UM FILTRO DE BARRO.

27.9.11 Foi Hoje! 3 Comentarios


Certamente chegaria a vez de acontecer com Fátima. Aos cinco anos de idade não conhecia a morte de perto e por vezes sonhava com um velório repleto de velas e senhoras com um rosário na mão, e lá, pelo terceiro mistério acordava, rodava a casa e vigiava o sono dos pais e dos irmãos, acalmava-se, estavam respirando. Não cobiçava a morte, mas temia sua visita inesperada.

Em um dia desses de vento seco, foi ao quintal saciar sua sede e sentiu o prazer que só sentem aqueles que bebem a água de um filtro de barro. Sorriu e espreguiçou-se. Era sábado não iria à escola, passaria o final de semana na casa de seu tio Zé Moreira, que lhe chamava carinhosamente de pitoco de gente, e que as escondida lhe dava doces e picolés seguidos de macios cocorotes na cabeça.

Na manhã daquele mesmo sábado sentiu que a tratavam diferente e seus pais ainda não haviam reclamado banho e dentes escovados à mocinha. Estranho! Pensou. Mas, se arrumou para a visita.

Ao subir da ladeira da casa de seu Tio de longe percebeu à porta, o entrar e o sair de pessoas ainda estranhas ao seu convívio, que se diziam da família. Nesse instante conheceu tias e tios, primos e primas de terceiro grau. Tentou por um segundo entender o porquê do “terceiro grau”, curiosa que era, no entanto, logo desistiu da empreitada, estava muito ansiosa e percebia que algo diferente estava acontecendo. Pensou em festa de aniversário, mas logo sentiu falta dos balões e da música e de súbito estremeceu, quando constatou em sua agenda colorida que o aniversário do Tio, ainda seria no próximo mês.

Fátima gostava mais das Imagens vivas. Era muito jovem para perceber que isso a destacava entre as demais crianças. Eram as imagens que criavam a exterioridade de sua imensa sensibilidade para com o mundo.

Ela cresceu bastante desde daquele dia e hoje, já sabe escrever e com muita lisura. É escritora. Contudo, continua incapaz de concluir em palavra ou em oralidade os minutos finais daquela triste experiência que tivera quando criança aos cinco anos de idade.

Não vai a enterros e velórios desde então, continua gostando de imagens vivas. Nesse momento está triste, morreu um grande amigo. Com o dinheiro da venda de alguns seus escritos foi à feira e comprou um filtro de barro. Recostada na varanda do apartamento, mata sua sede rememorando algumas imagens de seu amigo, mas só as vivas, só as vivas imagens.

Por: Pássaro Bege

3 comentários:

Inveja das latitudes alheia

27.9.11 Cabotino 3 Comentarios




“Eu vou me mandar de trenó
Pra Rua do Sol, Maceió”
Curioso como nós felizes tupiniquins, vivendo nesses tristes trópicos, sem pudor de mostrar as nossas vergonhas como diria lá o Sr Caminha, invejamos o frio e a neve dos países de climas temperados e glaciais. Será que esse nosso anseio climático está no horizonte de uma possível conquista civilizatória através da conquista de um habitus que calce luvas, use pulôver e que coma fundir acompanhado de vinho tinto?
Os meses de junho, julho e agosto são bem significativos para nós brasileiros no que se refere à mudança de papéis sazonais, uma espécie de micareta climática que usa cachecol e botas. São os meses que fazemos a desforra dos hemisférios, são neles que nós descontamos as promissórias do nosso sol gestante de 270 dias ao ano com uma taxa de juros na media de 30º Celsius dia, e o enviamos para o outro lado do hemisfério.
Neste período basta assistir qualquer noticiário para constatar como a nossa auto-estima se modifica, não temos mais as nossas vergonhas à mostra, estão sobre os nossos nobres tecidos da coleção outono inverno da grife Civilização. A chamada do noticiário aponta logo a novidade: nevou na serra catarinense, geada no Rio Grande do Sul e São Paulo vai ter a noite mais fria do ano. Daí surge o comentarista da metereologia, uma espécie de arauto do reino da felicidade glacial, apontando quais áreas serão contempladas com o IDH da neve, como se esta não passasse de água suja caída do céu e aquele um índice abstrato que não mede coisa nenhuma.
Descemos tão baixo não só nos termômetros como também em nosso senso de ridículo, estamos iguais aquelas garotas de 16 anos cuja pele já rosada é ressaltada pelo ruge, o exemplo disso foi uma cidade do sul do país que construiu ou importou (o mau gosto não tem made in) uma máquina de produção de neve artificial, para acalentar os anseios ávidos de frio dos turistas frustrados que se esqueceram de combinar seus cartões de crédito e suas máquinas fotográficas com a teimosa neve que resolva ficar encerrada no céu.
A falta que a neve nos faz chega às raias do absurdo quando se refere aos Festivais de Inverno das cidades do interior nordestino, sentir frio por esses rincões seria uma espécie de vingança agasalhada de nossa condição tropical e tétrica. Existe até uma cidade apelidada de Suíça pernambucana, acho que o mais próximo que chegamos do país onde poucas coisas começam, mas, onde muitas se desfazem é no chocolate dos restaurantes e nos relógios dos turistas.
Neste período do ano de temperaturas um pouco mais agudas damos o Bye, Bye, Brasil! E como no filme homônimo do Cacá Diegues, tentamos nos modernizar com os projetos, o clima, os cacoetes alheios e ficamos tal qual o Lorde Cigano (José Wilker) tentando fazer nevar no Sertão de nossa condição.

Por: Ascensorista Godofredo

3 comentários:

Tempos de Aridez

26.9.11 Joarez 3 Comentarios


-->
Chegou um tempo de aridez neste FoiHj. Não que as coisas não estejam mais acontecendo no dia de hoje, é que agora elas estão demorando a serem contadas. Quando são. Vide, por exemplo, o espaço de tempo entre as postagens dos nossos colaboradores, que, saliente-se, são muitos. Eu fico imaginando com o quê eles estão se distraindo, para deixar o FoiHj para depois. Alguns devem estar estudando. Outros, trabalhando. Ainda alguns, trabalhando e estudando. Uma outra parte, pouco numerosa, como a minha, deve estar aluada, andando vadiosamente por aí, se distraindo com o repetitivo balançar das folhas. Alguns goles de cachaça, alguns tragos na erva estranha, e deixamos o mundo correr, escapulir das nossas mãos. Segunda parece domingo, que, por sua vez, tem cara e jeito de domingo, que é antecedido por um sábado, etc, assim por diante... e, pimba!, os dias úteis são cada vez mais raros e escassos. Digo isso porque eu me distraí, dei vacilo. No momento eu escrevo para desaperrear, desestressar. O caso, resumido, é este: vim reimprimir o boleto de inscrição de um certo concurso, para fazer o pagamento da taxa de inscrição, porque foi hoje o último dia para efetuá-la. Abestalhei-me, o boleto só poderia ser reimpresso até às 13h00minh do dia de hoje, no horário de Brasília. No horário de Recife, eu acessei a internet às 16h00minh. Não deu para mim, me lasquei, perdeu prêibói. Agora estou aqui, me lamentando, digo, escrevendo: - é necessário trabalhar-se, na vida e no texto, mesmo sem inspiração, mesmo em tempos de aridez.

3 comentários:

LAMÚRIAS DE UM ESCRITOR NOTÍVAGO.

26.9.11 Foi Hoje! 2 Comentarios


O mal do escritor notívago é que nem sempre, com as cores do crepúsculo e o raiar do sol vermelho, amanhece o findar de um texto.

Por vezes – e vem acontecendo com freqüência – é nos arranjos peremptórios de meus escritos, que pimba, o sol surge na janela e é o texto, ainda um vespertino, logo abandonado pelo sono.

Durante o dia, tem o jornal, o trânsito, as crianças em recreio, a pausa para o cafezinho no escritório, o resultado do futebol, a briga da vizinha, os telefonemas e aí surgem, miseráveis, outros tantos temas querendo ser escritos.

À noite quando voltamos para casa anotamos tudo o que vimos no dia que passou e nos devotamos a um novo texto, esquecendo o da noite anterior inacabado.

Por isso temos esse aspecto cansado e essas olheiras fundas sob os olhos, menos por horas não dormidas e mais por fazer amor até mais tarde, sendo que o gozo nem sempre vem, fica guardado, jogado na gaveta de um armário antigo ou suspenso no disco rígido do computador.

Por: Coruja Felisberto de Carvalho.

2 comentários:

Deu num Coqueiro

9.9.11 Joarez 2 Comentarios


Quando eu tinha 13 ou 14 anos, época de minha primeira desilusão amorosa, um amor não correspondido, deu-me na cabeça escrever um livro. A grande obra conteria poemas, contos, crônicas e toda sorte de escritos que me desse na telha. Levei o assunto, muito sério, até minha mãe, que fez pilhéria. Ela me disse que uma pessoa na minha idade ainda não tem nada a dizer. Abatido, fui falar com minha irmã, que num primeiro momento me animou. Renata me falou que eu teria sim algo dizer, afinal, as experiências de vida são singulares. Sorri. Mas ela completou: - só duvido muito que você tenha algo de importante para dizer. A pancada doeu no peito. Mas fui forte e voltei para conversar com minha mãe. Desta vez, só usando a primeira metade do argumento de Renata, sobre experiências únicas e peculiares. Dei azar. Minha progenitora agora não gracejou, foi taxativa: - literatura nunca deu futuro a ninguém. Nem futuro, nem dinheiro. Não encontrando alento para meus sonhos no leito familiar, fui ter com um amigo da escola, Moacir, que me pareceu muito esperto e prudente para sua idade me alertando sobre os custos de impressão e divulgação de um livro, o disputado mercado editorial, a dificuldade de um autor novo conseguir seu espaço e muitas outras coisas. Concluiu seu argumento dizendo que não eu me chateasse, mas essa coisa de lançar livro é para quem gera na alta, o que, estava claro, não era o meu caso. Não encontrando em parte alguma quem me animasse em minha empreitada, decidi abandonar o projeto. Rasguei do caderno todas as folhas que continham os escritos do meu ex-futuro livro, fui no beco da casa de Seu Chico, antigo monopólio de doces e guloseimas de Tejipió, e enterrei tudo. Foi um momento difícil. Mas eu superei. Conto toda essa história para dizer que, semana passada, voltando ao local do sepultamento de minha primeira obra literária, vi que em cima de sua cova nasceu um lindo pé de coco. E eu estou aqui satisfeito, vaidoso, imponente, altaneiro, para dizer a todos aqueles que afirmavam que meu livro não ia dar em nada: - deu sim, deu num coqueiro.

2 comentários:

Causos 35: A vergonha alheia

4.9.11 Castanha 2 Comentarios


Na sexta série tinha duas Joices. Duas delícias, apesar de serem tão novinhas. Uma era grandona com peitão, bundão, pernão e tudo o mais; a outra era baixinha e não tinha peitão, mas nem por isso era menos gostosa. Eram os sonhos de consumo de muitos meninos da escola. Depois que eu cresci mudei um pouco o gosto; hoje gosto mais de peitinho, daquele que cabe na palma da mão, e vejo mais graça nos quadris das mulheres do que nos bundões, mas na sexta série, quando eu tinha doze anos e estava no início da puberdade, elas eram um sonho. Por essa época eu descobri a punheta e muitas vezes me diverti sozinho pensando em Joice e Joice. Elas nunca souberam.
Acho que Joice e Joice sabiam que eram cobiçadas, que alimentavam as imaginações alheias, talvez sim talvez não. Não lembro se eram amigas, inimigas ou simplesmente distantes, acho que estavam mais para esta terceira opção. Mas, tem duas coisas que eu lembro bem: A primeira memória é da feiura do namorado de Joice, a baixinha, e por isso cada um de nós pensava “Se ela fica com ele porque que ela não fica comigo?”. Pensando nisso, hoje, acho que talvez ela nunca fosse ficar com nenhum de nós porque não tínhamos a menor coragem de dar em cima dela. Mas, voltando ao namorado, o cara era um horror, parecia um Frankenstein com aquela cara amassada, mas era ele quem encontrava com Joice todo dia depois da escola e a gente ficava lá longe, olhando e babando. A outra memória é de um dia qualquer em que estávamos em aula e alguém chegou à porta procurando por Joice, aí a grandona mal levantou e já foi se alegrando com um buquê de flores que o visitante mostrara, e que até então estava meio que escondido. Joice recebeu as flores com um sorriso enorme, tão grande quanto seus peitos, e sentou-se respondendo a uma coleguinha que lhe interrogava “Não sei quem enviou, mas quero saber”. Passados alguns segundos a Joice baixinha levanta vai até a grandona, pediu licença, leu com muita atenção o bilhete que estava nas flores e falou “São pra mim”. Tomando em suas mãos aquele presente, tão cobiçado por tantas mulheres, ela volta caminhando linda e gostosa pra sua cadeira, enquanto Joice, a grandona, ficava rubra e sem graça.
Esta cena me deixou pasmo e me deixou com uma vergonha profunda pela vergonha dela.


Castanha 03/09/2011

2 comentários: