Made in 80's

21.5.15 Unknown 0 Comentarios



   Mário sentia-se um peixe fora d'água agora. Agora mesmo, nesse exato instante. Olha só... viu!? A sensação de afogamento às avessas - respiração chiada, com dificuldade. Era estranho porque tinha sido uma criança triste, apesar de nunca ter transparecido isso, pelo contrário, sua atitude era brincalhona, o humor se fazia, e ainda se faz, presente na vida de Mário. Mas, não dizem por aí que o palhaço é uma figura no fundo tristonha. Pois bem. Assim era Mário. Seu sorriso não externava a lágrima que escorria para dentro.
  Mário gostava de aparelhos eletrônicos, sempre foi muito ligado nisso, era afeito às facilidades da 'modernidade'. Mas, se sentia um peixe fora d'água no século 21. Mário acompanhava, antenado a tudo à sua volta, as transformações tecnológicas e sua faceta revolucionária nos modos de ser e nos costumes: a era da informação. Mas, continuava, no fundo, no fundo, a se debater como um peixe fora d'água. Não entendia por que, só sabia que era assim que se sentia.
Febre nos anos 80 do século passado o Atari fez a cabeça
das crianças da época e de muito marmanjo também.
  Mário nasceu no final dos anos 70, portanto, teve toda a sua infância nos anos 80. Identificava-se bastante com essa década, pode-se dizer que tinha o espírito made in 80's. Sentia-se datado, de certa maneira, preso a um modo de ser, a um ritmo mais cadenciado, menos acelerado, lembrava-se de como gostava de perambular pela rua, moleque, passeava pela vila onde morava. Meio-dia, quando tudo fechava, voltava para casa para almoçar, nem sempre guiado pela fome, mas por esse movimento das pessoas da época - era um tempo onde fechava-se para almoço e voltava-se às atividades apenas às 14h. 
   Não chegava a ser nostalgia o que Mario sentia, pois, não idealizava aquela época, não era uma saudade idealizada, apenas uma saudade, mas também havia um certo alívio de não mais viver nos 80. Quando criança não se tem autonomia, não se pode isso, não se deve aquilo, o castigo era iminente, lembrava-se de como deixou de fazer tanta coisa que quis e o tempo, senhor implacável dos arrependidos, não colocou Mário novamente diante de situações semelhantes. Passou, perdeu - a oportunidade não voltaria. Mário se lamentava. Apesar disso, sentia saudade, uma saudade triste.
MacGyver o "faz tudo do nada" - seriado que durou de 1985 a 1992.
 Quando pensava naquela época e comparava sua vida à de hoje, entendia que a saudade era sadia, porque não queria 'voltar no tempo', gostava de quem tinha se tornado e de como as coisas hoje eram "mais fáceis", dinâmicas e, sobretudo, de como gozava de mais liberdade, tinha poder de decisão, autonomia. Outro dia, jogando conversa fora com um amigo, sobre os anos 60, rock and roll, cultura de massa, produção cultural, etc., teve uma sacada, pensou que havia um 'delay' cultural aqui, que os anos 80 foram os 60 da gente nesse sentido. Achou aquilo interessante, mas não chegou a verbalizar o que pensou. Guardou para si e não comentou com seu amigo. Sentiu que se identificava tanto com aquilo tudo que era quase como se fosse uma intimidade daquelas que não se deve compartilhar. 
   Mário, depois de adulto, nunca visitou a vila onde morou em sua infância, talvez por receio de que as mudanças na paisagem destruíssem aquela imagem que tinha do lugar. Preferia ficar com a memória afetiva imagética de como a vila era, não correr o risco de perder as imagens que guardava em suas lembranças. Mário era um peixe fora d'água, mas que não ia muito longe da margem, pois, caso a maré subisse a onda voltaria para buscá-lo.

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