Contribuindo para as Notas
Faz algum tempo que prometi ao
Cabotino em colaborar, mesmo que minimamente, com suas notas de verão sobre impressões de primavera – escritos em que
expõe suas observações sobre a terra de Neruda.
Não sou tão esquemático quanto o
Cabotino, que vem postando suas notas em subtópicos, que vão desde o povo à
política do Chile. E, deste maneira, minhas anotações serão mais aleatórias e
menos sistemáticas, e por isso mesmo também menos completas.
Mas vamos lá para o meu samba de
uma nota só.
Começo desfazendo qualquer
ideário luso-tropical que associa uma viagem a um país frio com uma visita à
neve. Não, não fui ver a neve. Menos por me achar mais sagaz que qualquer outra
pessoa e mais por considerar um tremendo fumo pagar uma fortuna para ficar
acasacado, morrendo de frio, aos pés dos Andes.
Não, minha curta grana eu gastei
de outro modo.
Na realidade, eu sempre achei
bisonhas essas viagens com companhias de turismo, que prometem te mostrar o
melhor daquele lugar no menor espaço de tempo: cronômetros acertados, porque
viajar é, muitos creem, guardar uma foto de cada localidade turística, e depois
colocar no facebook, etc, etc.
Não que a exposição nas redes
sociais seja condenável, não, jogamos o mesmo jogo, posta daí que eu curto
daqui. Mas conhecer uma cidade cumprindo à risca uma lista de lugares essenciais, seguindo também
meticulosamente um espaço de tempo para cada um deles, é vender um tempo
precioso, aquele que deveria ser de ócio ou de lazer.
É por isso que fui andar. E numa
das caminhadas pelo centro de Santiago vi a seguinte plaquinha num fiteiro: no vendo a crédito, no doy fuego, no doy
información. Ethos do chileno citadino, cansado de emprestar seu isqueiro e
dar informações aos brasileiros folgados que chegam falando um estranhol
barulhento por lá, talvez...
Mas uma coisa é certa: por essa
as companhias não esperavam!
Voltando: a primeira impressão,
dizem, é que a fica. Mas eu precisei de outro exemplo para confirmar que
trabalhador de rua de Santiago não gosta muito de jogar conversa fora, o negócio é
comprar, pêi-buf, e tchau. Foi numa feira de artesanato, e numa barraca não
muito grande, escrito com letras também não muito grandes: si no es para comprar, por favor no tocar.
E a vendedora segurava uma
revista e me fitava ao mesmo tempo, um olho no peixe e outro no gato, zelando
por sua mercadoria. Comprei um marcador de livros, só para ser chato.
Chato mesmo foi o toco que eu
levei num bar. Era já madrugada e eu estava alto de tantas cervejas – que
dobrou de preço porque trocamos uma mesa de dentro por uma de fora do
estabelecimento. Entre um gole e outro, saquei minha companheira para dançar,
e... O garçom me puxa de lado e me diz que acá
no se puede bailar.
Fiquei com gosto de chuchu na
boca. Mas fazer o quê¿ Em terra alheia, pisa no chão devagar. Desse dia em
diante deixei meus modos de recifense de lado e fui um gentleman no Chile – ou
o que mais pode se aproximar disso um suburbano brasileiro.
Mas talvez eu esteja enveredando
por um caminho errado, ou não previsto, por deixar mais ou menos implícito que
o povo chileno é chato. Sisudo, vá lá, se assim se quer. Mas nem por isso menos
acolhedor. Fui muito bem recebido por alguns colegas de lá e até nas ruas os
estranhos eram pacientes comigo.
É isso: - as ruas! Acho que agora
cheguei no ponto principal. Como o chileno gosta das ruas, como tem o seu senso
de espaço público aguçado. A rua é um lugar que ele valoriza e ocupa. Caminha
pelas avenidas, frequenta e até dorme (um banzo pós-almoço) nos parques e
praças. Demais para quem cresceu sabendo que um cochilo no Parque 13 de Maio
era um verdadeiro desafio.
Mas tudo isso, e toda a qualidade
de vida que a cidade de Santiago tem a oferecer, custam caro. O estado
neoliberal chileno é voraz. Acima me referi ao preço da cerveja que variou de
acordo com espaço do bar que ocupei, mas que também varia de acordo com o
horário, assim como muda de acordo com os turnos o valor da tarifa do metrô, do
mesmo modo que pagar 800 pesos chilenos (cerca de 4 reais) por uma garrafa de
500ml de água é doloroso, etc, etc, etc... Pois é, a turma de Chicago botou
quente por lá e o laissez-faire, que de bobo tem só o nome, não dá ponto sem
nó.
E embora, no geral, a população
tenha como se inserir nesse mercado, nos últimos dois anos houve significativas
manifestações de rua contra os abusos dessa economia completamente desregulada,
principalmente no que tange à educação pública e gratuita – ponto também muito
lembrado neste ano de eleições presidências e do 25º aniversário da queda do
regime militar.
Mas isso é pano para outras
mangas (que o próprio Cabotino vem costurando muito bem).
Por ora, encerremos por aqui essa
prosa despretensiosa, que já vai longe demais. E fiquemos, como saldo, com a
cumbia de Chico Trujillo, que vai bem acompanhada de uma cerveja gelada.
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