PAPÉIS

28.1.15 Cabotino 1 Comentarios


Janeiro tem destas coisas: ver em retrospecto o ano que futurou-se, projetar os dias de amanhã, ver quantos feriados cairão nos dias úteis, fazer prospecções nos projetos profissionais, ler uns dois editais, mais um Big Brother, a porra de mais um carnaval que se aproxima com sua mesmice de sempre, e pensar no amor. Foda, por que sempre pensamos em quem nos faz seguir em frente depois das circunstâncias mais comesinhas? 

Tem algo no início do ano que me enche de satisfação fazer: rasgar e jogar fora papéis. 

Todo janeiro resolvo juntar aquelas pilhas de papéis acumuladas no decorrer do ano findo e começo a análise – isto aqui serve, isto não serve, isto aqui não dá para ler mais nada. Em meio ao catatau de papéis dispersos de toda sorte, há faturas vencidas, extratos de conta corrente, segunda via de compras de crédito e débito, boletos, comprovantes de pagamento, meu Deus! Para quê tanto papel para um salário que não chega ao fim do mês?

Nossas vidas estão impressas em papéis, da certidão à fatura do cartão.

Bem que gostaria de tocar fogo, mas não há lugar adequado aqui em casa para fazê-lo. Há um significado no fogo que nos remete diretamente ao ideal da purificação, de Platão à OTAN o fogo vem sendo utilizado para amaciar alimentos ou incediar automóveis em prol de uma causa qualquer que, se não alimenta o estômago, alimenta a alma das utopias. Seria um pequeno espetáculo, do tamanho de minhas contingências, ver arder através da chama azul propiciada pelo comburente do papel ofício e da tinta a jato impressa nesse pequeno chumaço acumulado na cesta de lixo do meu quarto.

A cesta de lixo começa a transbordar e é preciso pisar na maçaroca de papel para que surja mais espaço. Isso, é preciso sempre mais espaço para os papéis, até no lixo.

Imaginem vocês que ao invés de jogarmos no lixo os papéis que acumulamos, pudessemos jogar os papéis que nos atribuem. Como seria começar um janeiro zerado? Sem nenhum papel social porque os que nos atribuíram estão acentados no lixo do esquecimento alheio, esse lixo que fede mais do que qualquer lixão. E produz um chorume nauseabundo, a lambuzar os papéis e escorrer pelo corpo, pela mesa e ir embora sobre a fenda da porta.

E tome ementas de disciplinas, artigos científicos, resumos, materias de jornal, editais de concurso, cartas do banco, faturas da empresa de telefonia móvel, mensagens de boas festas vinda da instituição tal, do deputado tal. Chega! Quanta árvore morta para tanta bobagem. Ainda bem que nenhuma árvore precisou morrer para você me ler neste instante, minhas linhas não merecem uma folha de papel e se merecesse estaria na cesta do lixo de alguém em um janeiro sufocante como este.










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Burocrática

26.1.15 Pássaro Bege 0 Comentarios


Meus papeis já passavam de mão e mão há mais de um século, quando consegui finalmente resgatá-los ontem pela manhã. Mais precisamente, dia 25 de Janeiro, consegui ler o que estava escrito no carimbo da ficha: “Sra. Parcimônia Esteves Burocrática: Chefe executiva do gabinete das Classificações”. Burocrática - como a chamam carinhosamente - gosta de passar o dia carimbando papéis amarelados, todos sabem disso, mas quase ninguém a acha na repartição apesar de sua onipresença. Quando criança, na cidade de Bem Metrificada, comprou três compassos e uma caneta esferográfica azul para compor seu desenho de vida. Domina muito bem o Excel e especializou-se em fazer borderôs erigidos na base da “contabilidade criativa”. Conversa-se, à boca miúda, que com isso ela conseguiu desacreditar toda a criatividade humana. Pudera?! 


Hoje, dia 26 de Janeiro, tentei matar mais uma vez Burocrática, mas não obtive sucesso. Ela escapou como sempre quando o galo cantou, e eu fui enganado pelo horário de verão outra vez; paciência, o despertador não tocou. Amanhã chego bem cedo na repartição pra tentar encontrá-la, mesmo sabendo que, como um Deus, Burocrática é venerada em público e somente negada no íntimo das rezas, ladainhas e mantra: “Maldita, maldita seja!", gritam os fiéis em seus quartos. Por hoje, vou matá-la na mão, porque na unha só se mata piolho.  

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Pensamentos infantis de um homem sem infância

14.1.15 Foi Hoje! 0 Comentarios


Provavelmente vivemos umas das piores épocas para se educar um filho, principalmente porque vivenciamos uma fase evolutiva completamente digital, onde é muito difícil mostrar para o seu filho o quão prazeroso é jogar bola em chão batido, rodar pião, bola de gude, empinar pipa, etc. Os poucos campos ou quadras de futebol deram lugar a especulação imobiliária, bloqueando o sonho de muitos garotos pobres de serem jogadores de futebol. Pião e bola de gude nem rola mais, não dá para brincar disso no asfalto ou no chão cimentado dos quintais de nossas casas que foram “induzidas ao progresso” visual, dando um aspecto mais sofisticado a nossa moradia.

Hoje existe uma infinidade de fios nas ruas, fios da modernidade: internet, telefone, o escambau! Até o varal de roupas sucumbiu à globalização aderindo aos cabos de redes não usados para nos conectarmos ao mundo. Isso inviabiliza muitas vezes o prazer de empinar uma pipa feita com as palhas de um coqueiro, se bem que até as palhas estão difíceis de achar como outrora. Lembro com saudades dos bons tempos onde crianças corriam nas ruas e sabiam subir em uma árvore, tenho saudades daquela “ignorância” onde os pedidos de presente ao papai Noel eram uma bicicleta ou uma pipa nova com as cores do santinha.

Como era bom subir em árvores frutíferas e saborear uma suculenta manga espada, por vezes lembrando o que minha vó dizia sempre sobre a mistura letal da manga com leite, nunca entendi essa lógica, mas respeitava a sabedoria dos mais velhos. Lembro como era extremamente importante esconder os ferimentos de um dia mais arriscado, pois, álcool e vinagre tinham funções educacionais.

Ainda mais difícil é educar um ser humano gerado por você e tentar inserir esse conceito de infância feliz quando o educador não viveu tudo isso. Porém, tenho a consciência de que houve um tempo onde o fato de não saber como usar um dispositivo touch screen não tinha a menor importância, porque a alegria estava em correr, pular e interagir como as outras crianças, mesmo que as vezes essa interação viesse por meios violentos, como quando alguns mais “espertos” queriam nos enganar no “palmo e teco”, em um tempo onde passávamos de fase no jogo da vida e da socialização sem medo do game over.



Texto de Kleyton Rezende

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O inconsciente do olhar VIII

10.1.15 Cabotino 0 Comentarios


Segunda-feira, 17h.
Rua Mamede Simões, próximo ao Parque 13 de Maio.
Um casal conversa em uma mesa de bar defronte ao Bar Central.
Cerveja Heineken gelada, caldinho, Coca-cola e amendoim industrializado na mesa.
Bronzeados pelo fim de ano na praia.
- “Adoro a segunda feira, os bares vazios, a cerveja gelada etc.”
- “Acho que hoje está vazio aqui porque o pessoal está assistindo Manhattan Connection
Os dois sorriem gostosamente enquanto me lembro do verso deste Coco:
“Treze de maio não é dia de negro”.

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Eu ou Ele

8.1.15 Foi Hoje! 0 Comentarios








Você pode me chamar de egoísta. Você sabia que entre qualquer pessoa e eu, eu seria eu; eu sou eu. Eu que tenho um poder de sair de mim, fugidio, por momentos, uma sombra, uma sombra para eu mesmo.

Depois disso, o olhar murcho, o bico.

Sim, começo sempre com meus tenhos, queros e quandos. Saio, saio e volto a escrever mentalmente, a fabricar imagens inexistentes, mergulho no meu mundo, me encontro com ele e comigo. Ele que vive em mim, por trás da maior cortina, - há sempre um ele em nós.

Passos, só, sol, janelas e ônibus, centro.

Conversava com um amigo meu, que porra tem a janela de ônibus para nos fazer pensar tanto? Como se precisasse... Como se precisasse de uma janela para cair absorto em pensamentos, O que mais faço é me desligar! digo a ele.

Eles, passos, pipoca, fumaça e cigarro, margem.

Não vou voltar, voltar e ver aquele bico, aquele olho murcho, Para quê? De que adianta? Odeio bicos. Se tem bico, canta!

Até os pássaros se escondem, acho que já li isso em algum lugar...

Revelo-me. Não, não peço desculpas e nem perdão, não sou Eu que errei. Foi ele! Ele! Revelo-me, não sou como queiram, mas como eu sou; ou como ele quis.

A vida é um cair/ E até os pássaros na cidade já são agitados/ É preciso estar cheio de ar para subir.

Isso! Subo, elevador de mim, cobertura.

Tenho que voltar, aos bicos, aos olhares murchos, aos eles. É preciso invadir para ser eu.

Nem me lembro quando começou, às vezes tudo volta, fácil, parece o real. Como um jogo simples de memória. Outra hora tudo cai, como os pássaros. Isso! Mas agora tudo se mantém. Saí, dos olhares murchos e do bico. Fui ali. Não quero cair, não sou pássaro.

Um eterno querer subir, volto, faca só lâmina. Fico imaginando a lâmina perfurando minha carne, atingindo meus órgãos; estômago. A lâmina queimando rápido e lentamente, a lâmina quente. Porque uma lâmina sempre queima, sempre é quente.

Volto, o espelho que deixastes na mesa permanece. Quebro, não quero voltar a ver bicos, olhos vazios ou pássaros. Agora tudo é várias lâminas no chão.



por Rodrigo Camarote 

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O inconsciente do olhar VII

8.1.15 Cabotino 0 Comentarios


Segunda-feira, 20h.
Rua Princesa Isabel, esquina com a da Saudade.
Dois poetas sentados um defronte ao outro em uma mesa de bar.
Uma cerveja Schin estupidamente quente.
Dois copos americanos.
Pouca grana nos bolsos, mas muitos anseios nas algibeiras da alma.
Uma sopa; duas colheres.
Não há Saudade que esfrie a sopa dos poetas.
Tampouco Princesa Isabel para alforriá-los.

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O fim do meu destino.

6.1.15 Calil Madrazzo 4 Comentarios


Acordei lá pelas tantas horas da noite que não sei. DOr infernal no estômago. Não era pra eu ter tomado tanto daquela porra. Pelo menos me economizou alguns dias de comida... E de paciência com tudo. Aqueles remedinhos coloridos são o Satanás mesmo. Vou ver se consigo mais. Ai que dor do caralho. Acho que vou vomitar. QUe sono de merda. dormi tanto e ainda tenho sono. Ai, vai ser aqui nessa pia mesmo.

BLUEER!!!

Porra! Que negócio escroto! Que dor do cacete! Aposto que se eu chamasse uma cartomante aqui ela leria meu destino com esse vômito nojento. Quer dizer, se eu chamasse qualquer um aqui ele saberia dizer meu destino. Olha, uma bola de sangue.

Er, tou fodido.

Agora tá me dando fome. Boa Madrazzo, agora você parece tá acordando. "A torneira abriu e a água jorrou sobre o vômito e sobre o sangue. Uma m'água escorreu pia adentro". Fome, fome, fome. E o que será que está bom depois de três dias? Porra, deixei o pão fora da geladeira. Tá tudo verde. Que se dane. Merda, a margarina tá fora também.

Não importa, margarina nunca estraga.

Como eu amo a margarina, nunca estraga. Não dá rato, barata, fungo, porra nenhuma. Só ser humano mesmo. QUando eu for a uma guerra vou levar margarinas, muita margarina, para passar em tudo. Margarina e baratas, duas coisas que não morrem. Ummm... Tenho que experimentar depois, deve ser um bom lanche, para uma boa guerra:

Barata na margarina.

Tenho certeza se um dia alguém jogar margarina no tanque de um carro ele vai correr muito. Margarina no pão verde, o que tem mais por aqui. Vamos ver, molho de pimenta. Tô feito, molho de pimenta, pão verde e margarina. Pimenta sempre salva tudo, nada resiste à pimenta. Um dia vou injetar pimenta na veia pra vê o que acontece. Não na minha, claro. Esse fungo vai se fuder na pimenta, quem mandou comer meu pão, desgraçado.

Umm, umm, delícia. Ar, ar, água.

"A torneira abriu novamente e uma boca pairou abaixo dela, dando goles incessantes de prazer e de sede". Pronto, vamos ver lá fora. E aí bixinho, como foi de férias. "Miiiinhuu, miinhuuu". Tem comida pra tu aí não. Jornal, aqui, um, dois, três, dois vão pro lixo, vem tu, pro banheiro comigo. Tenho que cagar e me limpar com tuas notícias. Vamos ver quem é mais podre.

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Os textos que eu perdi

5.1.15 Unknown 3 Comentarios


Àqueles que me atormentam antes de dormir, à noite ou já no espreguiçar do sol, e depois somem sem deixar vestígios;

Àqueles que me afligem numa viagem de ônibus, principalmente quando estou desguarnecido de papel e caneta;

Àqueles que rodeiam o pensamento durante dias, semanas, verdadeiras dores de cabeça, obsessões da pele e da alma, mas que fogem quando veem uma folha ou tela em branco;

Àqueles que se foram para uma lata de lixo junto com extratos de conta zerada, faturas não pagas e preocupações de um semestre letivo, exatamente como o texto do Madrazzo;

Àqueles postos em papel, escritos, materializados, mas que, por algum motivo que só divã poderá esclarecer, jamais se tornaram públicos;

Aqueles que a covardia, o medo ou a timidez me impediram até mesmo de corporificar;

Àqueles perdidos por alguma pane ou erro do programa de edição, e lamentados até última vírgula;

Àqueles que foram escritos em papel com esmero e em forma de carta e até hoje aguardam serem endereçados, mofando dentro de algum caderno na estante;

Àqueles outros pequeninos, bilhetes, enviados em forma de presente, colocados na bolsa ou no estojo, dentro do livro ou bolso da calça, mas que jamais foram lidos por descuido, desatenção ou relaxamento de quem os recebeu;

Àqueles que rejeitei;

Aos, enfim, textos que perdi. Às relíquias que ficaram no quase. A essas incompletudes, lacunas, suspensões, que dizem (podem dizer?) mais de mim do que aquilo que sobreviveu e ficou registrado.

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