Confissões II

11.8.13 Cabotino 0 Comentarios



                Era ainda um estudante secundarista quando fui arrebanhado por uma destas organizações estudantis profissionais que vivem a cooptar os jovens colegiais para os seus interesses mais individuais do que coletivo/sociais. Confesso que fui, primeiramente, não pelo protesto em prol da redução da tarifa em 15 centavos, mas paradoxalmente, pela oportunidade de ir ao Centro de graça.  Além de disponibilizar um ônibus para nos levar e trazer, a organização (estas sempre tem um “S” ou um “C” em meio as suas siglas) permitiu que fossem somadas mais pessoas ao contingente que iria para o protesto na Av. Conde da Boa Vista. Daí alguns amigos meus foram também de gaiatos.
                Estava pouco me fudendo para o protesto, estava indo com a minha turma para tomar “uma” pelo Centro, vinho Carreteiro no Beco da Fome e depois Sapupara com uva roxa na “Praça dos Punks” (cujo nome é Praça Oswaldo Cruz, aquele sanitarista que fazia às vezes de higienista) e, depois, se sobrasse alguma grana, iríamos para o Antigo.
                Já na ida, descobrimos que nós não iríamos somar a massa que já estava concentrada na Boa Vista, e sim ir fazer volume ao reduzido pessoal que estava enfrentando a polícia no Parque 13 de maio, próximo a Câmara Municipal, pois era o pessoal da mesma organização estudantil.
                Chegamos ao Centro eu e minha turma, curiosamente, fomos tragados pela efervescência na Conde da Boa Vista – a euforia da massa persuade mais do qualquer posicionamento hedonista a priori – decidimos ficar por ali mesmo, é claro, depois de nós abastecermos de vinho Carreteiro comprado no Beco da Fome.
                Em frente a nós estava o Batalhão de Choque liderado pelo Cel. “Robocop” M. representante de um governo de estradas e Rumo a Universidade.  Perfilados com seus escudos reluzentes sob a canícula tropical; cassetetes; bombas de efeito moral; punhais; metralhadoras; spray de pimenta (para temperar a ordem) e todo o Artigo V. Enquanto nós com algumas moedas nos bolsos; vale transporte anel “A” e algumas biritas de quinta categoria nas mochilas. Quando a primeira bomba explode no concreto fervente das 14h, a turba explode para os quatro cantos do Centro de uma cidade propícia ao labirinto, onde as pessoas sempre se perdem das coisas e de si mesmas. Deparei-me pulando as grades da Faculdade de Direito, que fica na Rua do Hospício, defronte à estátua de Castro Alves com o saldo da calça rasgada, com as mãos lambuzadas de vinho Carreteiro e arrotando o próprio e, com este verso na cabeça: a praça é do povo como o céu é do condor.
                Interessante como a política gera em nós uma paixão abrupta que poucas coisas nesta vida se equivalem – o sorriso da mulher amada, um conto de Tchekhov, um filme de Kurosawa.
                Após a dispersão, voltamos a nos concentrar na Conde da Boa Vista (uma Av. que não vale à vista, só a prazo) tentando recolher os cacos do efeito manada. Voltei a encontrar os meus amigos que, agora estavam já com a garrafa de Sapupara e meio Kg de uva roxa. Alguns dos manifestantes que deram um “balão” na Tropa de Choque depredavam um coletivo – a obra de arte é uma ação coletiva. Após vermos o empastelamento deste navio negreiro urbano, fomos à “Praça dos Punks” acabar a nossa birita e resenhar sobre os acontecidos à luz do ocaso.
No caminho, encontramos as pessoas presas em seus carros no trânsito pesado do Centro, reclamando que estes vagabundos deveriam ser presos por infligir o Artigo V – o direito de ir e vir do cidadão trabalhador. Eis aí a configuração de qualquer cidade, ela não está dividida em nenhum destes pólos Centro-Subúrbio; Ricos-Pobres; Senhor-Subalterno. Mas sim, nos móveis e imóveis – “se a passagem não baixar o Recife vai parar!” – e, ela parou para os que já estão “parados” há tempo, enquanto para os que estão sempre se movendo, eles não parariam nem para ver a Banda passar.
               
               
                

0 comentários:

Me livre!

9.8.13 Foi Hoje! 0 Comentarios


Neide, ou simplesmente, Cineide Marques de Santana desconheceu os privilégios daqueles que tem posses. Quis o destino que fosse hoje, dia primeiro de maio, a morte dessa trabalhadora. Nunca mais vai queimar as suas mãos com o óleo da cozinha abafada do bar onde trabalhava.

Nunca mais terá que aguentar os bêbados chatos e infelizes, inebriados de secura, na feira de Cavaleiro. Outros tanto trabalhadores, como ela, acostumados a ganhar no grito ou na simpatia um freguês - nem sempre fiel às saias ou às calças que veste - dirão: “Um salve a rainha do bar!”.

O canto é triste. Há pesar e muita dor no peito de Santos, dos filhos de Santos e principalmente no peito dos filhos de Neide e Roberto, meus irmãos: Paulinha e Thiago.

 Andava meio cansada...


Pensava vez por outra em alugar ou mesmo vender seu bar, por que, quem sabe, havia chegado a hora de descansar um pouco e ver os netos crescerem?! (Tenho certeza que depois desse papo ela acenderia um Derby suave só para aliviar as tensões da vida carregada de poucos suspiros profundos, poucas noites bem dormidas, poucas regalias mas, de muito amigos e admiradores, inclusive quem escreve.)

Seu forte era como bem dizia, “fazer uma letra”.
Tive o prazer de dançar várias vezes com ela. 
deslizava no chão.
chegava a voar!

Talvez não encontre em ninguém traço tão marcante, dançava divinamente! sempre mais atenta ao balanço que a métrica e a marcação dos compassos da música.
Fluía feito água ela;
escorrendo pelo salão!
Sei lá, "eu num sei narrar essas coisas direito",

Enfim...


“Para de olhar para os pés e deixa a dança fluir”, “mái bibiu!”


Talvez ela dissesse isso ao ouvir essa minha choradeira em tom de homenagem e emendaria com um “passa o pano!”, chamaria-me desse jeito para contar a mais nova fofoca do céu, e num tom jocoso diria: “aqui no céu é legal, falta só um pouco mais de alegria... cheguei aqui faz hoje 15 dias e só botaram Roberto Carlos pra tocar”. 
“ME LIVRE!”.   


Por: Ricardo Santana.
   


   

0 comentários: