Aforismos, disparates, flechas e outros ditos jocosos III

26.9.14 Cabotino 1 Comentarios



Testosterona: indiferenciação entre estrias e celulites.
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Minha cama é tão pequena que não dá nem para ter pesadelos.
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Sexta-feira
Hoje eu quero ser o Édipo da mãe de Freud.
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Deu-me um chá de sumiço e, quando reapareceu, tomou um de cadeira.
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Você diz que meus planos são de papel, ora, então faça origamis com eles.
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Desejos não têm domingo.
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Ser feliz para quê? Eu tenho mais o que fazer.
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Não há clínicas de recuperação para vícios de linguagem.
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Um Dorian não se faz apenas com um único retrato.
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Um lance de dados jamais abolirá o fracasso.
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A liberdade poética não se ganha, mas conquista-se. Assim como à igualdade e à fraternidade poética.
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A pressa é inimiga da perfeiç~
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Parafraseando Wittgenstein: o limite do meu mundo é o limite do meu cartão de crédito.
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Não deixe para manhã o que você pode fazer à noite.
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Crédulo
Satã vive em cada desabotoar de sutiã
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Pueris aliterações
Pele pede pele para pipi no popô.
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O Viagra é o sapatinho da Cinderela, de salto alto, da nossa geração.
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Recife não tem IDH, apenas ID.
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Brasília é o túmulo das utopias e dos tamanduás.
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A palavra pernóstico é tão pernóstica.


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Na tela prateada da ilusão, vale tudo

26.9.14 Unknown 0 Comentarios


Talvez você, que me ora me lê, seja desse tipo de pessoa que aprecia o dito cinema alternativo, fora do eixo (me refiro ao comercial, claro). Adianto que não tenho nada contra essa postura, antes o contrário, pois há de sempre se valorizar as pessoas com o olhar e o senso muito educado. Mas como dizia um amigo meu, para justificar o seu curioso ecletismo musical, há momento para tudo nessa vida, um que cabe tal tipo de som, outro que comporta ainda um outro, e assim por diante. Tomo de assalto o raciocínio para pô-lo a serviço do meu caso, menos para legitimar um gosto estético contraditório (também não estou seguro de que não o tenha) e mais para reivindicar meu direito à alienação na dita cultura de massa, dessas que são acusadas, não sem razão, de nivelar por baixo e pegar leve com o espectador. O caso é que fui convidado por um amigo para ir ver um filme que, dizia ele, estava arrastando tudo quanto era premiação nos festivais afora e que, não só por isso mas pela história magnífica e comovente, valia demais a pena ir ver. Aceitei inocentemente o convite e lá estava eu, numa tarde ensolarada de sábado, enfiado na tal sessão. Acontece que o filme narrava a história de uma adolescente que foi cooptada para a prostituição; passava uns mal bocados nesse mundo terrível e num dado momento a sua mãe descobre toda a situação. Muito desapontada e decepcionada com com a filha, a primeira (e duradoura) reação da mãe é - tcharam - fazer o tabefe comer no centro. Até aí, eu já tinha vertidos dois rios capibaribes em lágrimas, e deixei escorrer ainda um outro até o final da película. Vejam só, saí de casa como menino novo que vai jogar bola na rua, todo serelepe, afim de ver, tal e qual o Chaves da Vila, o filme do Pelé, e acabei sendo abalado por esta história medonha. Culpa do referido amigo, e só não lhe risquei a faca por consideração mesmo, pra não enfraquecer ainda mais a amizade. Por pouco não cancelei a cerveja e voltei para casa, tamanha foi a melancolia que se abateu sobre minha alma. Pelo saldo quase-negativo do sabadão, foi que eu lhe disse, e agora torno pública a reclamação, que, depois de uma semana inteira de trabalho cansativo, um filminho desses acusados de entorpecer o senso crítico não é assim tão nocivo, há de se saber o momento para cada coisa, etc etc, aquela história que eu já explicitei no início da croniqueta. Dito isto, me despeço imensamente mais aliviado, e aviso, desde já, que o Prosador vai passar uns dias afastados para amenizar o tom ranzinza de seus escritos e pôr a cocão no lugar, enquanto se dedica a outros projetos. Até mais ver, amig@s!

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Boleiro bom...

24.9.14 Unknown 0 Comentarios


O motivo de aquela pelada batida com muito afinco nas matas do Uchôa pertencentes à União ter-se acabado, ninguém sabia responder. Eu, por meu turno, sabia que papai tinha deixado de ir por causa do trabalho, ou dos filhos, ou de uma outra desculpa plausível que eu já vi ele usando umas vezes, sempre que as duas primeiras estavam já gastas, mas que não me vem à cabeça agora.

Do resto, não sei. E todo mundo era reticente e evasivo quando eu perguntava, o pessoal ficava sem jeito; parecia que estavam falando de uma pessoa querida que tinha partido, tamanha era comoção que lhes tomavam o rosto. Melhor, então, deixar quieto, não cutucar a ferida.

De qualquer forma, e era aqui onde eu queria chegar, um rapaz que acabou virando genro de um dos fundadores da referida pelada, e que chegou a participar ativamente dela, sempre que me via se dirigia a mim já cambaleante por causa do álcool, balançava positivamente o dedo indicador e perguntava:

- Tu é filho daquele bicho, né não?, que batia pelada com a gente?

Donde “aquele bicho”, já sabíamos eu e ele - através de alguma linguagem telepática, ou talvez o esperanto -  era o meu pai, cuja fisionomia muito se assemelhava à minha. Aliás, a minha se assemelhava à dele, para ser mais preciso.

A primeira vez, há alguns anos, que essa cena aconteceu, eu passei por uns momentos de tensão. Vi um rapaz forte, levemente embriagado, caminhando em minha direção com um olhar direto, inquisitivo, e o tal dedo indicador pululando no ar. Meu Deus, será que eu fiz algo de errado, mexi com mulher comprometida?

Os instantes de agonia passaram logo que a pergunta foi lançada ao ar.

Pergunta essa que, pasmem ou não, foi repetida várias vezes. Era incrível a falta de memória do sujeito, o que impedia que a nossa relação ganhasse profundidade. Todas as vezes que ele me via, era como se fosse a primeira era vez que isso estivesse acontecendo, e lá vinha, o dedo indicador, a pergunta, etc etc etc.

Teve uma época, acreditem ou não, que nem precisava mais que ele verbalizasse nada. Eu ficava cá esperto, no meu canto, na minha mesinha com a minha cerveja, e espiava o momento em que ele, de lá, tomava atitude de se levantar para vir até mim. Na mesma hora eu me colocava de pé, olhava para ele sorrindo, com o braço levantado e o sinal afirmativo no polegar direito. Pronto, a comunicação já tinha fluído. Ele, satisfeito, já compreendia que, sim, eu era filho daquele bicho, e voltava a se sentar com um sorriso jovial no rosto, todos os dentes à mostra.

Tal oportunidade eu já não tive um mês atrás, quando fui pego de surpresa: ele chegou de sopetão, e, como de praxe, me fez o tal questionamento. Eu respondi afirmativamente que sim, e com muito bom humor lhe fiz outra pergunta:

- Agora me diz aí, qual a posição que ele jogava?

Se eu soubesse a consequência dessas palavras, jamais as teria proferido. O rapaz ficou branco, começou suar, a olhar para os lados, a respirar fundo e rápido, tudo porque, meu deus, ele não sabia: a memória o tinha traído justo neste momento crucial. Se saiu rapidamente das botadas, foi no banheiro, e voltou. Ainda assim, sem a resposta. Foi sincero:

- Rapaz, uma hora dessa, eu já cheio de "mé", uma pergunta dessa... Lembro a posição não, mas lembro que jogava muito. Boleiro bom a gente nunca esquece.

Saiu ainda meio desconcertado, pensando que a falta de resposta indicaria que ele não conhecia meu pai de outros babas. Por mais que eu me esforçasse para não deixar essa impressão, foi inevitável o desacerto. Enfim, vida que segue. Daqui a pouco ele me encontra novamente, me faz a perguntava, e fica tudo como era antes.

Para não deixar o(a) leitor(a) sem resposta, eu digo: papai era zagueiro; zagueiro, com muita noção de espaço e que, às vezes, por ser conhecedor dos caminhos da grande área, se aventurava como atacante. Mas de que importa essa informação agora, né? Boleiro é lembrado por outro tipo coisa, talvez pela dupla disposição, no campo e no copo, mas, às vezes, não pela posição que ocupa dentro das quatro linhas. E tá falado!

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Memória futebolística: breve história de W.

19.9.14 Unknown 0 Comentarios


Não faz muito tempo e nós, os meninos aqui de baixo, éramos as companhias preferidas dos caras lá de cima para jogar futebol. Contra, é claro. Imperava entre os residentes do sopé e do alto do morro uma rivalidade profunda, secular, e eu diria mesmo inata. A rixa nossa era um exemplar de menor alcance de um Brasil x Argentina, um Santa Cruz x Sport, um Campinense x Treze, etc. E W., nosso goleiro, tinha, digamos, um pendor para a discórdia, a contenda, a desavença - e, às vezes, para a pancadaria; mas só às vezes, sejamos justos. Não era uma coisa deliberada, fazia parte dele, se confundia com ele; eu diria que era um estado
Thomaz Farkas
de espírito. No geral, era W. quem dava o estopim para o tumulto, para o famigerado buruçú. Mas deixemos de lado suas marcas pessoais e passemos às suas características futebolísticas. Grande goleiro, não na estatura, mas no desempenho debaixo meta. Boa impulsão, saía bem na bola e era decisivo em momentos decisivos - perdoem a tautologia. Contudo, era acometido, de quando em quando, por um problema que ataca até arqueiros profissionais: a irregularidade. Ía do genial ao patético em questão de dias; pegava um pênalti hoje e amanhã tomava um frango inexplicável. E vivia assim, a não ser que... A não ser que tivesse alguma enfermidade! Sempre que estava com uma luxação na virilha, uma distensão no ombro ou um dedo quebrado, era imbatível. Para um furar um gol nele, como se diz no bom linguajar ludopédico, era um problema. Parecia que queria provar a todos do que era capaz. De forma que quando nós, do time de baixo, sabíamos que W. carregava alguma moléstia leve, entrávamos em campo com a inabalável convicção da vitória. Não só porque ele iria fechar a meta de qualquer maneira, isso já era uma certeza mais forte que a lei da gravidade, mas também pelo fator motivacional: se já é errado deixar o adversário chutar a gol em partida normal, imagina com o goleiro enfermo? Era quase um pecado! Aí, meu velho, ah-ham, pigarreio para falar: o pau cantava. E tome se jogar na frente da bola, dar carrinho, puxar a camisa, ou passar o rodo propriamente dito quando nos faltava outro recurso. E quando alguma bola atravessava nosso bloqueio, tava lá nosso paredão pra segurar onda. Diante de tamanha sintonia, já corria em boca miúda a estratégia de provocar nele sempre alguma pequena avaria, para que dessa forma ele alcançasse a desejada constância. Tão ardilosa operação, no entanto, encontrou seu insucesso numa partida chuvosa do mês de julho em que nós tomávamos um vareio de bola com direito a uma diferença de três tentos no placar. Vendo o nosso arqueiro quase deixar a bolha molhada escapulir por entre suas mãos para dentro do gol, nosso zagueiro grita não de muito longe: "Sigura essa porra, disgraça! tu num tás com o pé fudido?!" Ao passo que W. responde de pronto com um sonoro e decepcionante "Já tô sarado!". Ouviu-se um "uuhhh" de desapontamento vindo do nosso banco de reservas, algumas trocas de acusações, um início de bate boca, responsabilizações mútas, etc. Mas o fato estava exposto: o pé esquerdo enfaixado enganava só a nós, jogadores de linha, e apenas sob nós tinha o efeito psicológico instigador. Ele, W., tinha plena ciência de seu bem-estar físico, fruto de uma recuperação que aconteceu em tempo recorde através de um chá especial que sua irmã lhe ministrou. Estando, portanto, no seu normal: uma eterna oscilação entre bons e maus momentos, até dentro de uma mesma partida. Daí que frustado por não poder nos ajudar mais do que já ajudava, aproveitou um tiro de meta e arremessou a bola na cara do atacante adversário e já partiu para quebrar o beque deles, que estava de costas, bebendo água, pondo em prática (e nós também, porque não amigo separa: chega na voadora) o seu mais velho e conhecido mantra: perco na bola, mas não perco no pau!

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Antípodas

14.9.14 Cabotino 0 Comentarios



- “Todo artista tem que ir onde o povo está”, como diz a canção?

- O artista, talvez, enquanto cidadão, mas sua arte deve responder à sua própria demanda. Ou seja: deve atender às contingencias que se exigem dela. No caso da literatura, por exemplo, o seu promotor é a palavra escrita. O berro de protesto do escritor deve ser a literatura séria. Engajada consigo mesma. O protesto que o escritor deve emitir para a sociedade é desvendar às especificidades. Pois, a política é sua antípoda, sua rival. Daí você pode me perguntar por quê? Respondo: a política cuida dos temas da polis, da cidade. Em uma palavra, ela trata das generalidades e está cagando e andando para às nuances. Alguns prosélitos da política afirmam que a literatura é um drama burguês e o escritor é perturbado por escrúpulos metafísicos. E o que importa é a luta de classes. A causa do trabalhador em um sistema cuja produção capitalista espolia cada vez mais os salários e as condições de trabalho, ou os meios de reprodução da vida como diz os acólitos do marxismo. Daí eu lhe digo o que importa para os trabalhadores, o que está em sua utopia: é botar mais um Volkswagen na rua e encher o bucho de carne em rodízios com chopes “compre um e leve outro”, por exemplo. Por isso o escritor deve-se ater ao seu domínio, a palavra.

- Mas, não entendi bem quando você referiu-se às especificidades. Explique-me melhor essa característica da literatura.

- Ora, como falei há pouco, para entender às especificidades é preciso fazer um exercício de cotejo, de comparação. Quando falei que o “reino” da política é a generalidade, o monos, criação de leis gerais a partir de políticas públicas para atender às demandas da polis. Queria dizer com isso que a política, por suas próprias exigências – coletivas – esquece o indivíduo em seu drama solitário, em sua ubiquidade dramática no mundo. Desde que a política constitui-se enquanto narrativa histórica, ou seja, quando entrou no Tempo e começou a colonizar o futuro através de um telos, uma finalidade para às demandas coletivas, ela esqueceu das nuances. O que isso quer dizer? A literatura é inimiga da política por querer tratar de temas que são avessos a esta. Desde tempos imemoriais, a personagem literária, mesmo em ações coletivas, busca sua finalidade. O que Odisseu queria? Voltar para casa mesmo que à revelia dos Deuses. Dom Quixote? Criou um mundo maior do que o que lhe circunscrevia e saiu errante pregando sua justiça em um mundo já caduco para os princípios da cavalaria andante. Raskolnikov e Julien Sorel? Um bonapartismo particular, Etcetera. E o que aconteceu com os argonautas e os deuses? O que aconteceu com o século de ouro espanhol? Ou que ficou das senhoras assassinadas pelo anti-herói dostoievskiano e com a cabeça do personagem de Stendhal? Respondo: todos eles passaram, o que sobreviveu em meio a esse grande documento de barbárie que é a história do Ocidente, foi o drama ampliado do ser humano – suas nuances em um mundo cada vez mais massificado pelo telos da política.

- Então quer dizer que a política sempre fez pouco caso com a literatura? Há pouco você falou do marxismo, então quer dizer que dentre as várias manifestações da política, o marxismo seria o mais contrário à literatura?

- A política não só fez pouco caso como criou mecanismos para acabar com a literatura séria, aquela comprometida consigo mesma. Nos Estados totalitários, a partir da censura oficial. Nos Estados capitalistas, através da censura mercadológica. O que sobrevive, em grande medida, nestes dois exemplos: é a literatura propagandista ou a literatura água com açúcar, respectivamente. Não quero dizer com isso que as condições de trabalho para um escritor em um exemplo e no outro sejam iguais. Evidentemente, na democracia fashion em que vivemos, essa daí tão propalada por Washington mundo afora, o artista e o escritor pode utilizar-se do mecanismo do cinismo. Ou seja, garantir seus meios de sobrevivência, em áreas de atuação muitas vezes distante daquilo que produz, e lançar-se em uma produção mais radicalizada pois, tem relativa liberdade de expressão. Mas, há um imbróglio que às vezes lhe condena ao opróbrio dentro da convenção do meio simbólico que atua, seja ele a imprensa – alternativa ou não –; as universidades – mais as privadas do que as estatais –; o mercado editorial etc., pois o seu nível de radicalidade ou nuance está o tempo todo sendo vigiado pela patrulha ideológica do bom senso ou do bom tom das convenções liberais, burguesas. Para contornar esta situação, o artista precisa radicalizar cada vez mais seu ofício e, no caso do escritor, enfatizar à palavra, haja vista, toda patrulha ideológica é idiota, tanto nos regimes totalitários quanto nos democráticos. Pois a patrulha está interessada na ordem, no bom funcionamento das instituições e é totalmente inepta à dinâmica das nuances que o artista imprime em sua obra. A história está repleta com exemplos de artistas que conseguiram furar esse bloqueio ideológico, porém muitos deles só foram recepcionados tempos depois e viveram à míngua ou morreram por conta de sua voz, de suas especificidades.

- Mas, você ainda não falou da relação do marxismo com a literatura.

- Vou tentar ser mais claro. Não só o marxismo como todo o espectro político não se permitem compreender o humano em suas nuances. Se estes falam de drama burguês ou pequeno burguês. Os liberais falam em perca de tempo só para ser eufemístico. Fazem políticas públicas para à cultura só porque é uma exigência constitucional. Tá lá nos artigos 215 e 216 que todo brasileiro tem o direito de produzir e usufruir da cultura nacional. Mas, daí lhe pergunto? Cadê a recepção, a fruição do nosso espólio cultural e o acesso à nossa produção hodierna, atual? Parece que a cultura brasileira virou alguma coisa para turista inglês ver, enquanto o grosso da população usufrui containers oriundos de Hollywood ou do Projac, engolindo enlatados sem mastigar. Por fim, a literatura não está presente apenas no Manifesto do Partido Comunista. Ela também está fora do Genesis. Do acordo de Breton-Woods. Do New Deal. Do PAC, Etcetera. O escritor é o herói que não está no gibi tampouco na natureza como as placas tectônicas ou as borboletas. Deus fez o mundo em sete dias e não disse “haja literatura”; Marx não disse “literatura do tudo o mundo, uni-vos!”; Mantega não disse “vamos aumentar meio por cento na taxa da literatura”. Todos eles estão preocupados com as generalidades. "E a literatura", perguntamos aos administradores do mundo? E eles responderão “por favor, sem nuances, grato”. Por isso, meu caro, vamos criar, vamos escrever, mesmo que o verbo seja transitivo e peça complemento.

***
Foto: Performance do multi-artista pernambucano, Paulo Bruscky nas ruas do Recife, em 1978. Disponível em:
http://paulobruscky.com/2013/03/19/o-que-e-a-arte-para-que-serve/  
Acesso em: 14 de set. 2014.

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ASSOPRA

12.9.14 Cabotino 0 Comentarios



 [ou arroto de Éolos]

POR ENTRE OS ELOS DAS CORRENTES

Ar. Sopro. Bafo. Insuflação. Baforada. Monção. Vento leve. Zéfiro. Frescor. Galerno. Bafagem. Brisa. Favônio. Aragem. Hálito. Oressa. Viração. Aura. Assopradela. Flabelação. Abano. Bafejo. Pé de vento. Lufada. Borbotão de vento. Tufão. Tornado. Ventania. Rajada. Gregalada. Lufa. Ciclone. Torvelinho de vento. Furação. Ecnefia. Rabanada de vento. Refrega de vento. Bulcão. Polvorinho. Turbilhão. Golpe de vento. Refega. Sobrevento. Trabuzana. Tempestade. Currada. Temporal. Pampeiro. Vendaval. Procela. Tormenta. Estuprada. Euro. Rolo. Romoinho. Janela. Redemoinho. Eurônoto. Borrasca. Borroscada. Borrisco. Cansim. Simum. Samiel. Basculante. Adentrar. Peralta. Perau. Chaminé. Fole. Ventilador. Ar-condicionado. Assoprador. Leque. Cu.

DENTRO DO TEMPO DAS TEMPERATURAS E A AFERIÇÃO

Siroco. Bise. Nordestia. Lestada. Ventos gerais. Colaterais. Minuano. Rexio. Terrenhos. Áfrico. Aquilão. Aguião. Ventos de repiquete. Rachar. Subsulano. Tarasco. Barbeiro. Ventosidade. Flatulência. Peido. Anemografia. Cata-vento. Aerodinâmica. Grimpa. Barosânemo. Fôlego.  Anemologia. Inflação. Abanação. Anemógrafo. Respiração. Anemômetro. Abanadela. Anemopausa. Éolo. Anemoscopia. Anemoscópio. Ventilação. Recolho. Língua de sogra. Boca miúda. Ofego. Bufido. Bufo. Alento. Dispneia. Bóreas. Bomba de ventilação. Máquina pneumática. Leves. Barômetro. Pulmões. Bofes. Boches. Ventana. Flabela. Ventarola. Abano. Vênula. Palavra.

SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA – IMPLOSÃO

Ventoso. Tarasquento. Flatulento. Ofegoso. Ofegante. Borrascoso. Tempestuoso. Proceloso. Furioso. Fervente. Austrífero. Agreste. Marulheiro. Mareiro. Galerno. Brando. Sereno. Bonançoso. Alisados. Alísio. Aquilonal. Aquilonar. Aquilônio. Gregal. Etésios. Travessão. Ventilado. Arejado. Lavado de ares. Esternutatório. Ventígeno. Ventilativo. Nubífero. Nubífugo. Vorticoso. Imbrífero. Imbrífugo. Remoinhoso. Nubícogo. Eólio. Às lufadas. De vento em popa. 

DESVENCILHANDO-SE DAS CORRENTES FÍSICAS E METAFÍSICAS

Ventar. Soprar. Assoprar. Ressoprar. Bafejar. Aflar. Arejar. Ventilar. Ventanear. Ventanejar. Refrescar. Perpassar. Agitar. Atravessar. Cruzar. Fustigar. Varejar. Açoutar. Lufar. Varrer. Encrespar. Brincar. Ondear. Empolar. Soluçar. Gemer. Sibilar. Rugir. Suspirar. Uivar. Assobiar. Ulular. Vassourar. Desgrenhar. Passar em febre. Suestar. Descair para o S.O. Sudoestar. Respirar. Alentar. Ítaca. Tresfolegar. Resfolegar. Ofegar. Arfar. Arquejar. Arrotar. Abanar. Flabelar. Insuflar. Poseidon.  Espirar. Espirrar. Tossir. Pigarrear. Baforar. Bufar. Inflar. Ventilar. Penélope.

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TORÓ

11.9.14 Cabotino 0 Comentarios



[ou a valsa das águas vivas]

QUEDA OBLÍQUA – INÍCIO DO CICLO

Gotejar. Gota. Pingos. Borrifos. Salpicos. Peneira. Pancada. Corda. Pazada-d’água. Chuvada. Chuvarada. Temporal. Tempestade. Salseiro. Molinha. Moinha. Salsada. Bátega-d’água. Chuveiro. Piralada. Curso. Fluxo. Maré. Ressaca. Rolheiro. Torrente. Olheiro. Ribeira. Enchente. Inundação. Rega. Garna. Garoa. Relento. Sereno. Orvalho. Roruginha. Chuvisqueiro. Cio. Molhe-molhe. Chuvisco. Meruagem. Mebruega. Aguaceiro. Borraceiro. Lava. Lavada. Rega. Pena d’água. Afluente. Remoinho. Sorvedouro. Vórtice. Maremoto. Absorvedouro. Turbilhão. Voragem. Água corrente. Flúmen. Viva. Doce. Borbotão. Cachão. Borbulhão. Repuxo. Escoamento. Afusão. Jorro. Esguicho. Bica. Zicho. Jato. Golfada. Jet d’eau. Gorgolão. Dimanação. Difluência. Descento da maré. Gulf-stream. Mão. Tromba. Manga-d’água. Serpes de cristal. Catadupa. Catarata. Cascata. Levada. Salto. Cachoeira. Queda d’água. Itupeba. Ravina. Corredeira. Despenho. Caudal. Iguaçu. Niagara’s falls.

RUMO À INÉRCIA

Cataclismo. Débâcle. Cheia. Estilicídio. Stillicidium. Olho d’água. Chafariz. Arroio. Ribeiro. Ribete. Regato. Córrego. Regueira. Regueiro. Ribeirinho. Manancial. Manadeira. Matriz. Riacho. Braço. Esteiro. Ria. Enxurro. Regadeira. Enxurrada. Afluente. Remoinho. Sorvedouro. Vórtice. Maremoto. Absorvedouro. Turbilhão. Voragem. Maelströn. Vaga. Vagalhão. Mareta. Levadia. Marulhada. Quebrança. Enchia. Fola. Encapeladura. Saca. Maré cheia. Preamar. Tomadoura. Nora. Estanca-rios. Cegonha. Regador. Aríete. Bombacho. Chupela. Chupadouro. Seringa. Hidrodinâmica. Maresia. Ombrômetro. Marejada. Pluviômetro. Alagamento. Aguador. Hidrometria. Potamografia. Bomba. Esto. Contramaré. Baixa-mar. Maré vazia. Vazante. Macaréu. Pororoca. Chapeleta. Aguagem. Confluência. Reunião. Junção. Barra. Ligação. Juntura. Eclusa. Comporta. Represa. Paulo Afonso.

VARIAÇÕES SOBRE A MESMA QUEDA – CONVULSÕES LIQUEFEITAS ou REINÍCIO

Escoar. Derivar. Serpear. Ondear. Arroiar. Gorgolhar. Rebentar. Zichar. Refluir. Sair em borbotões. Precipitar-se em torrentes. Ir. Deslizar. Vazar. Esguichar. Espiar. Sair de jato. Jorrar. Espipar. Resfolegar. Espirrar. Espanadar. Chapinhar. Sair em repuxo. Esparrinhar. Borbotar. Nascer. Manar. Brotar. Escorrer. Gotejar. Golfar. Gorgolar. Gotear. Pongar. Porejar. Destilar. Filtrar. Desbordar. Espraiar. Derramar-se. Regurgitar-se. Desestagnar. Abundar. Sair da madre. Velho Chico. Bofar. Regar. Encharcar. Inundar. Alagar. Lançar. Deitar. Botar. Entornar. Despejar. Espargir. Despargir. Efundir. Infundir. Acachoar. Cachoar. Escachoar. Formar cachão. Marulhar. Irrigar. Sangrar. Pongar. Cair garna. Chover molinha. Merujar. Peneirar. Transbordar. Desabar. Chuvinhar. Cair. Arreia São Pedro. Chuviscar. Tempestear. Chover azagaia. Copiosamente. Por uma pá velha. A cântaros. A canivetes. Cair água. Diluviar.  




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Extemporâneo

11.9.14 Unknown 0 Comentarios




durmo depois de lutar contra o sono
e acordo tarde

demasiado tarde para ouvir o galo de João Cabral,
ouço apenas roncos de motores

demasiado tarde para ver o espreguiçar do sol,
vejo apenas sombras

demasiado tarde para experimentar o cheiro ameno da manhã,
tarde: só sinto o gosto da tarde

e quão tarde não será
quando o sono não
der lugar ao despertar

aí terão se encerrado os problemas:
não haverei mais de buscar
manhãs,
amores,
poemas.


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Sánatas od

9.9.14 Unknown 0 Comentarios


Socsid so otief
Açnairc odnauq aivuo êcov euq
Etnerf  arp sárt ed sodil meres arap oãs sosrev sesse

!Reficúl sodanimuli
Egnol oa socitnâc sues rivou arap ád áj

!Azetrec ohnet,  eled redop o ritnes a açemoc áj êcov aroga
!Sánatas Drol ho


!Sánatas uos ue
 Oludércni Rotiel, amla aut racsub arap iuqa miv

Adiv aut arp sedatsepmet e sarbmos ierart

Oleznod res ed raxied ut arp  alôr e atecub ed aiehc axiac amu e

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E eu queria ser, Romário

4.9.14 Cabotino 0 Comentarios


A Marcelino, meu tio.

No início de 1999 eu tinha quinze anos e todo os domingos acompanhava meu tio Marcelino – irmão mais novo de minha mãe – no campeonato de futebol de várzea que ele jogava. Lateral direito dos bons, sua principal característica: a velocidade tanto no apoio quanto nas subidas à linha de fundo. Espécie de Arce (lateral direito do Palmeiras na época) misturado com o vigor físico de um Cafú, pois como aquele, sabia pôr a bola na área, coisa que este nunca aprendera a fazer.

Estávamos no último ano de uma década estranha. Um decênio que nos dera o Plano Real, uma copa do mundo nos EUA [1994] seguido de um vice-campeonato na França [1998], além do assustadores: “Rombo da Camada de Ozônio” e o “Bug do Milênio”.

Todo o campeonato de várzea que se preze tem um “terceiro tempo” em que os peladeiros resenham o ocorrido durante a partida. E também põe na ordem do dia a fofoca da semana e a “greia” mútua de costume. Tudo isso regado a cervejas, tira-gosto e banho de bica.

O “terceiro tempo” do futebol de várzea é a apoteose de uma cultura que tem sua redenção aos domingos, o futebol.

Pergunto-me: o que faz um cara que trabalha a semana inteira, muitas vezes de segunda a sábado, sacrificar o domingo jogando bola sob um sol de tremer paralelepípedos? Respondo: não sei. Quem conseguir responder a essa pergunta estará mais próximo de decifrar um enigma caro ao nosso país, o futebol.

Após o “terceiro tempo” eu voltava com o meu tio, ambos embriagados, para casa, a diferença etária entre ele e eu deve ser de uns cinco anos a mais para ele. Nesse tempo, meu tio morava em minha casa. Nem me lembro por que ele morava conosco. Minto, acho que foi devido a um entrevero que teve com o meu avô. Iria ficar apenas uns dias até “estivar a chuva” como diz um amigo meu, mas ficou anos dentro de nossa casa e foi um período arretado, porque meu tio é de uma espiritualidade bonachona que faz raiva a esse mundo sisudo e as pessoas que contribuem com esse adjetivo.

Chegamos em casa por volta das 16h, lembro-me o dia, 8 de fevereiro de 1999. Ligamos a tevê e fomos esquentar o feijão, micro-ondas era um artigo que o nosso Plano Real ainda não havia atingido.

Pertencer a uma família não significa apenas compartilhar a consanguinidade, há algo mais do que isso, entre elas, o hábito de almoçar com o prato na mão defronte à tevê, tal qual os mendigos de cócoras no Centro da Cidade, por exemplo. Mas, ao invés da postura de cócoras, sentamos nas cadeiras de bambu que haviam em casa, eram terrivelmente feias e desconfortáveis, mas era o que tínhamos e minha mãe ensinou-me a não reclamar do que se tem, além disso, tinha que ficar na minha em relação à “coroa”, porque com quinze anos eu já bebia como um gambá e ela ficava uma “arara” com isso e ainda hoje fica, mas com o meu tio na época eu tinha um salvo-conduto, era só não avacalhar o sistema, ou seja, que eu segurasse minha onda – ficasse na minha ou coisa do tipo: sujou, limpa.

Não satisfeitos com o futebol pela manhã, iríamos agora ver o futebol espetacularizado na tevê, o jogo seria entre Corinthians e Flamengo no Pacaembu [São Paulo] válido pelo Torneio Rio-São Paulo.

Lá estávamos, a boca ainda distinguia o feijão mulatinho com charque e jerimum. Arroz branco – típico da culinária preguiçosa do pernambucano – e a galinha guisada acentuada de cominho. O copão de suco de acerola gelado, em 1999 a Coca-Cola ainda era difícil, mesmo em um domingo.

Cinco minutos de jogo, Romário pega a bola na linha de fundo esquerda do seu ataque e entra na grande área com um inenarrável drible elástico em cima do volante do Corinthians e da seleção brasileira, Amaral. Na cobertura de Amaral, ninguém mais ninguém menos do que Gamarra, zagueiro do time paulista e da seleção paraguaia, Gamarra que, no ano anterior, saíra da Copa do Mundo da França nas oitavas de final, contra os anfitriões, sem ter cometido uma única falta, detalhe: ele era um dos zagueiros titulares do Paraguai, titular! Mas, não foi capaz de parar o baixinho Romário, tampouco de lhe tomar a bola já próximo da pequena área. Quando o atacante do Flamengo viu os defensores ao chão, deu um sutil toque na bola, um totozinho (hoje mais conhecido como cavadinha) por cima do goleiro Ney e correu para o abraço!

Eu por meu turno, pensei que tinha visto uma miragem. Meu tio por sua vez gritava com a comida ainda na boca: gol da “miséra”! Gol do “carai”!

Pois é, nos anos 1990 o futebol brasileiro ainda quebrava as regras de civilidade e urbanidade, como por exemplo: não falar de boca cheia, quem dirá, gritar. Hoje o baixinho Romário tá no congresso jogando lá o seu “futebol”, ao invés do uniforme; o terno; ao invés da pelota; a caneta. Como faz falta o baixinho em nossos gramados.

Hoje, o nosso futebol nos faz engasgar de raiva, saudade do meu tio gritando aquele gol. E que volte, vá lá, o “Rombo da Camada de Ozônio” e o “Bug do Milênio”, mas, por favor, que volte o desejo de qualquer menino nesse país de querer ser um, Romário.





Gol de Romário contra o Corinthians no Torneio Rio-São Paulo, estádio do Pacaembu, fevereiro de 1999: https://www.youtube.com/watch?v=4D5avBhwSks 

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A crônica nossa de cada dia

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Lá em casa, quando eu era novinho, os livros não existiam em abundância; nem os leitores. Daí que quando eu comecei a conhecer aquelas versões infantis, reduzidas, dos clássicos da literatura, tive um trabalho imenso para ler "A greve de Sexo", de Aristófanes, porque era inevitável diante das cenas eróticas algum arroubo de tesão juvenil, que seria reprimido a galope por algum adulto responsável, ou transformado em piada por algum primo mais cabuloso. Li várias coisas nesta época, alguns livretos de crônicas, muito interessantes, e até "Os miseráveis", de Victor Hugo. Nota importante é saber que, para mim, aqueles não eram exemplares simplificados das histórias clássicas; eram as próprias obras, sem tirar nem por, tal como o autor as havia concebido. Daí que eu não pude deixar de me ruborizar quando entrei numa grande livraria e vi de longe um calhamaço de num sei quantas páginas com o mesmo título e autor do livrinho magrelo que eu tinha em casa. Meu mundo caiu, me senti enganado. Só aí pude entender a insistência de um colega da escola, que vivia repetindo para mim e uma amiga: "Vocês aí que se acham muito espertinhos, inteligentes, cus de ferro do caralho a
Umas das melhores obras do conto
brasileiro. Fica aqui a sugestão.
quatro, só porque leem livros café-com-leite... Escutem, negócio sério é aqui: Zé de Alencar". Confesso que nunca entendi essa fixação dele em José de Alencar, minha amiga dizia que ele não lia de verdade, tapeava pra impressionar. Não digo, nem desdigo. A arte da cabotinagem está aí para quem quiser lançar mão dela - já vi gente no metrô de Recife lendo Shakespeare, no original, no horário de pico, às 18h, momento em que até o maquinista está em pé. Não duvido, mas também não ponha minha mão no fogo. Na arte da palavra ainda vale ressaltar o desserviço que a escola faz muitas vezes. Calma, não me apedrejem, mas às vezes é muito ruim ser subestimado - sim, é essa a sensação que eu tinha. Passávamos boa parte do ano estudando história da literatura, isso aqui é Barroco, isso é Arcadismo, isso é Romantismo; aqui estão os principais nomes de cada, etc, etc. E quando nos passavam algo para ler, nos davam uma desgraça de um livro didático. Geralmente de um autor desconhecido, muito mal escrito, era uma tortura ter ler e resenhar aquele lixo estético. Ainda lembro o nome de um, chamava-se "O Estudante". Versava basicamente sobre como uma família se desestruturou porque dois irmãos começaram a usar drogas. Se fosse bem escrito, vá lá. Mas eram, via de regra, péssimos. E a intenção da escola era, apenas, incutir o medo. Se eles soubessem que esse tiro sai sempre pela culatra... Mas deixa quieto. O que vale é saber que todas essas feridas a gente tinha que curar com boa literatura; daí que dei um abraço apertado na professora nova que nem titubeou, jogou logo o Brás Cubas pra gente ler. Li o Brás Cubas e o "Quincas Borba"; emendei com o "Macuinaíma", do Oswald. A partir daí eu fui trilhando meu caminho, lia o que achava bom, o que não me agradava jogava fora, deixava de lado mesmo, sem cerimônia. Criei, assim, uma identidade literária, a qual eu recorro sempre que estou entediado com o mundo das letras. Nunca me espantei com o sujeito que me joga na cara seus "40 mil volumes". Sempre achei isso meio cretino. Já praticava, sem saber articular claramente, o conselho que tio Nelson dava há tempos: "na vida deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é, na realidade, a da releitura." Crie sua patota de cinco, seis livros fundamentais, e a eles recorra sempre que vida estreitar para o seu lado.

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Não é todo dia que se erra bem dessa maneira

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  *O texto introdutório, porque muito grande, vai no fim.

Conversava com o meu superego esses dias; claro, de maneira muito respeitosa. Perguntava cheio de papas nas línguas por que ele não aliviava uma vez ou outra, argumentei que ia fazer um bem danado para minha saúde mental.

Ademais, meu id é tão tacanha, pede tão pouquinho, uma primavera de Casimiro de Abreu, um porre à la Bukowski, um noite vibrante como quadro de Pollock, um céu azul de poesia parnasiana... E fica por aí toda minha fantasia de satisfação.

Jackson Pollock

Os vacilos, meu superego repetia para alertar, os vacilos! Queria dizer que um vacilo meu vira arrependimento, que vira cobrança e autopoliciamento, que, em alto grau de intensidade, vira imperativo moral... Aí já viu, né? Tome-lhe interdição.

De fato, lembrava de um vacilo colossal com um companheiro de letras, perdi um texto a mim confiado com carinho. Remoí por muito tempo essa hesitação, até que desabafei em um tom que beirava a pieguice, num texto que retribuí ao amigo.

Tirei seis toneladas de culpa das costas. Saí para respirar aliviado.

Depois de alguns meses, ele voltou a falar no assunto. Fazia tanto tempo que eu imaginava que ele nem fosse mais tocar nele. Mas tocou, numa crônica intitulada "Desabafo".

Mas, peço aqui licença e faço um parênteses: não foi um desabafo, foi um arroto. Sim, um arroto: aquilo que fica preso dentro da gente, que causa um mal estar tremendo, que custa a sair, mas quando sai, ah, quando sai, aquele alívio ruidoso nos dá a sensação de que expelimos seis gerações de espíritos ruins e maléficos do nosso interior.

Pensava no meu amigo Madrazzo expelindo o mal que o extravio do texto lhe causou, e, súbito, constatei que essa foi a perca mais profícua que eu protagonizei na minha vida!

Numa matemática simples, pode-se contar: de um lado, um rascunho, uma crônica inacabada; de outro, um texto meu para Madrazzo e outro dele se pronunciando sobre o caso, já são dois; mais este que vós lês agora, caro(a) leitor(a) paciente, e já vamos para três.

Já vislumbro o Pássaro Bege discorrendo sobre o caso; o Cabotino pondo-o em versos esmerosos; Castanha falando nele sob a forma de um belíssimo causo e o Calango arriscando lá também suas avaliações e apreciações de tão inusitada história.

Com a devida licença para a divagação, quiçá o acontecimento ganhe dimensão por toda a rede; inúmeras pessoas, pertencentes a blogues literários ou não, tratando do infortunoso evento, e aumentando exponencialmente, assim, as visões e perspectivas sobre ele.

Toda uma profusão de textos, dos mais variados tipos, discutindo o inglório caso. Uma verdadeira glória, se é que me entendes.

 E, mesmo que toda essa efervescência não ocorra, posso garantir que não há em todo meu passado biográfico outra situação em que um prejuízo tenha se convertido tão exemplarmente em coisa proveitosa, produtiva.

Já me dou por satisfeito, e faço as pazes com meu superego pensando:  não é todo dia que se erra bem dessa maneira!
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*A POÉTICA DO ARROTO (por Rogério Skylab)
A poética do arroto consiste
numa massa de ar condensada.
De dentro pra fora, explode-se.
De repente, desmancha-se.
Então, a gente sente um alívio imediato.
Como se flutuássemos, a gente
nem mesmo repara. E continua.
Incansável, ao sabor dos dias.
E vamos carregando nosso fardo,
pelo qual muitos se preocuparam
e construíram teorias interessantíssimas.
Esse arroto, no entanto, eu traduzo.
Hieroglifo ? Pós-modernismo ?
Esse arroto significa poesia.

** No caso do estimado Madrazzo, é a boa e velha prosa mesmo.


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