Olhos nos olhos quero ver o que você faz...

28.7.13 Mademoiselle Fifi 0 Comentarios



Com seus olhinhos infantis / Como os olhos de um bandido
(C. Veloso_ Esse cara).


Há uma Capitu dentro de nós e Machado também a tinha dentro de si. Ele é o autor que pisca para nós, nos chama e fala: cara leitora.

Pensei no bruxo do Cosme Velho hoje por ocasião deste texto em que, irei narrar o que ocorreu comigo há pouco. 

Pois bem, indo ao Centro do Recife com destino ao ao médico, cometi um deslize que toda mulher herdeira da esposa de Bentinho jamais poderia cometer.

Estava sentada de pernas cruzadas olhando a minha nova sapatilha e perguntando-me, quando irei encontrar uma sapatilha que cubra todos os meus longos dedos, nunca encontro uma em que esconda totalmente os vincos dos meus dedos. Daí comecei a perceber também que a minha depilação das pernas estão vencidas... “Qual parada devo descer no Derby?... Acho que vou comprar alguns destes amendoins etc...”.

Acho que foi em Werneck que ele subiu. Um cara com uma camisa xadrez, calça blue jeans, fones nos ouvidos, tênis casual, rosto lívido envolto em uma barba espessa, olhos grandes, porém apagados, sobrancelhas naturalmente perfeitas, nariz levemente proeminente, cabelo parecido com os de, Jean-Pierre Léaud em Les quatre cents coups (Truffaut, 1959). Não fazia muito meu estilo – prefiro homens com olhares de lince e que tenham sangue em suas presas –, mas era hediondamente bonito.

Sentou, cruzou as pernas e pouso um vago olhar na paisagem da janela como se tivesse recitando uma michá.

Incrivelmente aquele olhar me envolveu. Fiquei tentando imaginar o que estava passando pela cabeça dele e no que ele estava ouvindo, evidentemente, o observava com todo cuidado para não ser indiscreta. Acho que ele é daqueles homens em que, quando marcamos algum compromisso, ele nos pergunta, que dia é hoje? É de acabar com qualquer uma.

Suas mãos deitadas delicadamente em seu regaço, provavelmente pensando em alguém que valia à pena pensar, ao som, acho, de E. Satie, T. Vaselines ou N. Cavaquinho.

Nossa, como aquele olhar lembrava um filme de K. Mizoguchi, todo envolto de névoa e noite. Tão diferente do meu olhar de cigana oblíqua e dissimulada.

Acredito que toda mulher goste de homens resolutos, mas se eles vierem com cara de loser, seria perfeito.

Estava com um semblante tão plácido que, se uma mosca pousasse em seu nariz ele nem sentiria. Uma calma de água parada que desarma qualquer vigilância.

Ele desceu em uma estação antes da minha, acho que em Afogados, e, neste instante, em que caminhava sucintamente como um tigre em direção à rampa de entrada e saída da plataforma, ele olhou de soslaio para mim e captou o meu olhar em sua direção. Ele venceu a luta contra a cara leitora, flagrou o meu olhar no seu.

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O relato IV

26.7.13 Cabotino 0 Comentarios


Continuação...

Indaguei: somos os argonautas da terra, desterrados de nossa própria condição seca, mineral, somos água por dentro e por fora, a pedra que carregamos até o alto da colina diariamente é uma pedra de água, informe, movediça, alagadiça que nos envolve e adentra nossos corpos e depois é execrado por ele através do suor do trabalho, do sexo, do lazer, das lágrimas, do sangue... Pensei: se ao menos chovesse agora eu teria alguma noção espacial, os ventos e as ondas, mas não, a chuva é um privilégio que o céu não me concedeu, nem tampouco o sol, sou filho dos dias nublados, cinza. Lembro-me que desenhava um sol quando era criança para haver estio, mas a chuva molhava-o e borrava o meu desenho assim como o meu desejo por luz e quando estava ao sol ele se escondia ou fustigava-me com seus raios impetuosos a queimar minhas asas de cera. Meu lugar no mundo sempre foi entre o sol e a chuva, no entreato do seco com o molhado, do quente com o úmido. Talvez por isso eu não goste do entardecer, as trevas engolindo a luz é uma imagem penosa para mim, sempre gostei de dormir durante o ocaso e acordar somente com a noite fechada – noite adentro vida afora –. Sempre gostei da sensação de jantar como se fosse o café da manhã e, em seguida, partir para a vida, para a noite com aquela fome de tudo. Minha energia vinha dos filamentos de tungstênio das lâmpadas de mercúrio, com elas eu encarava a noite tête-à-tête, eram os raios que entrevam em minha pele como combustível para enfrentar as trevas, a boemia e a vida... Agora não há manhã, não há tarde, não há ocaso nem tampouco noite diante destas águas, nem sol nem luz de mercúrio – “Eu entendo a noite como um oceano / Que banha de sombras o mundo de sol” – Pensei: estou preso aqui, emerso sobre mim e sobre estas águas, como se estivesse preso em um mastro e com cera nos ouvidos e incapacitado de ouvir qualquer canto de sereia, incapaz de ser conduzido para qualquer ilha onde uma Calypso ou Circe me aguarda com seus ardis terrenos e extraterrenos. Acredito que cometi algum crime contra o filho do Deus do mar e devo também ter contrariado o Deus do vento, pois ambos viraram as costas para mim, aquele quer vazar meu olho e este lança-me ventos em círculos e que me faz dar voltas em torno de mim mesmo como se estivesse em uma nau com um único remo. Pensei: todo homem busca a sua Ítaca perdida em meio a tudo ele grita, chama, berra, mas o silêncio impera e nestas águas ele é profundo, escuro –“Que voz vem no som das ondas / Que não é a voz do mar? / É a voz de alguém que nos fala, / Mas que, se escutarmos, cala”. Estas ondas não dizem nada assim como estas águas e Ítaca está cada vez mais longe no tempo e no espaço, talvez a matéria líquida que engoli nestas águas esteja me deixando com vertigem, dormente, sei lá... – “O eco de um tempo distante vem magicamente pela areia / E tudo é verde e submarino / E ninguém nos mostrou a terra / E ninguém sabe onde ou porquê / Mas algo encara e algo tenta / E começa a subir em direção à luz” –. Sim, agora lembro-me da imagem que começa a vim à luz como a lava à 11 mil metros abaixo de mim com todo o seu calor, seu som e sua fúria. É a lembrança de minha “Penélope” irradiando meu corpo, fazendo-me borbulhar dos artelhos ao cerebelo. Preciso voltar para casa, pois minha “Penélope” espera-me com seus teares. A odisseia de qualquer homem, seja ela seca ou molhada, é a viagem de volta para casa. Esperem aí, uma garrafa vem boiando em minha direção e há dentro dela um pedaço de papel, abro-a e leio o que está escrito: “o que me salvou de início foi uma caixa de charutos Cohiba e uma garrafa pet de Coca Cola de dois litros...”

Fim.

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O relato III

26.7.13 Cabotino 0 Comentarios


Continuação...

Tento apoiar-me pondo a garrafa de Coca Cola em minha nuca para ver melhor as formas que estão delineando-se no céu, ou melhor, neste arremedo de céu antes fechado e que agora dança. Sim é uma dança, é uma valsa de águas vivas sobre mim, elas bailam tais quais cabos à procura de portas USBs, conectam e desconectam-se freneticamente, depois param, intumescem-se com a suas próprias substâncias depois disparam umas contra as outras fluorescentes, translúcidas, diáfanas uma contra as outras assim como nós que nos perfumamos de neon e saímos a captura e repulsa do Outro. De repente, as águas vivas são escorraçadas pelas labaredas expelidas por um longo Dragão Vermelho serpenteando seu corpo pela abóboda celeste, de seu dorso abriu-se uma imensa cornucópia a lançar pelo firmamento perfumes de toda a sorte, flores, joias, depois lançou um cisne a rasgar os céus com seu corpo e sua plumagem eriçada a cantar altissonante seu derradeiro canto – por ele, por mim e por nós –, depois que esta ave rasgou o céu carregando em suas asas Eros e Thanatos, a cornucópia do Dragão abriu-se novamente e dela saiu um enorme Pavão a deslizar pelas bordas do céu seu garbo e sua elegância, ali está à metonímia de toda a natureza, ele é a ilha de meu continente perdido “Nessa cauda / Aberta em leque / Me guarda moleque / De eterno brincar / Me poupa do vexame / De morrer tão moço / Muita coisa ainda / Quero olhar...”. E, de repente, a garrafa de Coca-Cola deslizou de minha nuca e eu afundei superficialmente com a cara n´agua fazendo com que aquele líquido inominável entrasse por entre minhas entranhas e pelos meus alvéolos nicotizados fazendo com que eu engasgasse e tossisse, mas não consegui expelir aquela matéria viscosa, poluída e, agora, estava em meu ser aquele líquido sem forma e sem conteúdo. Levo comigo agora um pouco desta matéria sem anima. Quando voltei a emergir o céu já estava novamente encerrado sobre mim, perdi o céu, mas ganhei as estrelas da vida, desgarrei-me dos objetos que me tinham salvo até agora e percebi que sem eles eu continuava boiando, a água não conseguia me engolir, talvez seja devido ao alto teor salino da água, mas não, acredito que eu seja uma pessoa intragável mesmo e que nem morrer pelas minhas próprias mãos ou pelo meu próprio peso eu consiga, terei que sobreviver sobre estas águas fria, incolor, inodora e que diante dela não adianta o recurso do nado, é inútil, pois não há direção, o jeito é ficar parado e esperar, esperar... Indaguei: que horas são? Já não é hora da Aurora surgir com seus dedos róseos apontando no horizonte? Porém nem sei onde fica o horizonte, não sei onde fica o norte, o sul... O Cruzeiro do Sul da minha rua e de minha infância distante já não me guia mais por estas águas turvas, não me orienta mais em nada... A astrologia agora é astronomia, o logos hoje é nomos e há lei para tudo, todos explicam tudo e o mundo está cada mais desencantado. O mundo hoje é um grande manual envolta destas águas – “a Terra é azul!” – o homem foi à órbita da Terra e nos disse o óbvio, nós aqui embaixo em meio ao nosso sofrimento telúrico já tínhamos esta certeza – já sabíamos que ela é azul (Blue) e embotada de tristeza, com aquelas nuvens envolta como véus do desespero: “Blue, músicas são como tatuagens / E você sabe, eu já estive no mar. / Ponha âncoras e coroas em mim / Ou me deixe navegar pra longe [...] Muitos estão afundando agora, / Mas nunca deixe de pensar / Que você pode quebrar essas ondas. / Ácido, bebidas e bundas / Agulhas, armas e a grama / Milhares de risadas, milhares de risadas / Todo mundo está dizendo: ‘Ir pro inferno é o que há.’ / Mas eu acho que não. / Ainda que eu vá até lá, só pra olhar [...] Blue, tome esta concha / Dentro dela há um sopro / Uma frágil canção de ninar / E essa é minha música pra você [...] / Blue, te amo”.

Continua.

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Crônicas de um Baixo Ventre

19.7.13 Unknown 0 Comentarios


Segunda-feira.

Entrei no PC de noite.  A “hashtag” é um filtro, coisa nova que surgiu nas redes sociais para as pessoas não “#saberem” usar direito.

Terça-feira

Cachaça boa só na barraca de seu Raul. Seu Raul um dia desses abriu uma barraca de cachaça. A meiota por lá sai por um real e cinquenta; pagando dois reais dá pra rolar um chorinho ou umas farpas de queijo coalho endurecido, na limpeza. Porém, sem agressivar o sistema, é claro!

Quarta-feira

Baixo Ventre é cidade louca. Nem mais, nem menos violentas que as outras.
Lucas começou a comer cocô semana passada.
Mergulhou pelo vaso sanitário no bairro do totó, em busca de bosta, e só saiu no canal da Agamenon, boiando de costas.    

Quinta-feira.

Um ex-presidente do Brasil escreveu um artigo para a agência de notícias do jornal "The New York Times".
Um “comediante” apresentador de um Talk Show na TV brasileira achou jocoso um ex-presidente operário escrever em um jornal americano, e chamou atenção para o fato de que esse tal ex-presidente fora um dos melhores presidentes a falar sobre cultura, certa vez, em uma entrevista em seu programa... Subtende-se, desse modo, que o referido “comediante” tem por cultura algo meio abstrato que julga ser habitados por não operários.
Esse "comediante” de que vos falo é um escritor medíocre. Ele é frustrado por não estar na academia brasileira de letras.
Um ex-presidente sociólogo foi investido na academia brasileira de letras recentemente. Por favor, usemos a hashtag: #machadodeassis.

Sexta-feira

A semana na cidade de Baixo Ventre só é feita de dia útil, ou seja, hoje é sexta-feira.

Agora eu vou dizer como se diz na televisão: “Apreciem as hashtags com moderação”

(...)

Fecho a série das crônicas do Baixo Ventre assim, cagando e andando, gerando no gerúndio.



Por: Coruja Felixberto Carvalho


Veja a primeira crônica da série aqui: http://foihoje.blogspot.com.br/2012/11/cronicas-de-um-baixo-ventre.html

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Dirigido ao Pássaro Bege, sobre um texto postado na segunda feira, 8 de julho desse ano que nos engana:

16.7.13 Foi Hoje! 0 Comentarios




Pois é Pássaro Bege, as coisas estão ficando difíceis mesmo. Todo mundo tem uma opinião sobre o “outro” e é sempre sobre o “outro”. O “outro” é o motivo-mote mais importante para um comentário, um artigo ou coisa semelhante. Essa alteridade às avessas te deixou revoltado, você escreveu. A mim deixa sempre agoniado, de agonia mesmo. De sufoco!
Chamo de alteridade às avessas porque, na maioria dos casos, o comentarista não tem a mínima relação com o MOTE, mas está convicto de que sabe tudo sobre o outro.
Quando era mais novo achava pretensioso saber tudo sobre o outro, mas hoje acredito que essa pretensão vem acompanhada de um comodismo quase que ofensivo. Passar o tempo todo sabendo do outro é claramente cômodo além de permitir a superficialidade.  Aventura é saber-se com o outro. É nesse caminho que a fala tem lugar... o lugar da fala.
Você fez referência a uma conversa que tive com o público que participava de uma colação de grau, minha formatura. Essa menção acontece em oposição a um colunista que fala em terceira pessoa, um adepto da alteridade às avessas. Agradeço porque ao pensar em mim você me coloca na contramão de quem fala em terceira pessoa, de quem sempre fala “do” povo. Com efeito, agradeço mais ainda porque quando você evoca o “lugar da fala”, ao qual me refiro; você traz o seu lugar pra perto.
Estou me aliando a vocês nessa resposta para dizer que gosto de quem “fala” de onde vem à medida que fala do que pensa e fala do outro e à medida que fala de si. SI com outro é NÓS. E o NÓS sempre exige mais imersão, mergulho no chão onde a gente pisa.
No momento em que muit@s saem às ruas, gritando que o “gigante acordou” (se isso é comigo também aviso que não me lembro de ter dormido, mas vamos lá...) e em grande parte omitem o lugar de onde falam – sabem que explicitar esse “lugar” os impediria de estar ali – é preciso que a fala seja o lugar da fala. É preciso que a fala desnude, revele, jamais vele.
Agradeço a lembrança quando o desconforto te apertou. Quero que saibas que o texto que li me acalanta porque sei que é o teu Lugar de Fala. É tua fala e o teu lugar, indivisíveis no espaço da escrita. É o Pássaro bege sem representar ninguém, nem esperar ser tal representação.
O bom cronista não representa. Se apresenta!!! Boa apresentação Pássaro bege.


Por: Valmir Assis.

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Os sete pecados das capitais [Medo] VII

15.7.13 Cabotino 0 Comentarios



Medo

                Estava no 4shared fuçando alguns arquivos pornográficos para download, até que encontrou uma pasta zipada que lhe intrigou, intitulada: Angélica18.rar. Fez o download do arquivo, depois a “dizipou” e encontrou algumas fotografias de uma linda jovem loira, cabelos longos, nariz aquilino que descia harmoniosamente de sua geométrica testa, olhos castanhos claros (just like honey), pele branca com algumas sardas no rosto e em sua espádua, seios rijos e circunferências como uns mamões Hawai. As fotos em várias poses – com biquínis e óculos escuros na praia; pedalando em grandes cisnes de plásticos em uma bela lagoa; comendo batata frita com Coca-Cola em uma praça de alimentação; poses defronte ao espelho com seu smartphone na mão etc.
                As fotografias o surpreenderam, ao longo dos seus dezenove anos repletos de hormônios e demônios, nunca tinha visto uma menina tão linda. Foi amor à primeira vista e revista. Seu corpo crivado de bytes e testosterona foi chacoalhado por aquela beldade em código binário e corpo em silício.
                Não teve dúvidas, resolveu entrar em um relacionamento sério com Ela no Facebook, criou um perfil para Ela chamado: Bárbara Amélia. Gostou do som da pronúncia dos dois nomes próprios. Criou também álbuns de fotografia para Ela, intercalando, claro, algumas fotos suas. Deu nome as preferências Dela, livros, estilos musicais, filmes, programas de TV, seriados etc. Postava links de vídeos do Youtube, memes de Fan Pages humorísticas. Enfim, deu vida a sua garota.
                Para aumentar o grau afetivo do seu relacionamento, abria a conta de sua namorada através do computador de sua irmã e também fazia o login da sua conta através do seu PC. Com as duas contas abertas simultaneamente, estabelecia conversas de toda a sorte, diálogos sobre os links postados, curtidas em fotografias dele e Dela, declarações de amor com coraçõezinhos e “s2”.
                Tudo ia neste ritmo amável de recém-enamorados – as delícias lúdicas dos corações entrecruzados via Wi-Fi –. O relacionamento tomou outra proporção quando ele começou a adicionar outras pessoas ao perfil de Bárbara Amélia. Começou a travar contato com outros caras que viviam “cutucando”, elogiando as fotos com os seus: “linda!... Show de bola!... Perfeita!...” sem contar as infinidades de curtidas para cada post seu, qualquer um que fosse. De repente, se deparou com uma atenção que nunca havia recebido antes, em canto nenhum.
                Já não mais logava-se com a sua conta, agora só tinha tempo e interesse a de Amélia. Em uma madruga, adicionou um carinha moreno, cabelos dreadlocks, um típico reggae style soteropolitano com uma conversa que misturava astrologia com jargões de literatura de Auto Ajuda, intercalado com tiradas descoladas de filmes de comédia Blockbuster e telenovelas. Começou a se corresponder com ele todas as noites, poemas vão, cantadas vem, piadas e declarações de amor também. Decidiu no dia seguinte, após uma conversa reveladora que atravessou a madrugada com o seu “regueiro”, modificar o seu perfil para: solteira.
                 
                

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O relato II

15.7.13 Cabotino 0 Comentarios


Continuação...

Refleti: Tá bom, Senhor, sei que é arrogância minha querer ser um novo Cristo, mas interceda por mim, faça ao menos ser um Moisés que se tornou príncipe do Egito depois de navegar à deriva por um dos filhos do Nilo ainda criança e depois libertou o seu povo através das maldições ao Faraó, abra pra mim um pouco destas águas, sei que elas não são vermelhas, mas abra-a um pouco, deixe eu ver ao menos um instante de luz mesmo que depois siga errante pelo mundo como aquele povo de nariz adunco amaldiçoado pelos tempos por ter ganho à liberdade rápido demais após o Êxodos e por ter libertado Barrabás – a história da tua religião é um documento de barbárie –, mas não, deixa-me aqui como se fosse Édipo, o de pés furados, cego e parricida que foi embalado assim como o Príncipe do Egito em uma cesta à deriva pelas águas e com o mesmo Sinal de Caim em sua fronte inscrita pelo Oráculo da Fortuna. Não vejo nada, só vejo o Nada e nada disso tudo me agrada e, a partir de agora te assassinei, matei meu pai assim como o incestuoso Édipo só que com plena consciência do meu ato, se não intercedes por mim a partir de agora tu não mais existe em meu coração nem tampouco em meu corpo com os seus 70% de água e com os seus 30% de desespero neste planeta paradoxalmente chamado: Terra – “por mais distante do errante navegante/ quem jamais te esqueceria?” – Eu!. Pensei: cego e errante pelo mundo eis aí o meu canto do cisne, a sina de Édipo é o meu Sinal de Caim, eu matei o meu pai e minha mãe foi violentada por mim, Jocasta é estas águas que massageia meu corpo nesta noite que não tem fim, o mar quando cruza com o céu gera monstros terríveis e o único cabelo que há para segurar são os da Medusa com suas serpentes fatais, porém os 30% de desespero rivaliza com alguns lampejos de esperança e a minha é matar esta Medusa e extrair de dentro dela o Pégaso, mesmo sendo este um cargueiro da Lloyd que por ventura passe por estas águas sem redenção e ilumine estas águas de trevas e abra o meu caminho, sim o cajado que abrirá estas águas pode ser um refletor de 1000 megawatts, não importa, quero sair daqui! Temo mais estas águas do que qualquer criatura aquática que porventura venha até mim, se for os tubarões eu nado com eles, se for uma baleia vou para dentro dela sem titubear como o Mestre Jonas, que talvez, assim como eu, recebeu o castigo divino, ele pela desobediência e eu por ter comido do fruto da Árvore da Dúvida. Pensei: estas águas são irredutíveis, tem a capacidade ímpar de transformar meu humor melancólico em pura fleuma lançando seus líquidos invernas em minhas terras outonais, minha bile negra agora é azul, opaca e assim como estas ondas agora estou prostrado; não sei onde é a direção da praia; as vagas não dão a direção e estão todas paradas como se esperassem alguma ordem ou algum sinal. Mas nada! Estas águas não servem para nada – não refletem o céu, não dão sinal de nada, não aquecem nem aliviam a dor do meu corpo – não é doce, é salgada e amarga, amarga... Pensei: se ao menos o Barqueiro viesse em minha direção eu lhe daria todas as minhas moedas, mesmo sabendo que ele só aceitaria uma justamente pelo seu caráter sóbrio e comedido. Pediria para que ele levasse-me daqui para qualquer lugar, até para o Inferno! Pois lá é mais quente que aqui e lá também tem gente como eu que sangra pela mesma ferida – querem vida! – estas águas são silenciosas, fleumáticas, tediosas, inorgânicas, mortas... Ponderei. Esperem aí! Descortina-se algo no horizonte, uma luz vem em minha direção, não sei o que é, mas algo de estranho está acontecendo com o céu, ele está se auto referindo, gerando um espelho próprio através dos ventos e de alguma poeira cósmica, ele está desenhando algumas imagens para mim, para mim e para este monturo morto que me cerca, mas felizmente só eu posso ver e ter consciência do que está se formando.

Continua...

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O relato

10.7.13 Cabotino 0 Comentarios


O que me salvou de início foi uma caixa de charutos Cohiba e uma garrafa pet de Coca Cola de dois litros, agarrei-me a ambos e segui à deriva através do peso da madeira envazada de ar da iguaria cubana e a leveza da embalagem em polietileno do refrigerante americano, fui salvo por estes dois objetos: um Cuba Libre sui generis. Tudo o que lembro antes do “acidente” com o nosso navio, não sei o que houve e pouco importa, era que eu estava em meu quarto fumando e lendo mais uma vez, o Poema Sujo, justamente neste trecho que tenho comigo na memória – “meu corpo de 1,70m que é meu tamanho no mundo, meu corpo feito de água e cinza que me faz olhar Andrômeda, Sirius, Mercúrio e me sentir misturado a toda essa massa de hidrogênio e hélio que se desintegra e reintegra sem se saber pra quê” –. Ponderei: Deus me abandonou em meio ao Nada no lugar mais ermo do mundo, emergido a 11 km oceano acima, 11 km não assusta ninguém, mas se eu disser: 11 mil metros! Aí a coisa toma outra conotação, pois é, porque Ele não me abandonou em meio ao Carnaval de Veneza entre aquelas águas do cólera e entre uma “Cleópatra” e uma “Lucrécia Borgia” embalado em glitters, máscaras, suores, odores, lança perfumes etc.? Ou porque não me abandonou em um bulevar parisiense as margens do Sena, aquele rio que transborda sabedoria e esgoto, tomando um vinho com uma amante francesa e discutindo as desventuras de Julien Sorel ou falando das perversidades e taras do Marques de Sade? Mas não, resolveu pôr-me aqui nesta região do mundo em que não adiante nem gritos, nem sussurros. Estou emerso sobre os atritos das placas tectônicas Euro-asiática e a do Pacífico, sob mim há abalos sísmicos que deixaria a Escala Richter envergonhada, seu ponteiro enlouqueceria sobre estas águas, nelas há os arrotos de tudo o que há de mais primitivo no mundo, os vulcões expelindo o seu magma como uma ejaculação de fogo e enxofre lutando permanentemente com águas que não deixa este fogo se materializar, sobe/desce, acende/apaga, estende/distende... E a terra abre-se sob mim a 11 mil metros abaixo e tenta tragar-me de qualquer maneira, mas estou com a caixa de Cohiba e a Garrafa de Coca Cola, Fidel e o Tio Sam estão comigo nestas águas longínquas, sem Havana e sem Miami, sem ron e sem bife. Pois é, cada um tem o seu Virgílio que merece e, assim como Dante estou neste mar infernal e sem esperança de encontrar Jesus, Maomé, Beatriz. Pensei: Estou no Círculo de Fogo do Pacífico a vários quilômetros de lugar nenhum, talvez a terra mais próxima seja o Japão, China, Austrália, Hawaii, Nova Zelândia, México! Meu Deus a quem rogar nestes momentos em que o mar encerra-se junto com a noite sobre mim? Gostaria de um João Batista aqui e que me batizasse nestas águas e me tornasse um novo Messias, seria o meu próprio salvador, não iria de jeito nenhum transformar estas águas em vinho, as uvas não merecem tal crime, nem tampouco morrer pela humanidade, não seria tão idiota. Estas águas estão condenadas a nos confundir, estão podres por dentro e por fora, é suja, escura, profunda... Nelas Narciso sobreviveria calmamente, nelas nenhum reflexo é possível – o que não é espelho é feio –, nelas há o céu com seu silêncio de chumbo e sua eterna indiferença, ah! O silêncio destes espaços e tempos infinitos apavora-me!

Continua...

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O lugar da fala

8.7.13 Pássaro Bege 0 Comentarios


Dedicado a Valmir Assis

Quer saber como acabar com qualquer possibilidade de dialogar com esse escrevinhador, esse reles Zé povinho que vos fala? Então, é só começar a falar “ do povo” na terceira pessoa. Isso me dá um nojo, uma revolta, perco a paciência e me recolho, não vale a pena discutir ideias com alienígenas.

Mario Pena Forte um dia desses acordou, olhou-se no espelho e achando-se menos humano que de costume, escreveu em sua coluna no jornal “Abobrinhas News” falando sobre a situação política do país com o seguinte título: “O povo não se dá ao respeito!”

Devo respeitar esse jornalista? De onde ele fala?

“Não sou apenas a fala e sim, o lugar da fala”, disse um pequeno gigante amigo, de nome Valmir Assis, em um discurso forte e questionador, num outro contexto que não o jornalístico; contexto em que o sagrado se manifestou, mas não para torná-lo menos humano.   

Talvez falte a Mario Pena Forte uma leitura crítica baseada em seu lugar de fala, não para perpetuá-la acriticamente, mas para perceber que não há como falar ao “povo” excluindo-se dele. Talvez falte a Mario Pena Forte, o “fogo do pentecostes” (como diria o Cabotino) presente na fala de Valmir Assis.

Pai, perdoa-lhe! Mario Pena Forte não sabe de onde fala e não compreende o que mesmo diz.   

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