Confissões II
Era ainda um estudante secundarista quando fui arrebanhado por uma
destas organizações estudantis profissionais que vivem a cooptar os jovens colegiais
para os seus interesses mais individuais do que coletivo/sociais. Confesso que
fui, primeiramente, não pelo protesto em prol da redução da tarifa em 15
centavos, mas paradoxalmente, pela oportunidade de ir ao Centro de graça. Além de disponibilizar um ônibus para nos levar
e trazer, a organização (estas sempre tem um “S” ou um “C” em meio as suas
siglas) permitiu que fossem somadas mais pessoas ao contingente que iria para o
protesto na Av. Conde da Boa Vista. Daí alguns amigos meus foram também de
gaiatos.
Estava
pouco me fudendo para o protesto, estava indo com a minha turma para tomar
“uma” pelo Centro, vinho Carreteiro no Beco da Fome e depois Sapupara com uva
roxa na “Praça dos Punks” (cujo nome é Praça Oswaldo Cruz, aquele sanitarista que
fazia às vezes de higienista) e, depois, se sobrasse alguma grana, iríamos para
o Antigo.
Já
na ida, descobrimos que nós não iríamos somar a massa que já estava concentrada
na Boa Vista, e sim ir fazer volume ao reduzido pessoal que estava enfrentando
a polícia no Parque 13 de maio, próximo a Câmara Municipal, pois era o pessoal
da mesma organização estudantil.
Chegamos
ao Centro eu e minha turma, curiosamente, fomos tragados pela efervescência na
Conde da Boa Vista – a euforia da massa persuade mais do qualquer
posicionamento hedonista a priori –
decidimos ficar por ali mesmo, é claro, depois de nós abastecermos de vinho
Carreteiro comprado no Beco da Fome.
Em
frente a nós estava o Batalhão de Choque liderado pelo Cel. “Robocop” M.
representante de um governo de estradas e Rumo a Universidade. Perfilados com seus escudos reluzentes sob a
canícula tropical; cassetetes; bombas de efeito moral; punhais; metralhadoras; spray
de pimenta (para temperar a ordem) e todo o Artigo V. Enquanto nós com algumas
moedas nos bolsos; vale transporte anel “A” e algumas biritas de quinta
categoria nas mochilas. Quando a primeira bomba explode no concreto fervente
das 14h, a turba explode para os quatro cantos do Centro de uma cidade propícia
ao labirinto, onde as pessoas sempre se perdem das coisas e de si mesmas. Deparei-me
pulando as grades da Faculdade de Direito, que fica na Rua do Hospício,
defronte à estátua de Castro Alves com o saldo da calça rasgada, com as mãos
lambuzadas de vinho Carreteiro e arrotando o próprio e, com este verso na
cabeça: a praça é do povo como o céu é do
condor.
Interessante
como a política gera em nós uma paixão abrupta que poucas coisas nesta vida se equivalem
– o sorriso da mulher amada, um conto de Tchekhov, um filme de Kurosawa.
Após
a dispersão, voltamos a nos concentrar na Conde da Boa Vista (uma Av. que não
vale à vista, só a prazo) tentando recolher os cacos do efeito manada. Voltei a
encontrar os meus amigos que, agora estavam já com a garrafa de Sapupara e meio
Kg de uva roxa. Alguns dos manifestantes que deram um “balão” na Tropa de
Choque depredavam um coletivo – a obra de arte é uma ação coletiva. Após vermos
o empastelamento deste navio negreiro urbano,
fomos à “Praça dos Punks” acabar a nossa birita e resenhar sobre os acontecidos
à luz do ocaso.
No caminho, encontramos as pessoas presas em
seus carros no trânsito pesado do Centro, reclamando que estes vagabundos
deveriam ser presos por infligir o Artigo V – o direito de ir e vir do cidadão
trabalhador. Eis aí a configuração de qualquer cidade, ela não está dividida em
nenhum destes pólos Centro-Subúrbio; Ricos-Pobres; Senhor-Subalterno. Mas sim,
nos móveis e imóveis – “se a passagem não baixar o Recife vai parar!” – e, ela
parou para os que já estão “parados” há tempo, enquanto para os que estão
sempre se movendo, eles não parariam nem para ver a Banda passar.
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