PAPÉIS
Janeiro tem destas coisas: ver em retrospecto o ano que
futurou-se, projetar os dias de amanhã, ver quantos feriados cairão nos dias úteis,
fazer prospecções nos projetos profissionais, ler uns dois editais, mais um Big Brother, a porra de mais um carnaval que se aproxima com sua mesmice de sempre, e pensar no
amor. Foda, por que sempre pensamos em quem nos faz seguir em
frente depois das circunstâncias mais comesinhas?
Tem algo no início do ano que me enche de satisfação fazer:
rasgar e jogar fora papéis.
Todo janeiro resolvo juntar aquelas pilhas de papéis
acumuladas no decorrer do ano findo e começo a análise – isto aqui serve, isto
não serve, isto aqui não dá para ler mais nada. Em meio ao catatau de papéis
dispersos de toda sorte, há faturas vencidas, extratos de conta corrente,
segunda via de compras de crédito e débito, boletos, comprovantes de pagamento,
meu Deus! Para quê tanto papel para um salário que não chega ao fim do mês?
Nossas vidas estão impressas em papéis, da certidão à fatura
do cartão.
Bem que gostaria de tocar fogo, mas não há lugar adequado
aqui em casa para fazê-lo. Há um significado no fogo que nos remete diretamente
ao ideal da purificação, de Platão à OTAN o fogo vem sendo utilizado para
amaciar alimentos ou incediar automóveis em prol de uma causa qualquer que, se
não alimenta o estômago, alimenta a alma das utopias. Seria um pequeno
espetáculo, do tamanho de minhas contingências, ver arder através da chama azul
propiciada pelo comburente do papel ofício e da tinta a jato impressa nesse
pequeno chumaço acumulado na cesta de lixo do meu quarto.
A cesta de lixo começa a transbordar e é preciso pisar na maçaroca
de papel para que surja mais espaço. Isso, é preciso sempre mais espaço para os
papéis, até no lixo.
Imaginem vocês que ao invés de jogarmos no lixo os papéis que
acumulamos, pudessemos jogar os papéis que nos atribuem. Como seria começar um
janeiro zerado? Sem nenhum papel social porque os que nos atribuíram estão
acentados no lixo do esquecimento alheio, esse lixo que fede mais do que
qualquer lixão. E produz um chorume nauseabundo, a lambuzar os papéis e escorrer
pelo corpo, pela mesa e ir embora sobre a fenda da porta.
E tome ementas de disciplinas, artigos científicos, resumos,
materias de jornal, editais de concurso, cartas do banco, faturas da empresa de
telefonia móvel, mensagens de boas festas vinda da instituição tal, do deputado
tal. Chega! Quanta árvore morta para tanta bobagem. Ainda bem que nenhuma
árvore precisou morrer para você me ler neste instante, minhas linhas não
merecem uma folha de papel e se merecesse estaria na cesta do lixo de alguém em
um janeiro sufocante como este.
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