O autoexílio

10.9.13 Unknown 0 Comentarios


Muito sensata essa determinação da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, que proíbe manifestantes de fazerem uso de máscara ou algo que lhes cubram o rosto, nas manifestações de rua que vêm ocorrendo em Recife nos últimos dias. Eles demostram estupendo poder de interpretação, ao lançar mão do "sendo vedado o anonimato" do Art. 5º da Carta Magna brasileira.


Mesmo com parecer em contrário do Ministério Público do mesmo estado, a polícia, munida de pessoas que se acreditam a reencarnação de um Czar com os poderes de Rambo, continua botando quente em franzinos e franzinas que vira e mexe ocupam as ruas da capital pernambucana para pedir melhorias no transporte público e afirmar o direito à livre manifestação.


E isto ocorre, claro, devido ao vergonhoso silêncio praticado pelos órgãos institucionais e pela sociedade civil. Mas uma amiga minha - o nome não lhe revelo por precaução -, que costumeiramente é final e sutil - não raramente, quase imperceptível - em suas ironias, dessa vez desceu do salto e pigarreou para xingá-los melhor:


- Burros! Burros!

No que de imediato eu indaguei o porquê, e ela prosseguiu afirmando que inteligência não é - nunca foi! nunca foi! - o forte dos militares, e rememorou o caso ocorrido no final da ditadura brasileira, em que os militares consideram "subversiva" uma peça do senhor Willian Shakespeare, e prontamente, no ato, na hora, sem chorumela, expediram um mandado de busca e apreensão do referido cidadão.

Brincadeiras à parte (ou não), ela lembrou o óbvio, mas aquele óbvio que deve ser sempre lembrado: que cabe interpretação dessas passagens, que isso, que aquilo, etc... E lá foi fundo, ela que é versada em leis, normas e regras. E completou:

- Eu que sou do estado *** (também não revelo o nome do estado de origem da moça por questões de segurança; todo cuidado é pouco), se me utilizasse do mesmo grau de discernimento das autoridades daqui, o que eu faria quando lesse a frase "Jogue o lixo no lixeiro"?

- Não sei. O que?


- Tacaria uma bolinha de papel na cabeça do gari mais próximo, porque na minha terra o substantivo que designa um depósito para o lixo é "lixeira", ao passo que "lixeiro" é o indivíduo responsável por recolher e conduzir o lixo.


Raciocínio sagaz o da minha amiga. Entretanto, lhe falei, até mesmo com alguns detalhes, das pretensões do governador desta capitania, que agora está empenhado em seu projeto de se tornar presidente da república - já para o próximo ano. Ou seja: ruim pra mim, ruim também pra tu, ruim para todos nós. Não há escapatória. E ela:

- Eu tenho uma solução.

- Qual?

- O autoexílio.






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Quando é e quando quase foi

9.9.13 Castanha 0 Comentarios



Faz pouco mais de uma hora que eu quase bati com o carro em outro carro. Quase. Se tivesse batido, não estaria aqui dizendo que quase bati, estaria afirmando: bati! Faltou pouco, tão pouco que nem parece que faltou: vinte centímetros, trinta centímetro, quarenta centímetros... Quando fui estacionar aqui no condomínio, comentei isso, pra desabafar com a vizinha que estava de saída, mas antes fez a gentileza de me ajudar a fechar o portão, ela disse: um tempo atrás eu bati com meu carro nesse mesmo lugar em que você quase bateu. Ela não teve a mesma sorte, não pode dizer: foi quase!
O quase não está por aí de vez em quando, está sempre: ou quase foi ou não foi quase porque já foi. A história humana se desenrola assim: E se os portugueses não iniciassem as grandes navegações? E se os alemães tivessem ganhado a guerra? E se os militares brasileiros não tivessem dado o golpe de 64? Bem! Todas essas coisas foram e também quase não foram. Se fossem apenas “quase”, então não teriam “sido” também.
E se eu não tivesse sido o primeiro espermatozóide a chegar à fecundação? Eu nem teria tido a chance de me perguntar sobre isso, assim como as outras dezenas de milhares de espermatozóides, minhas irmãs e irmãos não tiveram. A mesma regra vale pra vocês, amiga leitora e amigo leitor. E se eu tivesse estudado economia em vez de ciências sociais? Não teria conhecido amigos que gostam de literatura e que me incentivaram a escrever? Ou teria, pois eu já gostava de literatura! Então, eu quase não virei cronista? Ou quase virei economista? Ou quase virei cronista e economista? Ou quase virei neoliberal? Quem sabe! O que sei é que virei o “ser que quase não fui” enquanto “quase não fui o que sou”. Seria melhor se fosse de outro jeito? Não sei, pois teria que ser o que sou e também o que não sou para comparar e ser e não ser ao mesmo tempo é impossível. Entenderam amigas e amigos leitores? E vocês? São ou quase foram? Quem sabe? A gente não se pergunta o tempo todo sobre isso. Mas, a gente deveria se perguntar. Ou será que não? Se a gente se perguntasse, teria mais respostas? Ou teria mais dúvidas, já que não saberíamos como seria? Saberíamos apenas como quase seria? Vai saber...

Castanha 16/05/2013   

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O segredo de Estado

1.9.13 Pássaro Bege 1 Comentarios




Inevitável não vir à memória as aulas de ciência política com a seguinte constatação a que cheguei essa noite: “o segredo de Estado é uma arma poderosíssima contra a verdade”.

Inevitável não drummondiar diante do fato de que “cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão” e “sua miopia" diante do "lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos”.

Sei que alguns irão logo lembrar, tocados pelo poema: “o capricho, a ilusão e a miopia”, na poesia, ocorreram diante da constatação de que a verdade “era dividida em metades, diferentes uma da outra" e que "nenhuma das duas era totalmente bela". Outros vão de bate pronto dizer, num trocadilho teórico político-psicanalítico: “Norberto Bobbio explica, meu caro!”. Haverá ainda uns mais astutos que revelarão: “o rei está nu!”.

Não há escapatória quando arrebentasse ou derrubasse a porta, é preciso nela adentrar.

O fato de termos que conviver com falas oficiais da verdade; com verdades que se querem exatas e irretocáveis, incomoda-me. Mas, eu vos pergunto, só a mim?

É uma declaração de guerra ao cidadão a ideia do Estado possuir segredos. Uma espécie de busca realista na forma e vulgaridade ética de conteúdo político; uma peça publicitária da Coca-Cola.

Em meu país, cobriu-se de véus metafísicos a existência objetiva dos destroços da história.
    

Por: Pássaro Bege

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