O peixe não tem olhos (PARTE 2)

27.4.11 Castanha 0 Comentarios


(Advertência ao leitor: Esse conto está invadindo um blog de crônicas)

Iugo era tímido, introvertido e nem um pouco carismático, apesar de não ser carrancudo. Mesmo assim era conhecido por umas tantas e tantas pessoas, isso graças a sua função de vendedor de ideias numa loja de conveniências que ficava no centro da avenida central da cidade.
Opiniões bem diferentes eram levantadas em relação a ele por causa do seu jeito: Uns o achavam silencioso e enigmático, outros o achavam estranho e confuso e outros ainda o achavam simplesmente um idiota. Eu sou do número dos que dividem essa última opinião. Mas Iugo não pensava sobre o que pensavam dele, ele nem sabia que pensavam nele. Ele pensava em outras coisas. Pensava nas ideias que as pessoas compravam na loja de conveniências. Apesar de terem um estoque a sua disposição de quase um bilhão de ideias, dos mais variados temas, a maioria das pessoas sempre procurava as mesmas coisas: Como andar na moda? Como se tornar mais interessante para seus círculos de amizades? Como ser o centro das atenções?... Iugo sempre avisava, apesar do seu jeito calado, que comprar as ideias não dava garantia de sucesso prático, pois, a ideia era só uma orientação básica e a concretização dela no plano real dependia dos esforços para boa aplicabilidade de quem a tinha; mesmo assim, raras vezes, lhe davam atenção. No meio disso tudo Iugo ficava furioso e sentia nojo daquela gente que tinha preguiça de pensar por si mesma, de viver por si mesma e, vivia buscando alternativas fáceis... e o que era pior, alternativas para problemas que ele achava insignificantes.

Diário pessoal - Reflexão do dia:
Quando um cientista está analisando qualquer coisa, ele destrincha a coisa pesquisada para conhecê-la. Para analisar o sangue, por exemplo, o cientista deve utilizar equipamento tecnológico apropriado e seguir uma série de regras metodológicas. Do mesmo jeito se deve proceder com as ideias, elas devem ser pensadas e repensadas para compreendermos sua essência. Mas, a maioria das pessoas está com pressa demais para as pequenas coisas, para refletir sobre isso ou qualquer outra coisa.
Iugo 34 de 13 de Tal ano
(Continua...)

Castanha 21/04/2011

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O peixe não tem olhos (PARTE 1)

21.4.11 Castanha 0 Comentarios


(Advertência ao leitor: Esse conto está invadindo um blog de crônicas)

Iugo parou em frente à vitrine para olhar os peixes nadando no aquário. Era um aquário enorme, muitas vezes maior que ele mesmo. Ficou ali quase uma hora a olhar o movimento daquelas criaturas escamosas. Peixes de várias formas, cores e tamanhos: amarelos compridos, vermelhos curtos, listrados achatados e todos os tipos do mundo.
Era o mês mais quente do ano e muitas vezes por semana a cidade contava um calor de quarenta e quatro graus. Entre o nascer e o por do sol se arrastavam quase vinte horas de claridade solar e no tempo restante o escuro da noite e o brilho da lua envolviam a cidade. Nesse ambiente sufocante Iugo se perguntava “Como é que a água do aquário não ferve e cozinhava os peixes?”. O dono da loja de animais aproximou-se, e em perfeita posição de alinhamento com nosso amigo, de costas para rua e de frente pra vitrine, levantou a mão e bateu com a ponta do dedo indicador no vidro apontando e dizendo “Está vendo esse peixe branco? É japonês. Ele é cego. Quando era um filhotinho ele e os irmãos brigavam muito entre si, o que é muito comum na espécie deles, então os irmãos comeram os olhos dele no calor da encrenca. Ele cresceu cego...”. Então bateu no ombro de seu ouvinte e ordenou “Venha aqui.”. No interior da loja ele pegou uma pequena peneira com longo cabo, o instrumento servia de rede, catou o peixe apontado, retirou-o de dentro do aquário fazendo-o mergulhar num saco de plástico transparente cheio d’água. Fechou a boca do saco com um nó e entregou nas mãos de nosso personagem, dizendo “Você parece um bom sujeito pra cuidar dele, não sei por que, mas parece...”. “Quanto custa?” perguntou Iugo. “Não custa nada” respondeu o proprietário “ninguém paga por um peixe cego.” e depois de uma pausa: “Esse peixe é muito parecido com as pessoas.”, “por quê?” perguntou o ouvinte, e escutou: “Ele não enxerga nada, mas ele não se preocupa com isso, ele simplesmente continua vivendo. E tanto faz se ele está de um lado ou outro do aquário, ele não tem visão... Nisso, ele é parecido com muitas pessoas, mas, leve em conta que as pessoas não tiveram seus olhos devorados.”.
Findo o comentário Iugo agradeceu tudo com uma só palavra e saiu caminhando. Desceu a avenida principal até que virou à direita numa esquina e três vezes entrou à esquerda nos cruzamentos seguintes. Estava em casa. Passou pela entrada do prédio cumprimentando o porteiro, “Boa tarde Sr Clovis” e ouviu em troca “Boa tarde meu jovem, esse aí é nosso novo inquilino?” perguntou apontando para o peixe; teve como reposta um sorriso afirmativo.

Diário pessoal – Reflexão do dia:
Tenho um peixe, ele é cego, mas não me custou nada. Ganhei! E, além do mais, se muitas pessoas têm olhos mais não tem visão então por que devo me preocupar com os olhos do peixe? O peixe não tem olhos.
Iugo 33 de 13 de Tal ano.
(Continua...)

Castanha 21/04/2011

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Um cabra que escreve pra o sobrinho: A páscoa não passa despercebida.

20.4.11 Castanha 0 Comentarios


Eu estava aqui pensando
o que iria escrever,
mas deu um branco danado
eu só consegui dizer,
que estou meio sem assunto
peço desculpa a você.
Quando pintar um assunto
eu sei que vou escrever,
no momento vou dizendo
grande páscoa para vocês.

Salviano 20/04/2011

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Na falta do sono...

18.4.11 Castanha 1 Comentarios


Mais um cigarro pra o sono vir e ele não veio; eu já sabia que ia ser assim, mas fumei; por vício ou por insistência? Tanto faz. Mais um banho frio pra o corpo esfriar e relaxado do calor deixar o sono fluir; o sono não fluiu; não ia dar certo, mas insisti; por quê? Quem sabe. Mais um copo d’água pra esfriar as entranhas e amenizar o calor; não deu certo; eu esperava isso; mas tentar não custa nada; ou custa? É relativo.
Mais uma olhadinha pra lua: a lua é clara, tem manchas cinza no meio e ao redor dela tem uma auréola; ela fica no meio do céu, que, nessas horas, é bem escuro, cheio de pintas claras, que são as estrelas, e nuvens que às vezes são compridas e gordas, às vezes são pequenas e magras e às vezes nem estão lá; tudo junto fica grande, do tamanho do infinito... Mas se olhar pra cima da pra ver de uma vez só.
Mais um livro folheado pra distrair a cabeça e fazer as pálpebras caírem sobre os olhos; falhou; mas, a essa altura do segundo tempo, já perdi o jogo e a ausência do sono ganhou. Nada disso funcionando, resta deitar no escuro de barriga pra cima e com a nuca no travesseiro dar espaço pras lembranças: deixa vir as memórias da infância, com o barulho dos carros passando na rodovia atrás de casa e que eu gostava de escutar quando acordava de madrugada; deixa vir as lembranças dos fantasmas que eu procurava nos cantos do quarto, no meio da noite, e que me enchiam de medo. Aquele medo era mais gostoso que o medo que eu sinto hoje, que é o de não ter dinheiro pras contas; deixa vir também, e já da adolescência, as lembranças confusas, mas boas: o primeiro beijo; as primeiras angústias; as primeiras grandes amizades.
Depois de tudo isso só não vem quem eu mais queria: o sono; mas, como eu disse, parei de esperar; deixa só o tempo correndo sem contagem: nem relógios, nem TV, nem preocupações com “quanto tempo passou?” ou “quanto tempo resta?”. E no lugar disso tudo, deixa escutar o silêncio, que só dá pra escutar compasso por compasso nestes momentos, quando o sono não vem e não resta nada pra colocar no lugar. Se a chegada do sono encerra o dia, a ausência dele inicia o turno incomum: dá pra pensar e sentir o que poucas vezes ganha atenção... Dentre tantas e tantas coisas que ganham pouca atenção.

Castanha 17/04/2011

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Experimentos cronísticos [parte 2]. Epitáfio Brasil, vulgo, brasileirinho! (1980 - 2011)

17.4.11 Foi Hoje! 8 Comentarios





O que te desejo é ouro, é prata, vive por cima das cabeças,

paira os homens e as plantas. Desejo-te chuva”. (Pássaro bege)


A chuva! Lisa e escorregadia, como um tombo numa sala bem lustrada se meteu no silêncio da casa de seu Epitáfio, soldado da polícia militar, com um pinga-pinga ensurdecedor na cozinha numa panela velha. Seu Epitáfio não gostava de pingos nas panelas, porque o lembrava música. Ele odiava música. Era um homem bruto, não muito “dado” à coisas metafísicas como as melodias. Era um chato de galocha. Um jovem ranzinza.

Mas, guardava uma paixão secreta e escondida à sete chaves, algo que o emocionava... adorava fazer um fezinha no bicho. Na banca de bicho, trocava algumas ideias com o bicheiro, seu Hélio, sobre subversão, violência e sobre as matérias dos tablóides matinais cheios de sangue e medo, de todas as manhãs. Só ligava o rádio para conferir a extração federal do bicho nas quartas, religiosamente às 19:00hs.


Malandro, que só ele, percebeu que o jogo do bicho não era assim tão ruim quanto pensava. E sempre jogava um mesmo terno de dezena: 14, 56, 65. Era ambicioso. Gostava de jogar pouco e ganhar muito. Dizia que o convívio militar tinha ensinado a ele esses hábitos milimétricos.


A história dos números:


* Quando usou uma arma pela primeira vez tinha 14 anos de idade. Achou um resolver na gaveta do tio e desde então, sentiu o poder que poderia obter com um troço daqueles nas mãos.


* 56, era o número de sua casa financiada com suor, lágrimas e alguns tiros.


* O motivo de ter escolhido o número 65 foi um mistério jamais revelado. Mas suspeitava-se que seu Epitáfio era um homem “dado” a algumas superstições um “típico brasileirinho”.




Às 19:00hs do dia 06 de abril 2011, sintonizou a rádio Alvorada e ouviu a voz aveludada do cronista proferir: “E as milhares são”:


1614

1256

6565

1000

1968


Procurou eufórico no bolso o canhoto, o pule premiado... e estava tudo certo, não restavam dúvidas, tinha ganhado no terno. Dirigiu-se a banca pra resgatar sua pequena bolada, R$ 12.000 e tomou um sorvete de tamarindo no parque central. Ainda na praça orou aos céus e a chuva molhou, desonesta, seu rosto e sua alma ranzinza. De rosto e alma lavada, Epitáfio, ligou pra seu Hélio e pediu que jogasse os mesmo números 14, 56, 65 para a próxima quarta. Depois do telefonema, Epitáfio, foi atingido por um raio e assim Deus matou mais um brasileirinho.

No dia 13 de abril de 2011 seu Hélio empurrou os R$ 12,000 de Seu Epitáfio no bolso e desde então, evita os banhos de chuva.

*Extraído do arquivo: Experimentos cronísticos [parte 2].




Por: Pássaro Bege


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Ao Fundo

12.4.11 Calango Albino 5 Comentarios


Contava as horas pra chegar o dia e quando o dia finalmente chagava, já estava contando novas horas para um novo dia. Esse processo se repetia à exaustão. Não fazia sentindo algum se fosse analisar minuciosamente toda aquela rotina, mas, analisar minuciosamente qualquer coisa era um luxo ao qual não podia se dar. E assim foram-se passando as horas e os dias até que não importava mais que horas eram ou que dia fosse. Dormir, comer, fazer qualquer coisa rotineira perdeu totalmente o significado. Era uma vida seca, num mundo seco. Que secura! Que sede! Não adiantava beber água, não adiantava se banhar.

Foi aumentando gradativamente o consumo de água. Já era visto pelos seus pares como um grande “gastador de água”. Por que você precisa de tanta água? Não tem consciência que isso é um bem precioso e que você está desperdiçando à toa? Não conseguia mais dar ouvidos àquelas indagações. Chegou, em uma época, a pensar muito à respeito, mas rapidamente esses pensamentos não lhe vinham mais à cabeça. Seu organismo foi gradativamente se adaptando a consumir mais e mais água. A quantidade era absurda para qualquer ser humano dito normal. Uma vez chegou a tomar 20 litros d’água num único dia; a medida de um garrafão d’água mineral!

Decidiu por viajar ao interior, respirar novos ares, visitar parentes distantes, os quais já não lembrava das feições. A viagem foi longa. A estrada ficava devendo em qualidade e o tempo do percurso terminava por se estender mais, por conta disso. Pensando bem, até que não era tão ruim. Sobrava mais tempo para apreciar a paisagem de beira de estrada, tão diferente do cenário cinzento ao qual estava acostumado. Cinzento e seco.

Na beira da estrada, sentia a umidade, no orvalho da noite, no mato que crescia... Desceu na rodoviária nas primeiras horas de sol e procurou pelo açude que tinha tomado banho quando criança. Ao chegar na beira do açude se toucou que a beira tinha “andado”. Já não tinha o mesmo tamanho de circunferência aquele velho açude carcomido pela seca. De novo a secura. Banhou-se nas águas do açude procurando a sensação da infância. O efeito foi contrário ao que esperava. Não se refrescou, não obteve saciedade.

Voltou à rodoviária, comprou uma passagem de volta, nem sequer chegou a visitar seus parentes. Subiu no ônibus sentindo a secura aumentar. No caminho de volta a sensação piorou, já não adiantava beber água. Uma ideia maluca passou pela cabeça e foi virando fixação. Ideia fixa. Paranoia. Será!? Não sobreviveria se fizesse o que estava pensando. No entanto, sentia-se impelido a fazê-lo. E o fez.

Ao chegar à cidade litorânea onde morava buscou o mar. Foi à paria, tirou os sapatos, deixou as roupas caírem, ficou nu, causando alvoroço nos banhistas ao redor. Entrou no mar e caminhou até onde não podia mais e teve que mergulhar para continuar. A secura foi cessando aos poucos, até não mais existir. Agora sabia que teria que escolher entre viver na secura ou morrer para saciá-la, precisava respirar e tinha que voltar à superfície. Optou por não voltar e foi morar no fundo do mar.

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Dialogando: Último Tango em Paris e Eduardo Galeano.

4.4.11 Calango Albino 2 Comentarios


Eu diria: "Vamos nos esquecer de tudo! Onde vivemos, o que fazemos, quem somos". "Aqui não precisamos de nomes, não percebe?”.

Escrevo do litoral praticamente esgotado de especulação imobiliária; da terra dos rios poluídos; de onde a natureza se vinga a cada dia. Da terra onde "o homem é lobo do homem"; dessa cidade sem cidadãos e de onde os cidadãos não têm cidade.

Escrevo da rua da amargura, do lixo, do caos. Escrevo de um lugar no qual se obedece ao rei. Este rei personificado em um grande sistema de manipulação.

Escrevo de onde se olha as horas a cada minuto, de onde se corre contra o tempo, que corre [para que lugar eu não sei]; de onde se pode ir e vir e de onde alguns simplesmente ficam. Dessa terra de gentes sem caras; sem particularidades; todos aqui são iguais, resumidos a um denominador comum chamado "um consumidor em potencial". Aqui não se escrevem mais cartas, não se anda pelas ruas, não falamos com os vizinhos [eles são uma ameaça]; sou dessa terra, onde o individualismo é o principal valor; a ostentação é o objetivo de vida.

A dinâmica da música dessa cidade opera sempre em fortíssimo. Como nas músicas do romantismo, cada compasso te movimenta, te tenciona, move o seu corpo, te angustia. Ainda se encontram raros indivíduos preocupados uns com os outros, mas ninguém atendeu ao chamado "colocado na entrada de um dos bairros mais pobres: proletários de todos os países, uni-vos! Último aviso!". E foi o último aviso.

Por: Dayra Batista

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Um cabra que escreve pra o sobrinho.

3.4.11 Castanha 3 Comentarios


MEU SOBRINHO CABRA NORDESTINO,
SUA VIDA É ENSINAR,
EU SEI QUE SE ELE PUDESSE,
MORARIA EM GRAVATÁ.
É CABRA NAMORADOR,
MAS NÃO PENSA EM SE CASAR,
RESOLVEU SER PROFESSOR,
NAMORAR É MAIS GOSTOSO,
PORQUE VOU ME COMPLICAR?
GOSTARIA DE PEDIR,
A VOCÊ GRANDE FAVOR,
FALE COM MINHA IRMÃ,
SOBRE AS FOTOS QUE TIROU,
COLOQUE ELAS NO ORKUT,
POIS ESTOU QUERENDO OLHAR.
EU NÃO SOU NENHUM POETA,
MAS GOSTO ESCREVER ALGO QUE POSSA RIMAR,
PODE SER QUALQUER PALAVRA,
ESCRITO EM QUALQUER LUGAR.
EU ESTUDEI MUITO POUCO,
CEDO TIVE QUE MUDAR,
PASSEI TEMPOS EM RECIFE,
PASSEI TEMPO EM GRAVATÁ,
AS COISAS FICARAM PRETA,
EU TIVE QUE ME MANDAR.
HOJE EU ESTOU NESSA TERRA,
LUGAR BEM MOVIMENTADO,
MUITO BOM PARA TRABALHAR
APESAR DE VIOLENTO,
AINDA É O MELHOR LUGAR,
O IMPORTANTE É SE CUIDAR.
DESCULPE PELOS MEUS ERROS,
O QUE TIVER DE ERRADO VC PODE CORRIGIR,
UM ABRAÇO DO SEU TIO QUE VAI FICANDO POR AQUI.
AGUARDO COMENTARIOS.

Salviano 03/03/2011

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