Do Som ao Redor ao Treze de Maio.
Nem lembro exatamente o
dia do fato, mas acredito que se tratava de uma sexta-feira à noite, isso por
causa da quantidade de pessoas nas ruas e nos bares, e também porque era
difícil eu ir ao bar do Lula sem ser numa sexta.
O que eu lembro eu vou
contar. Lembro com muita precisão do sentimento que me tomava quando saí da
sala do cinema, de toda aquela euforia e sentimento de revolta frente à fuleiragem da vida burguesa e todo seu
barulho que passaram no filme. Lembro que na saída do cinema encontrei um primeiro
casal de amigos, os dois sociólogos, mas não tive espaço e nem tempo pra
conversar com eles, só consegui dizer “o filme é foda!”. Logo em seguida
encontrei um segundo casal de amigos, ele sociólogo, ela bióloga, falávamos com
tanto afeto do filme, como ele tinha dado uns bons tapas na cara de grande
parte da galera burguesa que também tinham assistido a aquele filme burguês,
naquela sala de cinema burguês. Falávamos de como a sociedade recifense era escrota
consigo mesma; falávamos de como a vida naquele filme parecia tanto com a vida
da gente e de muita gente. E ainda falávamos como era escroto o fato de uma mãe
de família não poder fumar seu baseado na frente dos filhos e, mais escroto
ainda, o fato dessa mulher dar uma “trepadinha” com sua máquina de lavar.
Em meio a toda aquela
conversa sobre Recife e suas histórias malucas, eis que se chega mais uma
amiga, outra socióloga, meu deus, livrai-nos desse mal. Ela estava pra entrar
no cinema, não pra assistir aquele filme que comentávamos, mas ia ver um filme
sobre a história de uma menina de Recife, também burguesa, e suas “trepadinhas”
aleatórias. Quando essa terceira amiga se chegou na roda, conversamos um pouco
sobre os filmes e logo mudamos de assunto, passamos a falar então do triste
caso do assassinato de um amigo de faculdade, outro sociólogo.
O sentimento que me
tomava naquele instante foi intensificado mais ainda, toda a revolta se
intensificou, porque nosso amigo tinha sido encontrado morto numa praia
burguesa de Recife. Por um instante ficamos calados, lembrando do nosso amigo e
da forma brutal e burguesa que ele tinha sido assassinado. Voltamos a nos falar,
nos despedimos e cada um seguiu seu rumo.
Era sexta-feira à noite e
eu estava pra me mudar de Recife, decidi ir tomar uma cerveja e tomar um
caldinho de feijão com torradas no bar de Lula. Tomei meu rumo ao bar de Lula,
um garçom “de primeira”. Eu tinha duas opções pra chegar ao bar, pegar um
ônibus até o Parque Treze de Maio ou ir a pé. Pois bem, não há nada melhor do
que caminhar em plena Avenida Conde da Boa Vista, numa provável sexta-feira à
noite. Todas aquelas luzes, os vendedores de pipoca, todas aquelas paradas de
ônibus bizarras e lotadas de pessoas seguindo seus rumos bizarros, todas aquelas
lojas vulgares com seus produtos vulgares, sem falar naquele posto de gasolina
cheio de pessoas em busca de felicidade. Continuo pensando no assassinato e
naquele filme, pensando como a vida é tão o mais do mesmo. No meio do caminho
há vários bares vulgares, com cervejas baratas e de péssima qualidade, cheio de
garçons mal pagos e infelizes. Continuo a andar e observar toda aquela gente se
entupindo de churros das carrocinhas e de cervejas baratas, até que dobro numa
esquina que tem um bar muito interessante. Era o bar de Morgana, uma senhora
que serve as mesas com todo carinho e afeto, mas que infelizmente eu não
poderia receber esse afeto, era uma sexta-feira e eu precisava tomar aquele
caldinho e comer aquelas torradas. Continuo minha caminhada. Viro uma, duas
esquinas, e finalmente chego ao bar de Lula.
Sabe aquela relação com o
garçom que te trata pelo seu nome e você pelo dele? Pois então, a nossa era
assim. O bar do Lula é aquele típico boteco cheio de universitários burgueses
tomando suas cervejas de qualidade duvidosa, mas que tem um caldinho de feijão
que vem acompanhado de umas torradinhas de pão francês com um tempero
fantástico. É um bar bastante modesto, entupido de grades de cervejas pelo
caminho e com a cozinha montada num primeiro andar muito mal feito, ligado por
uma escada de causar sérias dores na coluna de qualquer garçom que se atreva a
passar a noite subindo e descendo aqueles toscos degraus com pratos de diversas
qualidades.
Sento numa mesa, Lula
chega para me cumprimentar, um aperto de mão e aquela pergunta “uma cerveja bem
gelada e um caldinho de feijão?” Deus, nós precisamos de menos sociólogos e
mais garçons. Aceito a oferta sem nem pensar duas vezes. Acendo um primeiro cigarro
de fabricação brasileira extremamente duvidosa, que mais parecia coisa feita
pelo capeta do que por uma santa qualquer. Enquanto espero pela cerveja, que
chega quase no mesmo minuto do primeiro trago, penso em ligar para um amigo,
infelizmente Lula não trabalha na cozinha e o caldinho demora mais um pouco pra
sair.
Pego meu celular pra
ligar pra Brasília, não pra falar com um Lula qualquer, aquele outro já me
basta. Ligo pra um amigo, começo a falar do filme, do assassinato e de todo
aquele sentimento burguês recifense que me tomava naquela noite. Mais um
cigarro de fabricação brasileira extremamente duvidosa, seguido daquela cerveja
de qualidade duvidosa, mas bem gelada. Eu não precisava de alta qualidade, só
precisava daquele cigarro, daquela cerveja gelada e do caldinho de feijão com
torradas. Enfim, meu caldinho chega quente e caprichado de torradas!
Por: Raul Vinícius
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