Contribuindo para as Notas

19.11.13 Unknown 0 Comentarios


Faz algum tempo que prometi ao Cabotino em colaborar, mesmo que minimamente, com suas notas de verão sobre impressões de primavera – escritos em que expõe suas observações sobre a terra de Neruda.

Não sou tão esquemático quanto o Cabotino, que vem postando suas notas em subtópicos, que vão desde o povo à política do Chile. E, deste maneira, minhas anotações serão mais aleatórias e menos sistemáticas, e por isso mesmo também menos completas.

Mas vamos lá para o meu samba de uma nota só.

Começo desfazendo qualquer ideário luso-tropical que associa uma viagem a um país frio com uma visita à neve. Não, não fui ver a neve. Menos por me achar mais sagaz que qualquer outra pessoa e mais por considerar um tremendo fumo pagar uma fortuna para ficar acasacado, morrendo de frio, aos pés dos Andes.

Não, minha curta grana eu gastei de outro modo.

Na realidade, eu sempre achei bisonhas essas viagens com companhias de turismo, que prometem te mostrar o melhor daquele lugar no menor espaço de tempo: cronômetros acertados, porque viajar é, muitos creem, guardar uma foto de cada localidade turística, e depois colocar no facebook, etc, etc.

Não que a exposição nas redes sociais seja condenável, não, jogamos o mesmo jogo, posta daí que eu curto daqui. Mas conhecer uma cidade cumprindo à risca uma lista de lugares essenciais, seguindo também meticulosamente um espaço de tempo para cada um deles, é vender um tempo precioso, aquele que deveria ser de ócio ou de lazer.

É por isso que fui andar. E numa das caminhadas pelo centro de Santiago vi a seguinte plaquinha num fiteiro: no vendo a crédito, no doy fuego, no doy información. Ethos do chileno citadino, cansado de emprestar seu isqueiro e dar informações aos brasileiros folgados que chegam falando um estranhol barulhento por lá, talvez...

Mas uma coisa é certa: por essa as companhias não esperavam!

Voltando: a primeira impressão, dizem, é que a fica. Mas eu precisei de outro exemplo para confirmar que trabalhador de rua de Santiago não gosta  muito de jogar conversa fora, o negócio é comprar, pêi-buf, e tchau. Foi numa feira de artesanato, e numa barraca não muito grande, escrito com letras também não muito grandes: si no es para comprar, por favor no tocar.

E a vendedora segurava uma revista e me fitava ao mesmo tempo, um olho no peixe e outro no gato, zelando por sua mercadoria. Comprei um marcador de livros, só para ser chato.

Chato mesmo foi o toco que eu levei num bar. Era já madrugada e eu estava alto de tantas cervejas – que dobrou de preço porque trocamos uma mesa de dentro por uma de fora do estabelecimento. Entre um gole e outro, saquei minha companheira para dançar, e... O garçom me puxa de lado e me diz que acá no se puede bailar.

Fiquei com gosto de chuchu na boca. Mas fazer o quê¿ Em terra alheia, pisa no chão devagar. Desse dia em diante deixei meus modos de recifense de lado e fui um gentleman no Chile – ou o que mais pode se aproximar disso um suburbano brasileiro.

Mas talvez eu esteja enveredando por um caminho errado, ou não previsto, por deixar mais ou menos implícito que o povo chileno é chato. Sisudo, vá lá, se assim se quer. Mas nem por isso menos acolhedor. Fui muito bem recebido por alguns colegas de lá e até nas ruas os estranhos eram pacientes comigo.

É isso: - as ruas! Acho que agora cheguei no ponto principal. Como o chileno gosta das ruas, como tem o seu senso de espaço público aguçado. A rua é um lugar que ele valoriza e ocupa. Caminha pelas avenidas, frequenta e até dorme (um banzo pós-almoço) nos parques e praças. Demais para quem cresceu sabendo que um cochilo no Parque 13 de Maio era um verdadeiro desafio.

Mas tudo isso, e toda a qualidade de vida que a cidade de Santiago tem a oferecer, custam caro. O estado neoliberal chileno é voraz. Acima me referi ao preço da cerveja que variou de acordo com espaço do bar que ocupei, mas que também varia de acordo com o horário, assim como muda de acordo com os turnos o valor da tarifa do metrô, do mesmo modo que pagar 800 pesos chilenos (cerca de 4 reais) por uma garrafa de 500ml de água é doloroso, etc, etc, etc... Pois é, a turma de Chicago botou quente por lá e o laissez-faire, que de bobo tem só o nome, não dá ponto sem nó.

E embora, no geral, a população tenha como se inserir nesse mercado, nos últimos dois anos houve significativas manifestações de rua contra os abusos dessa economia completamente desregulada, principalmente no que tange à educação pública e gratuita – ponto também muito lembrado neste ano de eleições presidências e do 25º aniversário da queda do regime militar.

Mas isso é pano para outras mangas (que o próprio Cabotino vem costurando muito bem).


Por ora, encerremos por aqui essa prosa despretensiosa, que já vai longe demais. E fiquemos, como saldo, com a cumbia de Chico Trujillo, que vai bem acompanhada de uma cerveja gelada. 

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Croniqueta

19.11.13 Cabotino 0 Comentarios



O cursor do Word pulsando regularmente como se fosse os movimentos de uma sístole e diástole pedindo que bombeie sangue, vida ou alguma coisa parecida, mas nada vem para desvirginar a tela em branco, absolutamente, nada.

Talvez seja a falta de inspiração; ou ninfas ou quem sabe o arquetípico pássaro azul. Não sei. O que sei é que já estou começando a enrolar vocês, pelo menos estamos no formato digital e nenhuma árvore foi cortada para acabar em um par de frases deste cronista bissexto e ludibriador.

Vamos lá.

Era um dia cinzento... Parou! Assim não dá, que lugar-comum. Vamos lá mais uma vez. Hoje presenciei um acontecimento... Ah! Que coisa mais cafona, quem está interessado em saber o que aconteceu comigo ou com as invenções de minha imaginação? Narrar qualquer coisa que seja em primeira pessoa ou terceira não vale os bytes da fonte verdana tamanho 12 deste texto quem dirá a sua atenção. Mas, se estiveres lendo ainda vou tentar mais uma vez dar início a alguma coisa que valha mais do que o meu silêncio ou seu precioso tempo entre o Facebook e este blogue.

Vocês querem sangue? Uma história de amor? Ou outra platitude qualquer do cotidiano de alguém? Não vou dar nada disso. Querem à minha alma ou à minha autoflagelação? Ou querem a problemática mimética de minhas experiências transplantadas para vocês que ficarão se perguntando, será que isso aconteceu com ele? Também não vou dar. Se tivesse em uma redação o chefe já estaria chupando minha carótida e berrando: cadê o texto? A Mafalda já está pronta assim como o joguinho dos sete erros e as palavras cruzadas, porém hoje, é impossível sair alguma coisa e como resposta a ele, o atiraria do alto da redação para o maquinário da gráfica só para ganhar um fato jornalístico. Mas creio que o assassinato de um chefe de redação não seja algo que valha a pena ler.

Prometo a vocês, isso aqui não vai passar de uma lauda com espaçamento simples e fonte verdana tamanho 12.

Puta que pariu, séculos e séculos de tecnologia acumulada e trabalho humano agregado e eu aqui entre os valores de troca e uso na confecção de uma cronicazinha. E viva a revolução tecnológica dos Estados Unidos da América (poderia muito bem abreviar para EUA, mas quero tomar o tempo de leitura de vocês) e o Vale do Silício e toda à mão de obra explorada nesta Meca erigida em fibra ótica que me deu as condições matérias para usurpar o seu tempo à distância nesta croniqueta. 

Narrar requer tempo e tempo é Cronos e Cronos é crônica e já que o Capital explora o trabalho pelo Mais-Valor que em síntese é o tempo acumulado e embutido na feitura de cada mercadoria, eu consegui roubar o pouco de seu tempo para a causa perdida deste texto desde o início, e, além disso, menti, já passou de uma lauda.


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Notas de verão sobre impressões de primavera [Santiago] IV

15.11.13 Foi Hoje! 0 Comentarios


POLÍTICA

O Chile pós Allende (não irei esmiuçar as implicações que levaram ao golpe militar chileno em 1973, para tanto, sugiro o documentário dirigido por P. Guzman, A batalha do Chile. Apenas vou tentar trazer alguns pontos de permanência e ausência do legado militar no país) se transformou em um verdadeiro laboratório, na América Latina, para experiências neoliberais. Não é à toa que FHC é cultuado no país e, acredito, mais como arauto do Consenso de Washington do que como o Príncipe dos Sociólogo. Há até praça inaugurada (1996) por ele próximo a Av. Brasil, no centro de Santiago, em homenagem a Tom Jobim (a Bossa Nova é a música por excelência do Brasil no Chile, algo que falei na seção sobre o Povo chileno).

Apesar dos últimos presidentes terem como plataforma ideológica o socialismo, R. Lagos e M. Bachellet (que vai tentar a reeleição em novembro), os efeitos da ditadura militar no Chile são visíveis principalmente na esfera econômica. Há um enxugamento do Estado que, para um brasileiro que conheceu pela primeira vez uma economia predominantemente neoliberal, foi algo marcante. Bens e serviços públicos estão entregues, em grande medida, às leis do mercado.

Quando fui conhecer a praia de Algarrobo, para visitar a casa de um amigo que conheci em Santiago, tentei apanhar o ônibus intermunicipal no terminal rodoviário da Estação Universidade do Chile. No terminal, tive vontade de ir ao banheiro e, para a minha surpresa, tive que pagar 250 pesos, algo em torno de um real e pouco para ter acesso ao serviço. Não bastasse o bilhete de metrô (Bip) que custa 610 pesos no horário do rush que tive que pegar para chegar ao terminal. Pois é, o preço dos bens e serviços em Santiago variam de acordo com o horário. Não estranhe pagar 1300 pesos em uma cerveja e após as 21h o preço da mesma subir para 1500 pesos, essa prática é moeda corrente por lá.

O Chile atual está menos nerudiano e mais bolañiano.

Conversando com uma professora (fã de Fagner) de surf, nas águas gélidas do pacífico, que conheci em Santiago por ocasião de uma festa no 19º andar de um apartamento à noite onde se via toda a Santiago em seu esplendor de mercúrio. Ela me falou que se você não estudar em uma escola boa (leia-se privada) na infância, você não tem chance de cursar uma universidade boa (leia-se novamente, privada). Fiquei alarmado, mas o baque maior veio logo em seguida, disse-me também que comida em Santiago é artigo de luxo. Depois ela me localizou, da sacada do apartamento, a disposição espacial/econômica da cidade de Santiago, o leste é onde concentra-se os ricos da cidade, a classe média fica ao norte e oeste (mais acentuadamente) e a classe baixa ao sul. Foi uma boa aula de surf.

Um dado interessante é que cheguei à Santiago por ocasião do 40º aniversário do golpe militar de 11 de setembro de 1973 (curioso que para Washington o único 11 de setembro que existe é de 2001, e o de destituir um presidente democraticamente eleito não conta, é ideologia). E também estava comemorando-se as festividades da Fiestas Pátrias (ou o Dezoito) algo parecido como a semana da Pátria, comemorado especificamente, nos dias 18 e 19 de setembro.

Ao chegar ao país, estranhei a enorme concentração de bandeiras chilenas no caminho do aeroporto, desde favelas até a Vicuña Mackena, rua onde fiquei instalado em um hostel no centro de Santiago. Daí perguntei-me, de onde vem este patriotismo? Talvez venha de uma estratégia, escolhida pelo povo chileno, de esquecer o que tivera acontecido há quarenta anos. Cada povo escolhe sua maneira de esquecer ou purgar seus males políticos, o nosso ainda está indelével por conta dos arquivos que não foram completamente abertos e que talvez tenha sido detonado (a soma dos “resíduos” na acepção de H. Lefébvre) nas jornadas de junho deste ano. No caso chileno, houve a tentativa de julgamento de A. Pinochet (em 2005, não efetivado devido à morte do facínora um ano depois) e as ruas que foram tomadas recentemente, em grande medida, em prol da gratuidade da educação superior.

Andando pela zona oeste da capital chilena percebemos como a cidade passou por um processo de Manhattização, principalmente no empreendimento imobiliário/financeiro conhecido como: Costanera Center. Uma construção faraónica incrustada na Comuna de Providence e que é um complexo comercial que congrega o maior edifício da América Latina, próximo à estação do metrô de Tobalaba. Um dado curioso é que, cada bairro de Santiago, conhecido como Comuna, é autônomo em relação ao poder municipal, ou seja, os bairros mais ricos coletam mais impostos que são convertidos em bens e serviços no próprio bairro. Essa prática administrativa descentralizada reproduz a própria estrutura financeira da cidade, quem possui mais condições continua assim, que possui menos...

Suscitei em uma das seções anteriores a biopolítica que perpassa a austeridade andina. Esse fato fica claro quando andamos pelo bairro boêmio da Bela Vista, ele é uma sinédoque do que há em toda Santiago, não se pode beber na rua, salvo se o bar tiver cadeiras e mesas nas calçadas, excetuando isso, não. O que me assustou mais foi à relação estabelecida pelos carabineiros (policiais) com outros povos andinos, principalmente os bolivianos e peruanos, eles são truculentos e pouco tolerantes em relação a estas duas populações. Um exemplo, se eles virem um deles (detectados pelo biótipo andino) bebendo na rua, provavelmente, o enquadrará. Se for brasileiro, eles relativizam, dão uma advertência. Talvez este tratamento diferenciado conosco não seja oriundo de uma deferência com o jeito entretenido (bonachão) de nós brasileiros, mas sim a amplitude política que nós adquirimos no cenário internacional nos últimos anos. Quando a desigualdade é manifesta na enunciação, é fundamental ter um bom serviço diplomático lhe respaldando, os ingleses praticam isso há séculos.

Ainda em relação ao tema da biopolítica e também ainda sobre o álcool, percebi um dia em que caminhava pela Praça Brasil em busca de algum restaurante que vendesse comida brasileira, pois o imperativo do hábito não reconhece nacionalidades, me deparei no horário com vários estudantes, crianças, casais etc. espalhados pela praça. As mulheres chilenas são muito bonitas e as colegiais lembram personagens dos HQs Hentais – saia de prega, meia arrastão, penteados sóbrios. Acredito que a austeridade andina recaiam mais sobre elas (como de costume) do que nos meninos. Vi alguns garotos no referido logradouro, sacando umas cervejas da mochila e fumando – Santiago é uma cidade de muitos tabagistas. As colegiais também fumavam e com uma destreza típica de anos de tabagismo. Comecei a perceber que há várias brechas dentro da política “oficial” da austeridade inseridas no cotidiano do chileno, ele, assim como nós, aprendeu as estratégias para uma vida mais leve em meio à atmosfera neoliberal que paira sobre todos, onde as regras do mercado que solapam, em grande parte, as do Estado são muitas vezes mais fóbicas do que as do Leviatã.

As ingerências do mercado só não são mais sufocantes para o chileno porque ele é um povo que ama a rua e não será nenhum Consenso de Washington que roubará isso deles.

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por Renato K. Silva - Pós-graduando em Ciências Sociais pela UFRN    
           
           


            

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Notas de verão sobre impressões de primavera [Santiago] III

15.11.13 Foi Hoje! 0 Comentarios



Gastronomia

A Ignácio por nos ensinar um outro tipo de cordialidade.

Beber e comer no Chile são duas experiências ímpares para nós habituados a boa mesa, refiro-me primeiramente a opulência da gastronomia brasileira no sentido das diversidades de especiarias, leguminosas, grãos etc. não tanto na acepção da qualidade do sabor da cozinha chilena, se bem que esta deixou a desejar para alguns de nós. Há de se ressaltar as limitações geográficas do Chile no que tange as diversidades alimentícias que encontramos em nosso país. De qualquer forma, como falei na seção anterior, comer e beber bem no Chile são artigos que requer dispêndio, coisa rara para um visitante incauto.

Para todos os efeitos, a impressão sobre a cozinha chilena (vou me ater mais a de Santiago) é a de algo célere, a vida em Santiago é acelerada e por isso há na cidade inúmeras redes de fast foods, barraquinhas de comidas rápidas a base de muita fritura espalhadas nas ruas (destaque para a sopaipilla), além do onipresente pollo con papas fritas – ¼ de frango acompanhado com batata frita.

Vou começar pelo pollo con papas fritas, comi-os em várias partes da cidade e percebi em todos que eles são servidos austeramente (exceção feita ao que comi no Cerro San Cristóbal), ou seja, não há os típicos condimentos que encontramos em nosso frango quando preparado. O pollo chileno é sóbrio, desprovido de especiarias, exceto pelo sal. A batata frita é banhada no óleo, é grudenta e tem um aspecto graxoso. Talvez seja uma estratégia não deliberada para suportar o frio, quanto mais colesterol no organismo, mais nos aquecemos dele. Apesar disso, o chileno no geral não é gordo, eles mantem a magreza, acredito, a partir do regramento alimentício e também pelo desequilíbrio na balança calórica, por exemplo: Santiago é uma cidade que consome muito sorvete, mesmo no frio, mas o sundae deles é menos doce do que o nosso, percebi isso até no sorvete do McDonald’s.

Antes de falar sobre outras características da mesa chilena, vou falar sobre a água. Primeiramente, o chileno é acostumado a tomar água da torneira algo que para nós nordestinos após o surto do cólera no início dos 1990 ficou inviável, para quem tem condições, tomar água sem ser envasada. No caso chileno, a água envasada (que chamamos também de mineral) é muito cara, lembro que comprei uma garrafinha de 600 ml no Cerro Santa Luzia por 800 pesos, ou seja, algo em torno de R$ 4. Além disso, a água mineral tem um sabor muito forte, inclusive a vendida pela Coca-Cola.

Em relação à sobriedade da cozinha chilena, destaque para o hot-dog que é muito parecido com os que vemos nos filmes americanos e também nos comercias de ketchup. Um impávido pão sedinha com uma anêmica salsichinha dentro à base de ketchup, mostarda e maionese a gosto do cliente que capricha nestes condimentos, caso contrário, fica difícil engoli-lo. Porém, o hambúrguer é gigantesco, recheado de carne e legumes muito apreciado em todos os lugares.

É lugar-comum falar do vinho chileno, é bom e barato. Mas, a bebida alcoólica que vi mais ser consumida foi o pisco com Coca-Cola que diferente do vinho, congrega mais as pessoas, primeiro por ser mais barata e depois por ter um teor etílico mais elevado. Porém, a bebida que mais apreciei foi o Terromoto (feito basicamente de pipeño, vinho branco, creme de abacaxi, ananás, e estocadas de Fernet, grenadine e bitters) consumida em La Piojera – El palacio popular. Sobre este espaço, falou-me uma amiga que conheci em Santiago que ele era um ponto de apoio para os comerciantes que vinham do interior negociar na capital. Lá eles comiam, bebiam e dormiam. Sem dúvida, La Piojera é a topografia que berra contra os acordes afinados do capital neoliberal chileno. O lugar é sujo, cheios de bêbados, gente de toda a cor (encontrei mais negros neste lugar do que em toda Santiago enquanto estive nela). O Terromoto de La Pijera é literal, dois deles (cada um tem 500ml) lhe derruba. Além disso, há música típica em todo lugar e pessoas dançando, cantando e se equilibrando entre as pernas por conta do Terremoto. Lembro-me que saí de lá acompanhado de um casal de amigos, todos nós rindo e cantando rumo à estação Puente Cal y Canto.

Em Santiago os nossos “irmãos siameses”, arroz e feijão, foram separados. É difícil encontrar feijão na cidade, eu em particular, não consegui encontrá-lo. Além disso, as refeições prontas (o nosso PF) vendidas em Santiago vêm envelopadas em papel contato e em uma bandejinha, minúscula, de plástico pronto para ir ao microondas. Arroz branco com ervilha e milho verde (lembra um Cup Noodles), uns legumes e a carne bovina, frango ou porco. A carne suína (cerdo) é bastante apreciada no Chile e ela é servida, em sua maioria, na forma guisada.

Uma coisa que chamou a minha atenção nos restaurantes que frequentei no país é a entrada dos pratos, eles sempre são servidos, em toda a parte, por um pebre (tipo uma vinagrete com pimenta, tomate, cebola, salsinha) acompanhado de uns pãezinhos com um pouco de manteiga separada, uma entrada elegante, singela e saborosíssima que encantou este conviva acostumado a não ter cerimonia inicial ao comer.

O único dia em que comi à tripa solta (regaladamente) sem ser na casa de Ignácio em minha última noite em Santiago, foi em Valparaíso quando tive a felicidade de pedir um prato de marisco em um animado restaurante próximo a Plaza Sotomayor. O prato foi suntuoso, extremamente forte e opulento. Lembro-me que suava a cântaros, tomei umas cervejas para acompanhá-lo e ao som de música local, foi uma refeição inesquecível. Alguns dos convivas (amigos e demais) que estavam comigo no restaurante pediram um filé de merluza e qual não foi minha surpresa quando o prato chegou, uma merluza inteira acompanhada de batata frita (foram as mais secas que vi no Chile assim como a merluza). Talvez Valparaíso por ser uma cidade portuária e deter uma enorme quantidade de mão de obra braçal, além de ser uma cidade historicamente de lutas políticas que infelizmente viu a conspiração nascer em seu seio em 1973, possua uma mesa que transborda, que rompe brevemente aquilo que caracterizei de austeridade e que ultrapassa os limites da subjetividade para adentrar na prosa da vida chilena.

As duas cervejas mais consumidas por mim em Santiago foram a Cristal e a Escudo, ambas em formato de um litro. Bebi-as em grande parte no bairro da Bela Vista e no de Providence e também em Viña del Mar. Algo a ser destacado no consumo da cerveja na cidade é que ela é servida quase a temperatura ambiente, estranhei de início, mas as temperaturas à noite chegando a 2° Celsius... Outra coisa é que as cervejas não precisam de abridor, as tampas são rosqueadas. Beber ao ar livre, prática comum a um boêmio dos trópicos, é algo difícil na primavera chilena, o frio inviabiliza qualquer estadia na calçada para apreciar a paisagem das muy guapas chicas chilenas e das belas calles da cidade. Há quem tenha condições de pagar por uma mesa com calefação, quem não tem precisa do Outro para se aquecer no interior de alguma taverna, os “lisos” no frio se solidarizam. 
           
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por Renato K. Silva - Pós-graduando em Ciências Sociais pela UFRN
            

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Vida

13.11.13 Unknown 0 Comentarios


foi de dois em dois
que se fez o quatro

que foi subindo para
para se formar em quarto

e se transformar em casa
para se formar em asa

para se perder no céu
virar estrela no painel

para despencar feroz
se esconder na terra atroz

e se transformar em nada:
dormir no chão calada.

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