Os tempos são outros, os hábitos...

29.11.12 Joarez 0 Comentarios



                                                      “O homem moderno pode cansar-se da vida, mas jamais saciar-se dela” (WEBER, Max)

     Dia desses, em casa alheia, acordo aos solavancos e gritos dos amigos, que despertos desde cedo, se incomodavam com o meu sono profundo. Levanto e pego um cigarro. Para não dizer que não fiz o que de costume se faz quando se acorda de um sono pesado, fui ao banheiro e lavei a boca com pasta embranquecedora de dentes, utilizando os dedos para fazer às vezes de escova dental. Mesmo sabendo que esse ato higienicamente é quase inútil, eu o fiz, porque pensei antes em expiar da consciência a culpa do que qualquer outra coisa.
    Andei pela casa estranha com a mesma cara feia de quem não se sente completamente à vontade em território estrangeiro. Depois do almoço, uma lasanha como sempre tem sido, recebi a ligação de alguns amigos, que ora me cutucavam com piadas sobre o Santa Cruz, ora falavam de banalidades, como o trânsito horrível da cidade. À tarde fui à praia, conversar e beber cerveja para curar ressaca, e foi um momento bom e igual a todos os outros: as situações mudam muito pouco, ao passo que a significação que damos a elas muda enormemente, dependendo do estado de espírito em que se está e da quantidade de contas que se tem a pagar.
    Os dias seguintes correram não sem certa euforia, mas dentro das expectativas, assim como se desenrolaram os dias anteriores e como, decerto, vão se desdobrar os subsequentes. Daqui da janela, enquanto fumo, vejo o metrô que vai e volta sempre nos mesmos horários. Pouco depois das 23h passará o último do dia de hoje. Daí até às 5h um período de calmaria intensa transcorrerá, mas eu não estarei acordado para vê-la.

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Louca varrida

25.11.12 Pássaro Bege 0 Comentarios



Os que me interessam são os metafóricos, os donos da razão elaborada, dos outros, interesso-me muito pouco, cada vez menos até.

Importo-me mesmo com os narcóticos, esses sim; não dá pra ficar sem.

Que canseira da muléstia, histriônico cansaço, cansaço de quase uma musa do brasileirão.

Tô gostosa pacas, bicha!

Vê se me erra, tá!? Louca varrida.

Sai pra lá solidão.    
Por : Pássaro bege

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Crônicas de um Baixo Ventre

22.11.12 Pássaro Bege 1 Comentarios




Segunda-feira.

Cheguei à janela e acendi a tocha. Senti logo os apertos dos olhos dos vizinhos, pelas janelas do Baixo Ventre.

Tentei despistar os gases que chegavam a fazer estranhos barulho, barulhos para fora do corpo, audíveis a quem de longe dois metros estivesse; fiquei todo errado mas não acendi o careta ali, guardei a vontade para o segundo round.

É assim que os homens de bem defecam, fumando um cigarro.

E é assim que começa o ciclo das crônicas do Baixo Ventre.

Terça-feira

Alguém já viu a cara da Luzia? Não!? É assustadora.

Quando beija o sapo, cheia de ritmo, chego a vomitar de alegria... Eca!

Que coisa linda, que coisa oca, a pedra é dura e a madeira é fofa.

É como diz o poeta da voz firme e da mão atoa: “No Brasil em altos 2012, qualquer droga é da boa”.  

Quarta-feira

Baixo Ventre é cidade louca. Nem mais, nem menos violentas que as outras.

Sente-se nela cheiro de sangue a cada gota de orgulho, inveja, desejo e cerimônia.

Ninguém presta atenção nas ruas que a circundam.


Quinta-feira.

Eu tenho amigos poetas, mas muitos deles não fazem ofício de sua arte, digamos assim, não gostam de escrever na folha.

Gostam mesmo é de viver em poesia de arrumar as coisas; gostam da palavra viva.

Outros são poetas do escuro, pegam cinzas pelo chão e rabiscam traços tortos em paredes imaginárias.

A poesia dia desses, zum, zum,zum... zum, zum, zum, ela ainda mata um.

Sexta-feira

A semana na cidade de Baixo Ventre só é feita de dia útil, ou seja, hoje é sexta-feira.

Agora eu vou dizer como se diz na televisão: “Faça da jaca sua pantufa”

(...)

Fecho a série das crônicas do Baixo Ventre assim, cagando e andando, gerando no gerúndio.          

 Por: Coruja Felixberto Carvalho

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Elegia para Novo Acordo Ortográfico

14.11.12 Joarez 3 Comentarios




palmas para
  a plateia

fluida como geleia
  porque ela agora
está de pé
  e sem acento
como a nossa
  ideia

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Hitchcockeando o sensorial

11.11.12 Joarez 1 Comentarios


Imerso numa cultura que prima, antes de tudo, pela decodificação de signos, foi com regozijante surpresa que ontem eu assisti a "Psicose" (1960), de Alfred Hitchcock, no Cinema São Luiz. O filme conta com elementos que foram tão copiados e satirizados que, mais tarde, virariam clichê: um hotel abandonado à beira da estrade, a arma branca, a casa sombria no alto da colina. Mas Hitchcock é bem mais, ele joga com um pequeno mistério para apreender a atenção do espectador; faz um ótimo trabalho com seus atores e ainda nos brinda com um estudo de personagem em sua obra.

Enquanto todos que estavam na sala de cinema, ou quase todos, já o haviam visto, eu o contemplava pela primeira vez. E o irônico é que eles, por já saberem de cor e salteado as nuances do roteiro, se antecipavam à ação da tela, desprendiam grande esforço para dramatizar, do lado de cá, o que ainda viria a se desenrolar no filme. Com esta atitude, colocavam a imagem antes do visual. Isto é, preferiam um experiência racional, e não sensorial. Enquanto alguns riam, em passagens que até mesmo cabe duvidar se as risadas seriam bem encaixadas, eu estava imóvel, assustado, maravilhado. Saí da sala de cinema e ainda demorei o tempo de uns dois cigarros para verbalizar alguma impressão sobre o filme, enquanto a euforia previamente calculada estourava na Rua da Aurora.

Foi uma ótima noite e voltei para casa, naquele velho bacurau, refletindo: a semiótica é boa e, sem dúvida alguma, indispensável. Mas a experiência artística tem que ser primordialmente sensorial - isso se quisermos mergulhar no que ela tem de mais profundo.

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