquistado ótima recepção do público que, familiarizado com a teledramaturgia, viu a televisão investindo na linguagem cinematográfica, aliás, é um dos mais recentes empreendimentos da Globo não só por meio do seu produto por excelência, as novelas, como também a partir de sua produtora, Globo Filmes. Desta maneira, o filme da A. Muylaert perdeu a oportunidade de radicalizar a problemática que aborda, as relações de classe, dentro do muitas vezes insipiente cinema comercial brasileiro, porque optou ficar na zona de conforto da linguagem televisiva.

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Escritor e doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.


[1] Para mais detalhes sobre este filme, conferir: http://foihoje.blogspot.com.br/2015/10/cronica-de-uma-casa-grande-assassinada.html Acesso em: 10 de out. 2015.

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Estigma racial? o caso do goleiro Jefferson na seleção brasileira

14.10.15 Cabotino 0 Comentarios


por RENATO K. SILVA


Reza a história que o goleiro Barbosa, bode expiatório da derrota da seleção brasileira no fatídico “maracanaço”, na Copa de 1950, de 2 x 1 contra o Uruguai, ficou trabalhando como serviços gerais no estádio do Maracanã. Quando a direção do estádio carioca resolveu trocar as antigas traves de madeira pelas de ferro, o ex-goleiro Barbosa aproveitou a ocasião para tocar fogo nas antigas metas, por meio de um churrasco, como se fora um ritual de “expiação” diante dos objetos que causaram o estigma que o marcou a vida inteira: o responsável pela derrota do escrete brasileiro diante dos uruguaios.


Segundo o livro do professor José Miguel Wisnik (2008, p. 262), além de Barbosa, outro jogador, também negro, o zagueiro lateral-esquerdo Bigode, foram os escolhidos para serem os culpados pela derrota contra os uruguaios. Porém, sobre o goleiro é que o estigma ganhou corpo. De 1950 até hoje, apenas um goleiro negro defendeu o gol da seleção em Copas do Mundo: Dida, em 2006. 

O estigma que recaiu sobre Barbosa reverberou por toda a vida do ex-goleiro. Um episódio é sintomático do drama sobretudo racista que impingiram sobre o ex-arqueiro da seleção brasileira. Conta-se que na preparação para a Copa do Mundo de 1994, na Granja Comary, na região serrana do Rio, Barbosa pediu para acompanhar o treino da seleção que estava nas vésperas de viajar para os EUA, o auxiliar técnico de C. A. Parreira, Zagalo, não autorizou a visita do ex-goleiro, alegando que ele poderia trazer o “azar” oriundo da Copa de 1950 (WISNIK, 2008, p. 338). 

Barbosa, que morreu em 2000, dizia que: “a pena máxima no Brasil é de 30 anos, eu já vou pagando 50”.

Sem dúvida, Barbosa fora o jogador mais injustiçado do futebol brasileiro.

E hoje (13-10-2015), após a vitória de 3 x 1 do Brasil sobre a Venezuela, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo da Rússia (2018), quando vi que o goleiro titular era o jovem Alisson, do Internacional, que substituiu Jefferson, até então o titular na partida anterior contra o Chile, não pude evitar a relação: goleiro negro x seleção brasileira. 

Os motivos que levaram à substituição de Jefferson por parte de Dunga, por intermédio de Taffarel, preparador de goleiros da seleção, não ficaram claros para a impressa tampouco para os torcedores: justificar a substituição por uma questão de estatura não é suficiente para trocarmos um goleiro (posição com características particulares) experiente, Jefferson, por um mais novo, por conseguinte, menos experiente, Alisson.


Seria leviano em afirmar que a substituição teve conotações raciais. Mas vale refletirmos o porquê de goleiros negros não se firmarem com a camisa número um da seleção e também nos clubes brasileiros. Tendo em vista o baixo número de goleiros negros nesta posição no futebol praticado no país. Parece haver uma “diáspora” maior dos goleiros negros para o exterior. De cabeça, cito alguns nomes de goleiros negros, ainda em atividade, no futebol internacional: Helton e Gomes.

Por fim, não custa nada lembrarmos o racismo sofrido pelo goleiro Aranha, na época no Santos, em partida contra o Grêmio, em Porto Alegre, pelo Campeonato Brasileiro do ano passado. 

Tudo indica que o racismo ainda paira sob as metas dos goleiros brasileiros.

Como fizera Barbosa, é preciso destruir os símbolos de nossas desgraças sociais. Agora, precisamos fazer isso de uma maneira coletiva, pois não será a mera sucessão cronológica que irá dissolver de nossa cultura o estigma do racismo. 

Faz-se necessário queimarmos as “metas” do racismo na cultura brasileira.


REFERÊNCIAS 
FREITAS, Bruno. Queimando as traves de 50 – glórias e castigo de Barbosa, maior goleiro da era romântica do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: IVentura, 2013.
WISNIK, José Miguel. Veneno remédio – o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

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Escritor e doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.



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Crônica de uma casa grande assassinada

12.10.15 Cabotino 0 Comentarios


por Renato K. Silva


Casa Grande (Fellipe Barbosa, 2014) é um filme muito particular na cinegrafia nacional que aborda a relação entre senhor e subalterno – empregador e empregado. Particular porque escapa dos clichês que geralmente envolvem as produções com esta temática. Por exemplo: o abuso moral, sexual e financeiro por parte dos patrões; o jogo de chantagens, a resistência utilitarista e a alienação em relação aos direitos trabalhistas, por parte dos empregados.


O longa-metragem narra a história de uma família nuclear – pai, mãe e casal de filhos adolescentes – de classe média alta do Rio de Janeiro que, paulatinamente, vê seu patrimônio ser dilapidado pelo orgulho do provedor da família, Hugo (Marcello Novaes), que não assumi estar falido e, por conseguinte, não busca formas de diminuir os danos pela queda do patrão de vida, vendendo a mansão da família, por exemplo. Parece que a Casa é a pele da família e como um caracol, ela se encolhe dentro do casulo para se proteger das intempéries externas.


A queda do padrão de vida é retratada com perícia pela fotografia de Pedro Sotero (fotógrafo que também trabalhou em O som ao redor [Kleber Mendonça Filho, 2012]), como nos enquadramentos que retratam a chegada dos empregados à mansão, localizada em um condomínio fechado da Barra da Tijuca, para trabalhar logo pela manhã: a cozinheira e o motorista. Ambos são recepcionados pelo terceiro empregado, a arrumadeira Rita (Clarissa Pinheiro) que dorme em uma pequena casa ao fundo da mansão. No decorrer da narrativa, o número de empregados vai diminuindo na Casa e isso é evidenciado na rarefação deles por ocasião de suas chegadas para o trabalho. P. Sotero, através dos planos longos e abertos, nos mostra a Casa sendo “assassinada” a partir das sucessivas ausências dos seus funcionários.
 

A escolha dos longos planos abertos realizados por P. Sotero, nos remete imediatamente ao O som ao redor. Tais recursos estilísticos dão ênfase ao ritmo “modorrento” de Casa Grande, tal qual o descrito por Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala, que levavam os senhores e senhoras de engenho a uma completa prostração no dia a dia da Casa Grande. No filme de Felipe Barbosa, a “modorra” se dá quando vemos a patroa da casa, Sônia (Suzana Pires) dando aulas particulares de francês, acompanhadas com chá e biscoitinhos, ou quando Hugo encontra-se refestelado na jaguzzi tomando um drink, ou ainda, quando os filhos são levados à escola com motorista particular.


A “modorra” vai sendo contrastada a partir do momento em que a Casa começa a ruir, isto é, perder sua capacidade de conforto devido à própria ruína financeira da família. A preocupação com as luzes ligadas nos cômodos vazios; com a conta do telefone; a troca do ar-condicionado pelo ventilador; a falta de certos itens de consumo até há pouco presente e, por fim, as demissões do motorista (Severino) e da arrumadeira (Rita) são o canto do cisne na economia emocional das personagens, sobretudo para Jean (Thales Cavalcanti). Jean, tinha na empregada a sua companheira das noites solitárias (sem sexo); e no motorista, seu companheiro de anos no translado para a escola, não só o confidente, como o iniciador nos arcanos da sexualidade – Jean tem sua primeira experiência sexual por intermédio de Severino, que o levou a um prostíbulo.




Após a demissão do motorista, Jean começa a ir à escola de ônibus, para pavor dos pais e satisfação dele que, finalmente, pôde andar pela cidade com mais “liberdade”. Jean estuda em uma escola (São Bento) segregada por gênero, nela, só há homens. E isso diz (veladamente) a relação que Jean estabelece com as mulheres no filme: certa inapetência. 


Numa das idas à escola de ônibus, Jean conhece uma menina da escola pública, Luiza (Bruna Amaya), cabocla descendente de pai japonês com mãe negra, ela mora na periferia de São Conrado. Em seguida, ambos começam a namorar e no dia que Jean a leva para conhecer seus pais em um churrasco na Casa, há uma discussão sobre cotas raciais. Na discussão, Luiza é a favor das cotas raciais no ensino superior por acreditar que o Estado brasileiro precisa reparar a histórica espoliação da população negra no país. A discussão gera um mal-estar entre Luiza e os pais de Jean. No fundo, a questão de raça e classe sobressai-se, veladamente, no desconforto entre os pais de Jean e Luiza. Pois, no fundo os pais de Jean não admitem que ele namore uma menina negra, da periferia e com consciência de classe.


Jean, com a insegurança perpassada por uma cultura machista da qual ele foi criado, não consegue consumar o namoro com Luiza, em um motel, logo após a discussão no churrasco. Destaque para o banho de Jean na jacuzzi do motel como uma espécie de retorno a uma familiaridade perdida com o “assassinato” financeiro da Casa.


Existem dois personagens principais no filme: Jean e a Casa. Jean é um típico garoto da classe média alta, fruto de uma relação superprotetora e do machismo patriarcal que enfatiza as conquistas do homem na casa em detrimento das conquistas femininas. Diríamos mais, Jean é a extensão de sua Casa, quando esta declina àquele segue o mesmo movimento. 




O pai admira Jean que compõe músicas ao violão e aparentemente vai bem nos estudos, o que gera ciúmes na filha Nathalie (Alice Melo) que sente-se preterida no interior da Casa. Pelo excesso de proteção, é negado a Jean certas informações que seriam fundamentais para o seu desenvolvimento emocional, por exemplo, quando o motorista Severino é demitido, Hugo, o pai de Jean, lhe diz que Severino está tirando férias na Paraíba. Além disso, tanto Hugo quanto Sônia, escondem dos filhos a real situação financeira da família, o que faz transbordar o desconforto entre os empregados e os empregadores, devido à crise financeira da família.


O declínio da Casa é refletido no fracasso de Jean no dia do vestibular. Acossado pelo turbilhão de acontecimentos que estão reconfigurando sua vida, e num ímpeto de inquietação, ele abandona a prova e vai atrás do paradeiro do seu ex-motorista Severino que, dias antes, tinha-o visto através da janela do ônibus em um ponto de vans de lotação. Isto é, Severino agora era um motorista de lotação. Ao chegar no endereço de Severino, após consegui-lo com um fiscal de vans do ponto onde Jean havia visto seu ex-motorista, Jean se espanta ao descobrir que Severino é casado com a ex-cozinheira de sua família. Ao encontrá-lo, Jean irrompe em lágrimas. Era a Casa reencontrando quem a mantinha em pé. 


Casa Grande é um filme que rompe os lugares-comuns geralmente presentes nos filmes sobre a relação de classes entre a “Casa Grande” e a “Senzala”, pois a relação entre esses dois pólos não é reificada pelo puro interesse de ambas as partes – salário x serviço –, há algo que ultrapassa este utilitarismo. A cena final do filme é a prova que os afetos extrapolam os ditames da classe social.





Ficha Técnica

Título: Casa Grande (Original)

Ano de produção: 2014

Dirigido por: Fellipe Gamarano Barbosa

Estreia: 25 de julho de 2014 (Brasil)

Duração: 115 minutos

Gênero: Drama

País de origem: Brasil






É escritor e doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.

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As rasteiras de Petra Laszlo

8.10.15 Cabotino 0 Comentarios


Petra Laszlo é o nome da cinegrafista húngara que passou a perna, literalmente, por meio de rasteiras e chutes, nos exilados políticos sírios que estavam fugindo da polícia húngara que os acossavam por buscarem melhores condições de vida no continente europeu, em especial, na zona mais favorecida da região do Euro, os países ao norte do continente.

Chamei acima de exilados políticos ao invés de refugiados por acreditar que a palavra refugiado guarda forte conotação de refugo, ou seja, lixo.

Segundo entrevistas da própria P. Laszlo, o que a levou a dar rasteiras nos exilados políticos, foi uma postura não deliberada por conta do rompimento intempestivo do cerco que a polícia havia feito. Isto é, segundo suas afirmações, ela teria entrado em pânico e agido de maneira inconsciente. 

Pois bem, acredito que seja secundário tentar encontrar a “gênese” das ações de P. Laszlo, se fora consciente ou não. O que sei é que aquelas rasteiras não eram apenas disferidas por P. Laszlo, foram as rasteiras de um continente assustado com a quantidade de refugiados, lixo, entrando massivamente em seus domínios. 

P. Laszlo é a sinédoque (a parte pelo todo) de um continente que, de maneira estranha, se estarrece com o fenômeno dos refugiados políticos. Explico-me, se reparamos bem nas imagens, veremos que ela é uma mulher branca, magra, até então com emprego fixo, uma câmera na mão e uma máscara no rosto.  

A câmera e a máscara são dois objetos que refletem sobremaneira a relação que o Ocidente estabelece com aquilo que lhe é estranho. No primeiro momento, a vontade de registro e divulgação, por meio de inúmeras mídias para os lares do welfare state ocidental, a posteriori, comoção e indignação, como fora o caso, por exemplo, do refugiado sírio, Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia grega dias antes. A câmera fizera o registro do sonho por uma vida melhor sendo soçobrado em uma praia do mar grego, berço da civilização ocidental.

O que mais incomodou o mundo ocidental é que o garoto Aylan Kurdi era branco, estava bem vestido e calçado. A imagem foi inadmissível para uma região do planeta (Ocidente) que acredita sobretudo num credo (Cristianismo) onde seu Messias veio ao mundo como uma criança, Jesus Cristo.

Já a máscara no rosto de P. Laszlo é o contraponto à câmera, se esta precisa cumprir sua função de registro, a máscara diz para o objeto retratado pela câmera, que ele não é um igual a quem faz o registro, ele é lixo e como tal é preciso evitar o contato físico e a contaminação pelo ar. 

Neste sentido, a câmera e a máscara são os instrumentos que a Europa escolheu para se relacionar com os refugiados: registrar a dor do outro, mas evitando o contato, inclusive o compartilhamento do mesmo ar. E as rasteiras foram para lembrar em que lugar deve ficar o lixo: ao rés-do-chão do capitalismo de bem-estar social. 

por Renato K. Silva, doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.

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Fonte das fotografias: Google Imagens.

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Previsões astrológicas: Áries, Touro e Gêmeos

7.10.15 Cabotino 0 Comentarios


ÁRIES

Seja menos dramático. Não se intrometa muito na vida dos seus familiares. Apague suas mensagens do WhatsApp. Neste momento, é aconselhável não deixar rastros. Fique atento na fatura do seu cartão, em breve ele estourará o limite. Pare de passar na cara das pessoas o que você fez por elas, os seres humanos são mal-agradecidos mesmo, e seus chiliques não irão demovê-los do contrário. Neste instante de sua vida, cale a boca e ouça mais, porque você está falando muita merda. Pois, em tempos de tosquia, o ariano deve salvar sua pele.

TOURO

Para você que é do signo de Touro, deixe de ser teimoso e cabeça dura. Está na hora de pôr os cornos de molho e refletir se vale ou não a pena mudar. As mudanças são necessárias, assim como quitar sua dívida com o SERASA e o SPC. Dê menos valor ao que não é necessário, as coisas necessárias são invisíveis a olho nu. Por isso, é tempo de introspecção e de investimento no trabalho, pois o bilhete azul é iminente. Seja menos “pé no chão” e ouse mais, até por que, a vida não dá muito capim para ficarmos só ruminando.

GÊMEOS

Gêmeos, você está fofocando demais e, como sabemos, quem cedo faz alarde logo o rabo arde. Portanto, urge ser menos alcoviteiro e prestar mais atenção nas pessoas ao seu redor. Fique atento que Saturno está dando um dos seus anéis para Plutão, por isso, siga o movimento dos astros e doe-se mais, porque ficar sendo leva e traz, atrapalha a vida sexual dos outros, assim como a sua. Caso siga o conselho do zodíaco, não espalhe a notícia, pois estará susceptível à má fama, por conta do seu fácil trânsito nas comunicações e no reino de Baco.

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Cadê o ôco?

2.10.15 Cabotino 0 Comentarios



No tempo que virgindade era chamada de cabaço, eu costumava correr atrás de papagaios após o toque: aquele momento de rebuliço que mexe nas pernas de 11 onze entre dez meninos maloqueiros de rua quando uma pipa voa, moribundamente,  pelo céu e a gravidade puxa-a devagarinho para o chão onde, logo mais, toda uma batalha campal estourará para ver quem pega-a primeiro.

Sempre rolava um buruçú na hora de pegar o papagaio que voou. Os moleques lá do Córrego eram os mais água de coentro porque se nenhum da patota deles pegava, eles destroçavam o papagaio na mão de quem o agarrou. Não sabiam perder. Estrilavam tal qual o dono da bola que nas peladas quer jogar todas as partidas, caso não deixem, ele toma a bola e vai para casa. 

Os almas sebosas do Córrego só deixavam quieto quando era Gago que agarrava a pipa, porque com Gago o pau cantava, mesmo sozinho ele se garantia contra a patota pois se ele agarrava um... Fodeu! Nem d. Jaidete, avó/mãe de Gago, o fazia soltar o infeliz.

Pior do que torar e aparar um papagaio, como o nome já diz, você tora a pipa do otário e ainda apara-a com sua linha, não me venham perguntar como isso é possível, só sei que a pipa torada fica enroscada na linha do papagaio que o torou, era fazer voar o tremendão de Tricongate. 

Esse bicho fazia os melhores papagaios da quebrada: usava três paletas de coco nas armações, fazia castelo na cabeça e umas rabadas de mais de dez metros, sem brincadeira. Só usava zebrão com cerol de pó de mármore. Não chocava papagaios, se subisse um, só arredava o pé quando levava um toque. Caso contrário, dava-o para o peru mais próximo. Por isso, quando ele subia um... Ficava uma pá de peru queimando a cara ao redor dele.

O cúmulo da maloqueiragem é pegar um toque pelo ôco. 

Ou seja, quando uma pipa é torada em disputa – linha e cerol x linha e cerol – e dependendo de onde a linha seja torada, há uma quantidade maior ou menor de ôco, pois este é o resto de linha que voa junto com o papagaio. 

Por isso, é muito difícil pegar um pelo ôco, até por que, há as doideras do clima: vento, luminosidade para enxergar a linha, velocidade, tempo. E onde ela vai cair: se num telhado de casa? num descampado? no canal etc., e claro, a cagada, ou melhor, a sorte de conseguir antevê o ôco em meio à correria do toque.

Uma única vez eu peguei um papagaio pelo ôco, foi um dos dias mais felizes da minha vida. Estávamos subindo papagaios lá no Campo do Calango, eu já tinha voado e no momento estava na resenha das toranças pelo céu e peruando umas dibicadas nas linhas dos outros. 

De repente, o grito que anuncia o rebu: tooquêê! Partimos desabaladamente pelas encostas de barreira que margeavam o Campo do Calango, era sebo na canela e calcanhar batendo na bunda. Abrindo caminho nas tiriricas com o peito – regra número um da maloqueiragem: camisa não existe –, o coração acelerando com o pique repentino, pés no chão e olhar no céu, foda-se o que está à frente, atrás e dos lados o que interessa é o papagaio. 

Olhei para o sol e vi uma nuvem encobrindo-o do lado direito do poente e, parecia um dedo de anjo apontando a trilha do ôco para mim, pensei: esse daí é meu e ninguém tasca. Pulei igualzinho as comemorações que H. Stoichkov fazia após seus gols: só que ao invés de um soco no ar, eu dei uma tapa e em seguida fechei-o com o ôco na mão.

Saí correndo com o ôco do papagaio na mão porque atrás de mim vinham os filhos da puta do Córrego. Depois eu parei e pensei: o que eles vão fazer com o meu papagaio já que ele não está em minhas mãos? Fodam-se, se quiserem tomar à força eu solto o ôco, e um abraço pra todo mundo. Parei de correr. Subi as barreiras com ele tremulando lá em cima, bonitão ao sabor dos ventos de setembro e comecei a dibicá-lo na suavidade. Neste instante, a nuvem saiu da frente do sol e os maloqueiros cochichavam: bicho cagado da porra, pegou o papagaio pelo ôco.

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Crédito da fotografia: Fabio Teixeira - Jornal Extra, Rio de Janeiro.


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