Dozão

24.2.15 Pássaro Bege 0 Comentarios


Todos nós bem sabemos, jogar dominó com gaiatice, se pabulando, até que vai. Mas daí a pegar pedra do dorme: eis o limite! Conversa-se sobre ele em todos lugares, da NASA à mesa do bar. O limite é uma linha tênue? Não creio. O limite é justamente a não linha. O limite é um precipício sem vertigem, por vezes, um presépio de larvas de fogo, e também presepada. O certo é que há limite pra tudo. Por favor, pelo bem do limite entre essa mesa e a sua cara, ponha o Dozão de volta no dorme! Grato!




Créditos da imagem: <https://www.flickr.com/photos/carolalvarenga/5396036923>

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Petitio principii: As regras do jogo

12.2.15 Pássaro Bege 0 Comentarios



Funciona mais ou menos assim: Você constrói um capital social repleto de gente que quer enriquecer sem muito esforço. "Fé cega, faca amolada!" Ao menos previna-se que cerca de 2/3 deles é hábil e discreto o suficiente para os negócios; nada de gente escandalosa e pueril por perto. Esse é um jogo pra adultos, lembre-se. Aos que não sabem lidar com a experiência e a maturidade, preserve-os tão somente se, em contrapartida, possuírem carisma. Perceba se eles sabem investir o que roubam, e se investem em imóveis antes de arriscar a sorte no poker das especulações. Reitero, as crianças devem ficar fora do barco!

Fique atento, essas são as primeiras lições! Encontram-se, semelhantes a essas, várias outras em livros e manuais upados nas nuvens, mas não adiantará de nada tentar baixá-las no torrent. Vivenciar a obra é o ponto chave para o sucesso nessa empreitada, e, além do mais, essa estratégia o tornará aos olhos dos seus um jogador de extrema habilidade. Mesmo que o blefe seja o seu trunfo maior, negue!

Não há leitura possível para a piedade nesse jogo. À piedade deve-se reservar a mesma importância que o policial militar de Cavaleiro, Sérgio, reservou à Lurdes do Alto da Besta; simplesmente, não a deixe sobreviver. Como queiram, os fins justificam os meios, eis o mantra sagrado! Outros cuidarão em organizar o caos, não você! Seu trabalho deve pautar-se pelas coisas difusas, mas não para organizá-las em relatórios trimestrais. Só um toque: toda vez que você fala a palavra "coerência" nesse jogo, um cheiro danado de mofo sobe no ar. Palavras velhas, e conceitos por demasia inflados, já diziam os sábios, devem ser usados com prudência; não abuse e use C&A.  

Não se deve descartar a tortura psicológica e o assédio moral para com seus subordinados. Não haja como um santo ou um salvador, mostre-lhes que você tem equilíbrio, sensatez e destreza para saber separar as questões de ordem subjetiva das de ordem objetiva - sem cair na histeria. Como disse: as crianças devem ficar fora do barco!

Permita-me apenas um último detalhe ante de terminar: vez em quando, em público, esqueça um pouco os negócios. Não há quem aguente andar de máscara o dia todo, use um alicate se preciso for para fazer a operação dolorosa mas necessária de desnudar-se. Os aplausos deverão ser o seu combustível; se a vaidade é mesmo uma má conselheira, espere só para ver o que há dentro do espelho d'água. 

Mandamentos imprescindíveis: se sua empresa for pequena, pense grande: “um dia será maior, um dia será maior!” Lembra-se do mantra? então! Implante-o em sua culpa franciscana. Se sua empresa for grande, um adendo, agentes públicos e entes privados devem apagar as luzes antes de transar, a discrição é a alma desse negócio. 

Sem mais, 



_Avelar da Cunha Amaral_
                                              Gerente geral de petição de princípio 
                                                      para jogadores acríticos 


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A Hora do Metrô

11.2.15 Foi Hoje! 0 Comentarios


Inicio da noite na estação central do Recife, só quem usa o metrô todos os dias sabe o que isso significa. Pessoas correndo para chegar rápido à fila da bilheteria; gente na fila dos caixas eletrônicos retirando seus últimos trocados antes que o banco cobre alguma taxa extra; gente na fila da catraca para passar o seu VEM trabalhador. Depois disso, o cidadão que vai para Camaragibe ou Jaboatão, ainda de cabeça baixa guardando seu cartão de passagem no bolso, levanta lentamente a cabeça olhando para a escada rolante torcendo para que ela esteja ligada, porque, depois de um dia longo e cansativo de trabalho, você quer mesmo é algo que te carregue. No entanto, essa não era uma noite feliz, os deuses não estavam olhando para aquele lugar. Vendedores de todos os tipos vendendo de tudo, de pipoca a descascador de legumes e frutas, fazendo daquele lugar o seu ganha pão; pessoas cansadas, sentadas, aguardando o movimento de passageiros diminuir para pegar o metrô “vazio”; acredito eu que, na verdade, eles sentam ali à espera de que a escada volte a funcionar. Finalmente, após descer as escadas, percebo um tumulto gigante, são as pessoas que não conseguiram acesso à plataforma de embarque; não cabe mais ninguém lá! Pessoas com seus smartphones filmando e fotografando tudo com um sorriso no rosto, como se aquilo fosse um cartão postal da cidade – posso apostar que já é! Em seguida, escuto o barulho do metrô vindo, e é Camaragibe (depois que surgiu o terminal integrado do TIP, o Camaragibe passou a ser mais lotado que o Jaboatão). Daí, todos esperam o metrô abrir as portas para conseguirem uma cadeira, assim que ele abre as portas, é o momento em que você contempla a real natureza humana: mulheres, idosos, crianças, todo mundo desafiando as leis da física para alcançar o tão sonhado lugar. Não é uma cena bonita de se ver, eu apenas observo e entro depois, tenho a sorte de trabalhar o dia todo sentado e não me importa viajar 30 minutos em pé até minha estação; o que mais me impressiona é o clima de alegria daquelas pessoas, como se tivessem acabado de participar de uma gincana em alguma colônia de férias, ao conseguirem um lugar. Aí amigo, chega a Estação Joana Bezerra, e as leis da física são desafiadas novamente. Assim, você percebe que sempre dá para entrar mais alguém, e aquele cara de quem você estrategicamente se distanciou - pois exalava algo podre de sua pele - acaba ficando exatamente na sua frente com os braços levantados segurando nas barras de ferro. Nessa altura, o metrô já está tão lotado que nem os vendedores ambulantes ousam entrar, mas os pregadores estão lá, no meio daquela muvuca, esbravejando em nome do senhor, em um barulho gigantesco que tenho certeza que até Jesus põe o protetor auricular naquele momento... É na hora do metrô que eu fico por dentro das tendências musicais do próximo verão, e é lá dentro que percebo que não existe esperança. Só quando chego na estação coqueiral é que me liberto daquilo tudo, momentaneamente, porque amanhã tem mais.


por: Kleyton Rezende

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Crônica do Vale do Catimbau

7.2.15 Castanha 0 Comentarios


A caminho da primeira trilha soubemos que nosso guia era índio. O senso comum não sabe que boa parte dos índios são miscigenados e moram em casas, resultado da colonização de outros séculos. Pensam, portanto, que moram todos em malocas. Marcio, o jovem índio que nos guiou, caminha desde garoto por aquelas terras e conhece plantas, caminhos, histórias, pessoas e outros elementos que formam o local. Aquele enorme local. O Vale do Catimbau, gigantesco, está entre o agreste e o sertão. A aspereza da região alinha-se com a beleza de seus sítios. Pedras enormes, em todos os lugares: grandes e pequenas, com nomes populares e científicos, pedras firmes e desmancháveis como areia, pedras que estão ali há tanto tempo que são anteriores a linguagem humana e a criação da palavra “pedra”. Pinturas nas paredes: Estão ali há quase sete mil anos (nos disse o guia); o próprio Cristo nem pensava em nascer por aqueles tempos. O vale inteiro existe pomposo e quem pisa naquele chão e vê aquelas paisagens deve sempre lembrar que somos pouco, quando estamos envolvidos por tudo aquilo. E tudo aquilo é igualmente pouco, quando é comparado e envolvido pelo planeta e pelo universo e por tudo mais. Neste intermédio, sendo maior que qualquer um de nós e menor que todo o resto, o Vale do Catimbau ensina as dimensões da existência.


Castanha 06 de fevereiro de 2015

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Crônica da cidade de São Paulo

6.2.15 Castanha 0 Comentarios


Prédios, veículos, concreto, velocidade; pessoas... Pessoas em todos os lugares e aos montes. Museus e avenidas e lojas... E eu vi e ouvi uma dupla de blues bem próximo ao teatro municipal; era boa. Depois comi no mercado municipal, a comida era boa e o local era quente; a cidade inteira estava quente, insuportável. Tudo é grande e rápido naquela cidade. As coisas belas são grandes, as coisas ruins são também. Enquanto eu estava lá havia pouca água para manter tudo e todos, naquele lugar gigante. Estavam à beira de um colapso hídrico. Mas, a cidade não parava, nunca para. Onde tudo é grande, tudo é também distante, e todos pagam caro pra se mover, para ir de um lugar para outro. Pagam com dinheiro e com tempo e com o desgaste de seus corpos e de suas paciências. Os ônibus estão abarrotados de pessoas, e as pessoas que tem carro estão lá, no transito, paradas; ninguém está a salvo dos aborrecimentos. A cidade das grandes dimensões é bela, agitada, caótica e violenta. É rápida, nervosa, programável e inesperada.


Castanha 06 de fevereiro de 2015  

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Polishop

4.2.15 Foi Hoje! 0 Comentarios


homens que vendem coisas no centro da cidade, homens que vendem meias, homens que vendem sandálias, homens que vendem anéis, pulseiras, cordões de prata, homens que vendem de tudo, homens que vendem almoço, janta, café da manhã, de tudo, doces, de tudo, café, caldos, que não param de vender, precisam, não tem carteira assinada, não podem, ganhariam até menos, homens que ganham menos, cobradores de ônibus, homens que pagam o preço, até tarde da noite, homens que vendem macaxeira, batata doce e frutas e legumes e facas e calculadoras agulhas abridores de garrafa abridores de latas de sardinha antenas para tv panelas de pressão o dia inteiro no pé da ponte da boa vista. mas esses homens não descansam. vendem. precisam vender. controles, joias, roupas para bebês, homens dentro dos coletivos que vendem toda agonia precisa com a paz do senhor jesus cristo o caralho. e eu compro. porque homens. homens não. mas e mais homens que se vendem nunca vi, que se vendam sexo assim, nos coletivos. homens de pau grosso, de rosto sofrido e que precisam, em casa suas crias e suas mulheres que também são crias suas, essas suas mulheres, quero um dia falar das mulheres desses homens que vendem, e que passam o dia inteiro a vender e não há sol que os estagne. preste bem atenção, não há. preste bem atenção, se nunca olhastes bem os olhos dos vendedores de pipoca que correm e CORREM E CORREM E CORREM e pedem ao motorista do coletivo peraí motô!, janelas, trocos, pochetes, depois punhetas, gentes, toda a guarda real do capibaribe. o que seria de nós sem os homens que vendem? o que seriam de nossa almas sem eles? sem esses homens que vendem e sofrem não, são até alegres, eles já foram ao hospital do câncer em santo amaro e já frequentaram casas de recuperação e sabem e dizem uns aos outros que isso de vender e gritar e pedir e de ter olhos cansados e muitas vezes cheios de revolta não é sofrimento não. é a vida mesmo. boa. que deus dizem um dia proverá um caralho. quero dizer, que deus um dia proverá, caralho! um caralho dos grandes, esperamos. que de pomba fina os homens que vendem já estão cheios. até o talo.

por Temerário Lua

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Recife, 1997-2015

3.2.15 Unknown 0 Comentarios


Em 1999, dois anos depois da morte dele, um antes do ano derradeiro do XX, quando, pra mim, a internet ainda era discada, era muito chato perceber que aquela coisa mágica havia sido transformada em “identitária”; justo na época em que percebemos as facetas fascistas que existem em alguns conceitos e palavras – nesse caso, o pânico tinha um nome pomposo e suassûnico: tropicalismo armorial.  De jeito nenhum era fácil lutar contra, e ao mesmo tempo, amar tudo aquilo. Assim, todo mundo que tivesse uma banda naqueles tempos era obrigado a ouvir: sim, mas cadê a alfaia? ao que se retrucava: “Chico Science é o caralho! Vão se fuder!” 18 anos depois o mercado arrumou outras formas de padronização. Porém, se antes a coisa era fordista, a reestruturação produtiva levou a indústria fonográfica a se "reinventar". Além do mais, hoje, não se impõe mais o “identitário”, ao contrário, se impõe o The Voice Brasil goela abaixo.   

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FISSURA

2.2.15 Cabotino 0 Comentarios


As mãos sobre o teclado do computador portátil. Do lado esquerdo, a xícara de café; do lado direito, o cinzeiro. De chofre, a mão direita corre direto para o cinzeiro, mas não há cigarro. A imagem é a tradução de um hábito tão rotineiro que se traduz em mecânica – uma cultura que peita a natureza, com o perdão do trocadilho, eis aí a imagem do tabagismo.

A abstinência do tabaco é conhecida como fissura. A palavra é oriunda do jargão traumatológico e da geomorfologia, mas pense em duas etimologias que refletem a ausência não só das substâncias químicas, como também de todo o hábito como por exemplo, o que narrei acima.

Fissura na sua dupla acepção: trauma e abertura. Trauma porque o cigarro é uma representação objetal sempre presente, como um fantasma que é mais difícil de matar do que um ser vivo. E como bem sabemos, o trauma gera a melancolia porque o objeto antes presente, encontra-se ausente não só da consciência como também dos hábitos pontuais do dia a dia: depois do almoço, depois do café, depois do orgasmo, na escrita, na leitura ou na contemplação de um moribundo fim de tarde. Abertura porque fica algo vivo a expelir da fenda um anseio que de tão forte nos deixa prostrados, de mau humor porque a necessidade não é apenas espectral, também é física e podemos saciá-la através de alguns trocados e uma ida à esquina.

Você que vive da produção e reprodução das coisas do espírito e que é fumante – artistas, profissionais liberais, cientistas – faça um pequeno teste: pare de fumar e vá fazer o seu trabalho. Você perceberá que há uma ausência/presença, a fissura é um paradoxo. Seu trabalho ficará comprometido porque o que está faltando não está nele e está, só que não há tempo hábil para o fantasma vir à tona e, como não há tempo suficiente, o fantasma fica lá assoprando os Hamlets que há dentro de você.

Não há saída, ou você enche o cinzeiro novamente, ou deixa o tempo fazer o enfadonho e laborioso trabalho que sempre fez desde o tempo que o Jardim do Éden era pomar: sedimentar os fantasmas na consciência dos vivos.

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