Maga

20.4.15 Unknown 0 Comentarios


Passei a semana com um texto do Drummond na cabeça, decorado, tintin por tintin, quando eu vir a Maga eu vou jogar esse pra ela, pensava eu, pensando em impressionar, pensando em... Mas a prudência manda a pessoa ser precavida, e precavido eu não sou, a não ser com o copo de cerveja, porque toda vez que eu tô num bar, que eu vou mijar e volto pra mesa, eu pego o restinho de cerveja que tem no copo e despejo no chão, mas com poema não, e poema lá é coisa pra se levar a tiracolo, ou guardar um de reserva na bolsa que nem remédio? Eu vi num desses sites que poema é o tipo de coisa que exige mais da cabeça da pessoa, é coisa complexa que pede mais do juízo da gente do que essas coisas corriqueiras, então se você carrega um devidamente decorado na cabeça acho que se pode concluir que asno você não é, pode não ter o qi nas alturas, mas burro mesmo, alívio, você não é, nem eu sou, graças a Deus! Mas confesso que a estratégia não foi das melhores, da próxima vez decoro um na quinta pra dizer na sexta, ou na sexta mesmo de manhã pra dizer de noite no bar, porque eu passei a semana repetindo o tempo todo Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos, em vão percorremos... Repeti tanto que o negócio deixou de ser poema pra virar mantra, às vezes me pego falando ele sem pensar, na parada do busão, enquanto as pessoas me olham torto... Mas, sim, essa história de decorar com antecedência não dá certo não, o negócio de tão ensaiado fica quadrado, engessado mesmo, sabe?, a pessoa fica esperando um momento solene, que os astros se alinhem e o sol, aliás, a terra pare por um minuto pra poder dizer o que decorou, mas todo mundo sabe que essas coisas só acontecem em filme de quinta categoria ou nas fantasias da gente, que também não são as coisas mais refinadas do mundo, e de tanto ficar esperando oportunidade perfeita as oportunidades nem tão ótimas assim vão passando e você marcando toca nesse mundo que não perdoa quem marca toca... Primeiro que a Maga já chegou jogando os cabelos pro lado e me dando um beijo no pescoço, ela é baixinha, aí quando vem me dar um beijo no rosto de cumprimento, não chega à altura da minha bochecha e o beijo acaba pegando no pescoço, na altura de onde acaba a barba, aí eu já me quebro, fico todo destreinado, e ela jogou, avimaria, os cabelos pra um lado e pra o outro, na certa queria que eu notasse que ela deu um corte, e eu, claro, notei e não me fiz de rogado, fui logo dizendo: ficou massa teu corte, eu gosto do teu cabelo grande, como já disse, mas ficou muito bom, tás linda! Nisso ela já estampa um sorriso largo no rosto, fica toda sem jeito e me dá um empurrãozinho cúmplice, porque ela não sabe receber elogio, aí já me quebro de novo e fico todo por fora enquanto ouço ela falar. Desconfio que essa Maga só me procura porque eu sei ouvir ela, ou pelo menos acho que sei, é um misto de atenção com deslumbre, mas o resultado é que ela fala mais e eu menos e acho que ela acaba gostando disso, e ela falou tanto nesse dia que eu não tive a chance de declamar a porra do poema, puta que pariu, que vacilo!, como é que fui perder uma oportunidade dessa?, pra eu ter outro momento sós com ela vai demorar, ela tá sempre rodeada de urubu, os anabolizados da academia, os caras da pelada, os lombreiros, vixe, é muita gente em cima dessa mulher... Mas da próxima ela não escapa: nem do meu poema, nem do meu desejo!















0 comentários:

Eu e você naquela suite em G maior de Bach

18.4.15 Cabotino 0 Comentarios



Empoleirei-me no cangote dela. Fiquei ali roçando minha barba na parte direita do seu leitoso pescoço. Com a leve fricção do meu pelo em sua pele, esta ganhou contornos levemente avermelhados. 

Em seguida, ofeguei meu hálito na parte posterior de sua orelha direita e com leves toques da ponta de minha língua, inicie umas singelas lambidinhas nas interseções da orelha com a nuca – aliviando a suave vermelhidão daquela superfície.

Seus poros dilatavam à medida em que continuava esse meu exercício musical. Seus pelos eriçavam em contato com o hálito de minha úmida língua naquela região onde o sol não bate, e o cabelo sonega a paisagem aos olhos ávidos por formas belas.

Neste instante, sentados, alinhei suas costas ao meu tronco. Fiquei ereto e enquanto minha cabeça projetava-se sobre o seu ombro direito, o seu cabelo caía placidamente sobre o meu ombro esquerdo. Daquele emaranhado castanho de fios, brotavam odores de sândalo e canela que ungiram minha pele, irrompendo numa inevitável ereção.

Sentindo um volume crescer na parte superior do seu cóccix, ela abriu as pernas, paulatinamente, como se ambas fossem as duas alças de um torneado compasso em busca dos noventa graus. Com o movimento, seu vestido subiu e com ele as pernas sobressaíram à mostra – branquíssimas em uma composição brilhante e arredondada como a estrutura de uma bolha de sabão.

Lá de cima, pude ver que seus pés delgados levantaram da ponta dos dedos até o calcanhar como se estivesse calçando um par de saltos imaginário.


Comecei a morder os lóbulos soltos de seu par de orelhas, da esquerda para a direita. Seu corpo foi afinando a partir do instante em que intercalava as mordidas com leves sussurros. 


Súbito.

Saquei minha mão direita, como se fosse um arco, e comecei a subir pela parte interna da coxa direita até chegar na calcinha. O tecido de algodão molhado. Deslizei minha mão, delicadamente, por fora para sentir toda a vibração. Após, sorrateiramente, adentrei a fenda rugosa e pude sentir todo o seu corpo estalar e meu queixo que estava sobre seu ombro direito subia e descia na melodia de sua ofegante respiração. Por dentro da calcinha, meu arco fazia leves movimentos circulares um pouco abaixo da junção entre seus grandes lábios.

Indo no compasso do seu corpo e de sua respiração, aprumei as pontinhas dos meus dedos e segui no arranjo da harmonia que vinha executando com o meu arco. Em movimentos concêntricos, no mesmo ritmo da harmonia, fiz sua música virar perfume e espalhar-se por todo o recinto.
É isso, se a música é um perfume; os corpos são os melômanos destiladores.

------------------------

Fotografia_ Le Violon d'Ingres (Ingres's Violin)_Man Ray_Paris, 1924.
Aconselho a leitura deste texto ouvindo Mischa Misky tocando J. S. Bach.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mGQLXRTl3Z0&spfreload=1>
Acesso em: 03 de maio de 2015.



0 comentários:

Carta a João do Rio

9.4.15 Unknown 0 Comentarios


Caro, João do Rio, ou devo dizer, Paulo Barreto; preciso urgentemente encontrar o tal Antenor, personagem de seu conto "O Homem de Cabeça de Papelão". Tomei conhecimento de seu texto ali pelos idos de 2003, no início de minha graduação, para ser mais exato. Desde então, martela-me a cabeça a ideia ter uma de papelão. Como no conto, tal qual Antenor, procurei entender se havia algo de errado com a minha, indo atrás dos mais diversos profissionais e outros nem tão profissionais assim, para tentar, pelo menos aliviá-la de um peso tremendo. Sinto que poderia compará-la a uma bucha, dessas que se lava louça, que, quanto mais encharcada, mais pesada fica. Pois bem, digamos que minha cabeça encharcou em seu limite, estando, como se diz no termo técnico da agricultura de irrigação, "saturada". Tornou-se um fardo pesado demais pra ser carregado por mim e não conto com ninguém para me ajudar nessa tarefa. Todos hoje aqui são muito atarefados com suas liberdades individuais e "coletivo" tornou-se sinônimo apenas de trem e ônibus lotados. Vivo numa sociedade que não premia a cooperação e sim o individualismo. Ao ponto de dirimir direitos básicos conquistados com anos de luta sem que nada em contrapartida seja feito, ou que qualquer cidadã(a) se abale, por um milímetro que seja, diante de tantos impropérios cometidos à luz do dia, nas nossas fuças e com nosso aval, pior de tudo. Não vou aqui listar o que chamei de "impropérios", posto que, o espaço aqui da carta seria deveras diminuto para caber tão longa e interminável lista. Posso colocar-lhe a par de tudo através de uma ferramenta chamada e-mail, ou por outra conhecida como rede social. Mas para tanto, o senhor irá precisar de um computador (hoje um utilitário doméstico sem o qual não se vive, uma máquina fascinante) com acesso à internet, a rede mundial de computadores. Com ela foi possível ampliar o espectro e a rapidez com que se comunica hoje em dia, caro João. 
Enfim, se puderes ter um computador aí contigo e acesso à rede, te colocarei mais a par da nossa situação aqui em 2015, em breve.
 
Imagem da adaptação animada do conto "O Homem de Cabeça de Papelão".
Mas, por ora, gostaria de reforçar o motivo inicial de estar lhe escrevendo esta carta, para não perder o meu foco. No momento, como lhe disse, minha cabeça saturou e preciso urgentemente falar com Antenor, para pegar com ele o endereço daquela relojoaria onde conseguiu a cabeça de papelão, para colocá-la no lugar da minha. Não pretendo passar a vida inteira com a de papelão, apenas um pequeno período, até que a saturação da minha cabeça real diminua. O senhor me dirá que Antenor também tinha em mente ficar com a de papelão apenas pelo tempo do relojoeiro "acertar os ponteiros" da cabeça dele e que deu no que deu. Tentará me alertar como resposta ao meu pedido. Adianto-me a este seu movimento e ponho-me em defensiva, "roqueando", como no xadrez. Não será o meu caso. Realmente só poderia passar um período. Não há o menor risco de ficar com a cabeça de papelão em definitivo no lugar da antiga. Apesar de não estar, no momento, conseguindo conviver em harmonia e em paz com a minha cabeça real, tenho para mim, aqui com meus botões, que tenho verdadeiro tesão por ela. Não mencionei antes aqui, mas, me permita a intimidade do comentário, sou um tanto quanto tarado, sabe?! Alguns especialistas no assunto hoje em dia chamariam-me "compulsivo sexual". Pois bem, para que o senhor entenda que não se trata de ilusões de virtude, de uma consciência elevada ou qualquer coisa do tipo, como tinha a antiga cabeça de Antenor, minha certeza de que passaria apenas um período com a cabeça de papelão vem daí, de precisar compulsivamente do conteúdo lascivo contido em minha cabeça real. Porém, meu caro João, conhecendo o conto e sabendo quem Atenor se tornou ao seu cabo, lhe peço encarecidamente um favor: que minha cabeça fique aos seus cuidados, enquanto eu uso a de papelão, para que eu fique tranquilo que, quando for buscá-la, ela esteja sã e salva e Antenor não tenha passado por lá na relojoaria, antes de mim, e ficado com ela também.

0 comentários:

Ctrl+C, Ctrl+V

8.4.15 Pássaro Bege 0 Comentarios



0 comentários: