24.12.11 Joarez 4 Comentarios


Vô,

abandono a formalidade clássica das missivas, para ir direto ao ponto: - gosto muito de você. E que eu não seja mal interpretado - essa demonstração de afeto não é impulsionada por um arrependimento tardio.

O fato de você sempre ter sido uma pessoa seca, amarga, crua, nunca impediu que as pessoas ao seu redor lhe nutrissem carinho. O Alzheimer pode te impedir, mas eu lembro bem das tardes em que chegavas aqui em casa e eu corria para te dar um beijo, no que era interrompido no mesmo instante: beijo em homem é coisa de veado, menino!

É curioso: tu amargamente agradavas. Explico: tu conseguias cativar, não apesar, mas por causa do teu jeito ríspido.

Mas voltando ao ponto: digo isso, vô, para te dar um ânimo, pois parece que tu estás cansado de viver. Hoje, na mesa, mal movias a boca para comer; os olhos só abrias de quando em vez, como quem averígua a normalidade das coisas.

Desculpe, volto ao ponto anterior, talvez agora eu consiga explicar por que todos gostavam tanto de ti: vô, eras um furacão! De longe se percebia a tua presença, nada ficava quieto contigo por perto - seu alto timbre de voz e seus modos espalhafatosos chacoalhavam tudo. E esse motivo essencial é, quiçá, a maior dor: nem de perto és, hoje, vô, aquela pessoa.

Vô, se estiveres cansado, acredite, podes ir. Tens o aval de teu primeiro neto homem - lembro que tu se importavas muito com isso.

Mas, também, se quiseres ficar, fica. Novamente te darei comida, te carregarei nos braços e te colocarei deitado na cama.

Hoje, vô, cearemos sem tua presença forte e sem tua voz estridente. Mas o que importa é que na noite de natal tu durmas igual a um menino.

Fica na paz.

Abraços,

Seu Neto.

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Foi Hoje

21.12.11 Joarez 4 Comentarios


Este blogue, coisa mais linda, aproveitou as promoções consumista-natalinas e as facilidades de endividamento, digo, de pagamento dos cartões de crédito e tomou um banho de loja neste fim de ano, nas Lojas Cattan - a loja do proletariado.

De cara nova, estamos preparados para dar voos mais altos em 2012, pegando carona na nossa arrojada frota aérea que conta com um pássaro bege e um recentíssimo urubu-calango-albino - tecnologia de ponta pra ninguém botar defeito!

Ainda dentro do mote mudanças, tem que se ressaltar que este blogue estava inconformadíssimo com seu nome de batismo, motivo que o levou a se dirigir ao cartório do google mais próximo e tal qual a filha de Baby Consuelo, que trocou Riroca por Sara Sheeva, também mudou seu nome.

A mudança não foi, digamos, tão ousada. Mas não significa que foi pequena, saímos de foihj.com para foihoje.com . Coisa simples, é verdade: uma vogal aqui, outra ali. Mas só os abestalhados não percebem que sair de foiagájota para foihoje é um salto e tanto.

Eis a verdade incontestável: - duas letras fazem toda diferença!

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Os percursos de um blues Heltoniano

19.12.11 Foi Hoje! 2 Comentarios


Dedicado à Helton Fernando da Silva


“Visionário do império das castanhas
Criptografemos aqui
Os escritos do agora e os que estão por vir.

Façamos Fernandos, os Silvas
Cubramos de verso o existir. 
Na folha de um papel ou no Itamaraty”(Ricardo Santana).



          Quando minha língua esteve presa ao céu da boca, ou quando a mesma roçava meus dentes incisivos, estive eu preso a tropeços e sortilégios da fala que me deram os outros, aqueles mesmos, que não deixavam minha língua se expressar em tons de blues Heltoniano, ou quem sabe, de Gonzagão em plena loa.


Quando a reação se fez presente em minha vida, por canais inimagináveis (outrora os das canções em que me achava fora do tom) procurei dizê-la no papel. Primeiro bem baixinho depois gritando a plenos pulmões, compartilhando-a com meus amigos, com os quais podia expor minhas fraquezas e meus delírios na figura de um cronista.

Do império das coxinhas tirei meu mote perfeito e hoje sou arquiteto de um império, o império das castanhas.

Pássaro Bege 

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Desfocando o olhar.

4.12.11 Foi Hoje! 1 Comentarios


O aparelho de ser inútil estava jogado no chão [...]

Manoel de Barros.


No velho barreiro de água marrom tinham bois, criança e senhoras se banhando nele. Por que teria ficado marrom a água daquele barreiro?! Pela sujeira de gente, ou pela sujeira de bicho.

Meu olhar nunca foi são. Ele sempre sofreu de doidice abobajada e ilusória. Às vezes desfoco o olhar dos extremos de minhas pálpebras apertando meus olhos e deixando eles bem miudinhos, para que as figuras sem jeito que vejo, fiquem bem certinhas no prumo da minha retina.

E é nesse exercício, que vejo beleza nos barreiros de água marrom e em um bocado de coisas que os outros só olham, mas não vêem.

Pássaro Bege

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2.12.11 Joarez 3 Comentarios


Daquela vez em que - não agressivamente - entre os intervalos das excessivas lágrimas, trocaram mágoas, ele havia lhe dito que jamais voltaria a chorar na sua frente - não por orgulho, mas por não conceder novamente uma intimidade a quem não soube recebê-la e tratá-la.

Posteriormente, numa situação semelhante, entre o ranger de dentes, uma lágrima despenca do olho esquerdo. Talvez isso fosse um sinal de que uma vez mais ele estaria se abrindo - mas a lágrima caíra a contragosto.

Ela fez questão de lembrar: ele, daquele jeito, naquela hora, parecia um durão, que do alto de uma plataforma inacessível, não se deixa ser atingido por nada.

Mal sabia ela que essa plataforma - longe de ser ódio, rancor ou amargura - era tão somente insegurança.

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URUBU-CALANGO

23.11.11 Calango Albino 2 Comentarios


Quando o vento está bom e quando o céu é de brigadeiro, arregaço as asas, subo na janela e pego a primeira corrente de ar quente ascendente. A sensação do vento batendo no rosto é a melhor de todas. Sou urubu, porém um tanto diferente dos outros irmãos de voo. Exatamente por isso, preciso permanecer numa distância segura deles, caso contrário, me matariam a bicadas. Voar, por si só, já seria suficientemente perigoso e uma aventura, mas a intolerância dos meus com a coloração de minhas penas, torna tudo mais difícil, porém, mais emocionante. A atenção tem que ser redobrada, olho no voo em si, olho nos irmãos. Minhas penas são albinas e quando fitadas pelos outros urubus, a pequena distância, são capazes de enlouquecer de raiva a mais pacata dessas aves de rapina.

Pois, sigo meu voo, atento às distâncias necessárias para minha segurança. Voo mais baixo que eles, mas o suficiente para apreciar a vista: como é bela daqui de cima essa cidade! O rio cortando seus bairros, serpenteando, até encontrar com o outro (rio) e com o braço de mar. Daí já se avista a cidade irmã; primeiro a sua parte mais bela e mais alta. As ladeiras impregnadas de história, de histórias. Esperam o ano todo por histórias novas. Agora estão vazias, bem diferentes de quando passo por aqui a pé, no meio de uma multidão, aquela mesma em que o arlequim chora pelo amor da colombina. Dou um rasante onde hoje tem um elevador.

Mas a graça toda desse voo está na parte em que aprumo pro litoral em si, na faixa de beira de mar. Eu sigo pelo norte em corrente ascendente, sentindo o cheiro do mar e por alguns instantes, distraído e de olhos fechados, quase volto a ser calango. Sim, porque a princípio sou bicho da terra. E assim sempre foi. Não disse como pude metamorfosear de calango a urubu, não foi por mal, nem por distração minha. Simplesmente, um dia, olhando pela janela de casa, as asas surgiram e meu impulso foi o de voar. Desde então, uma vez por ano, me é concedida essa troca de pele, de bicho da terra a bicho voador. Nunca a questionei, por medo mesmo que ao questioná-la fosse tirada de mim essa condição, de réptil-ave. Pois bem, aceitei. E até que não é tão impensável essa mudança. Já disseram que somos primos próximos, aves e répteis.

Enfim, mudo uma vez por ano e logo volto a ser calango. Pois é, a metamorfose dura apenas uma hora e logo tenho que aterrissar. Mas não reclamo, nem acho ruim. Aproveito o voo de uma hora na íntegra. O caminho de volta pra casa faço como calango mesmo, pelo asfalto quente, desviando dos automóveis. Venho sempre pensando como seria bom se no próximo ano ao invés de uma, me fossem dadas duas horas de voo.

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Quem...?

23.11.11 Jonas Anasc 2 Comentarios


Quem poderá explicar o que se passa dormindo?
Quem gritará quando chegar o momento de acordar?
Quem burlará as correntes do destino?
Quem saberá onde quer chegar?
Quem jogará palavras sujas ao vento?
Quem irá desenterrar os vivos?
Quem julgará o passa-tempo do tempo?
Quem mostrará o já visível?
Quem enfrentará a velha ordem?
Quem tocará a face do desejo?
Quem beberá na fonte da vida e da morte?
Quem reconhecerá a si mesmo?
Quem vestirá a camisa da discórdia?
Quem sorrirá canalha para o medo?

Quem sairá do ninho? Quem quebrará as barreiras de vidro?

Quem salvará os segundos e as horas?
Quem libertará os velhos bandidos?
Quem correrá na frente do agora?
Quem terminará o jogo antes do início?
Quem sentirá o peso da memória?
Quem lembrará que nunca esteve fora?
Quem pensará livremente nisso?

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Conversas Paralelas...

23.11.11 Jonas Anasc 2 Comentarios


... Tudo faz parte de uma cadeia de significados que são simbolizados nos materiais trocados. Desde os colares e pulseiras, até mesmo a produção de mandiocas, todos tem um caráter existencial para quem os produz...

- você se esqueceu dos seus sonhos, meu amigo?
- meu sonho tornou-se uma imagem opaca, uma radiografia de uma vida fadigada.
- durante toda minha infância e adolescência eu construí um sonho para mim: eu queria crescer e ser um cara mais ou menos, ter uma vida mais ou menos, ter dois filhos, o primeiro uma menina e o segundo um menino. Porém, desde que eu entrei na universidade que eu não consigo mais sonhar com isso; eu não quero mais ser mais ou menos. Sou quase forçado a ser mais e mais. Isso me angustia, me ilude e me destrói. Foi assim que esqueci do meu sonho.
- Não foi deus ou você... Tudo que se ganha nessa vida é pra perder. Nada continua inalterado até o fim?
- Só se vive porque se sabe que vamos morrer, por isso que vivemos. Tudo nessa vida se perde, e é por isso que valorizamos o que ganhamos. Tem que ser assim... Agora, você perdeu seu sonho?
- Você está certo, meu amigo. Quanto ao sonho, acho que ele me perdeu.
- Deixe de ser evasivo!

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Auto-psicanálise

22.11.11 Foi Hoje! 1 Comentarios


Dedicado a Renato Ribalta


Dia desses acordei de um sono profundo. E ao meu lado estavam todas as ferramentas, tudo sobre meu ofício, com o qual, ganho meu pão diário.
Revirei aqueles papeis xerocados, juntei todas aquelas folhas e as sacudi bem forte. Estava irritado. Nada verteu do papel.
Ao sono profundo voltei depois do caso passado, e lá pelas tantas ouvi o canto daquele maldito pássaro, que me acompanha das raias imaginativas dessa prosa cansada que é a vida.
Naquele tempo, entre bolas de gude e jogos de futebol imaginários, partidas inesquecíveis com jogadores memoráveis se desenrolavam em minha mente. O estádio lotado gritava o nome dos artilheiros das competições que criava. Não era raro que as finais daqueles campeonatos fossem eletrizantes, e que nos acréscimos, aquele zagueiro turrão, de cabeça, empatasse a partida e que fosse todo o destino do duelo, para as penalidades máximas. Não houve campeões em minha infância, protelava meses e meses os finais daquelas partidas.
Acordei mais uma vez daquele sono profundo, e lá estavam os papeis jogados, sacudidos e espremidos no chão.
Havia também pontas de cigarros.
Meus sonhos são cada vez mais a expressão de minhas fraquezas, e ando lendo sobre psicanálise há uns dez anos por conta disso.
Desfechos ridículos. Humilhação. Zombarias me atormentam o sono.
Em minha biografia constará o quanto fui ridículo nos meus sonhos, e também, como minha vida foi regada a ilusões, misticismo e muito pouca sabedoria.
O lago perto de minha casa onde insiste em cantar aquele pássaro tornou-se vazio, como a alma daqueles que não sabem direito como se dão os desfechos das partidas decisivas.
Como aqueles, que não sabem desde alvorada fazer a partida empatada ter um vencedor ao pôr do sol.



por Pássaro Bege

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Cerveja Não Causa Dor de Cabeça

21.11.11 Joarez 0 Comentarios


Cerveja gelada e feijoada completa: não há quem recuse. Se for zero-oitocentos, deus do céu!, nem a distância do local do evento desanima os convidados, como foi o caso da minha amiga S., que comemorou seu aniversário - com direito aos elementos citados acima e um pouco mais - em Moreno City; cidade diferenciada, que conta com apenas uma avenida - pra quê mais? Cheguei cedo, me espalhei, comi à vontade, bebi além da conta, e fui o último a deixar a confraternização - saí literalmente varrido do recinto. Achei pouco: antes de ir para casa, ainda tomei umas saideiras na casa de Rafael, um amigo aqui das redondezas. No dia seguinte acordo com uma dor de cabeça imensa, marteladas no quengo em slow motion, e começo a maldizer, com toda sorte de palavrões, a bebedeira do dia anterior. A dor é contínua, ora mais forte, ora mais fraca, mas sempre presente. Vasculho a memória e não encontro em meus registros situação semelhante. Lembro, até mesmo, de já ter bebido mais e não ter como retorno uma ressaca tão aguda. Enquanto tentava levantar elementos que ajudassem a explicar o meu sofrimento, ouço a voz do apresentador do programa esportivo: "Tupi se sagra campeão da Série D em cima de gigante do futebol brasileiro, no Arruda...". A cabeça quase explode. Descubro o motivo da minha dor: a derrota do Santa, por 2 a 0, na final do campeonato. Minha memória, seletiva e bondosa como sempre, havia me poupado essa amarga recordação no dia seguinte. Mas agora já era tarde: contei com o desfavor da televisão para deixar essa lembrança mais viva do que nunca. Sem ter muito o que fazer - este tipo de ressaca não se cura com Sonrisal - saí triste e desolado: perambulei pelas ruas a fumar o king size da decepção, e entre uma baforada e outra, refazia clássica aporia shakespereana: Tupi or not Tupi: that is the question!

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Caso do Labrador

16.11.11 Joarez 2 Comentarios


Eu já vinha refletindo e conversando com um grande amigo sobre o fato de que, em certas ocasiões, mais do que fazer uma pergunta, o importante é fazer a pergunta certa, com o objetivo de tornar as coisas mais fáceis.

Daí que, quando um mancebo fosse pedir a donzela em namoro - coisa cada vez mais rara hoje em dia, mas ainda vale o exemplo - ele não chegaria tenso e nervoso para dizer a clássica frase "Você quer namorar comigo?", mas perguntaria serenamente: Você deseja ficar só, triste e abandonada?, ela respondendo um "Não", ele já seguraria sua mão, e diria, Pois bem, agora somos um casal, estamos namorando.

A partir desse exemplo-matriz estenderíamos a tática oral para outras situações, donde não desejaríamos saber se uma pessoa quer comer feijão, arroz e bife, mas sim se ela quer ficar com a barriga na miséria, no que, no caso de uma resposta negativa, agilmente serviríamos o que estivesse à disposição em nossas despensas e armários.

Sacou? Sigamos em frente.

Pois bem, ainda em prosa leve com o mesmo camarada, chegamos à conclusão razoável de colocar em prática nossa teoria, a fim de, obviamente, alcançarmos alguns modestos objetivos pessoais. Foi assim que, hoje, em minha casa, em duelo com minha mãe, obtive relativo sucesso no caso de um labrador. A pequena conversa transcorreu mais ou menos assim:

- Soubesse que tua irmã tá com a história de trazer um labrador aqui pra casa?, já pensasse?, mais aperreio, mais barulho, mais sujeira...

- Sim, e daí?

- E daí o quê?... Vai criar, é?

- Vai matar, é?

Minha digníssima progenitora não resistiu à pergunta que lhe dirigi em forma de respota: olhou-me fixamente por três segundos e depois caiu na gargalhada. Riu, passeou pelo terraço, se acalmou e depois veio até mim prometendo que ia pensar com mais carinho no caso do labrador.

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Um dia de cão de a cavalo

9.11.11 Cabotino 1 Comentarios



No Marco Zero da cidade do Recife uma figura excêntrica chama a atenção dos moradores deste rincão urbano fincado na lama: São Petersburgo sem São Pedro. Era um sujeito esquálido, uma barbinha pontiaguda lhe ressaltando o queixo afilado, com roupas de cavaleiro medieval, portando lança, espada a tiracolo e escudo, montado em um cavalo não menos magro que ele.

Estava em seu trote calmo pelo “antigo” bairro da cidade (que alias não é tão antigo assim, mais um exemplo de invenção da tradição desta cidade), quem o via se assustava no primeiro momento, mas, em seguida continuava a sua via crucis diária e circular. Ele por sua vez estranhava as edificações plurais daquele sitio, casarões ornados no estilo rococó, construções em ângulos retos à base de concreto e vidro, afora os cartazes e os automóveis que o cruzavam velozmente.

Em seguida atravessou a Ponte Maurício de Nassau, como um boi terrestre mascando o seu amido de estímulos. Ia devagar, quase parando, até desembocar na Av. Guararapapes, sem holandeses, mas com a sua batalha cotidiana e “pacífica” que expulsa diariamente seus guerreiros em ônibus repletos de entulho humano, navio negreiro do desterro diário.

Reparou que as pessoas de vez em quando olhavam para a torre do edifício dos Correios (onde se encontra o relógio), porém, a maioria delas consultava de instante em instante um pequeno objeto que levavam primeiro aos olhos, e em seguida aos ouvidos, falando com eles através de estranhos solilóquios repletos de pausas e reações distintas. Chegou à conclusão de que aquele deveria ser um Deus em extinção, e que este era agora o novo Deus. Deus no alto grande quase morto; Deus pequeno em nossos bolsos posto - rei morto, rei posto.

O ritmo daquele turbilhão frenético lhe entrando pelos sete buracos de sua cabeça causava-lhe torpor, o calor, os sons, os tons de cores, as palavras pregadas em todos os lugares, enfim, os signos em rotação e a vertigem por símbolos. A apatia já o tinha dominado completamente, o seu cavalo agora é que seguia o seu curso, tomando às rédeas do seu destino e do seu dono.

Por instinto, o animal seguiu através do ar úmido que soprava em suas narinas para o lugar mais verde do Centro da cidade, o parque 13 de Maio (nome pomposo, data vazia). E resfolegando de cansaço foi para o gramado em busca de comida e esteio para o seu dono que se encontrava mais morto do que vivo neste cemitério dos vivos, Recife. Inclinou-se gentilmente para que o seu dono descesse, este o fez quase automaticamente, deitou-se na grama e balbuciou estas palavras:

- Obrigado meu amigo Rocinante. E olhando para o céu completou o seu monólogo. - Pois é minha amada Dulcinéia, a única coisa que não mudou além do meu amor por você, foram às nuvens do céu.


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A Fábula dos Três Jegues

2.11.11 Joarez 2 Comentarios


Eram três jegues, moravam numa pequena fazenda, de uma pacata cidade do interior do Maranhão. O que se sabe é que em um belo dia eles fugiram. Seu Dono pôs-sê a procurá-los por toda a cidadezinha e a melhor informação que obteve foi a de que os distintos bichanos tinham conseguido uma carona num caminhão que seguiria pelo litoral, passando por algumas capitais nordestinas.

Iniciou-se a busca e o primeiro burrico não tardou a ser achado. Ele foi encontrado trabalhando numa MC Donald's em Fortaleza. Tudo corria muito bem até que o coitado descobriu a matança descarada que honroso estabelecimento gastronômico infligia aos animais quadrúpedes. Tomando as dores de seus pares, e para se vingar, começou a matar humanos e a deles fazer hambúrguer. Foi capturado e mandado de volta a sua terra natal.

O segundo jumentinho virou motorista de ônibus, em Salvador, e também não passou muito tempo foragido. Ele foi descoberto porque todos, digo todos, motoristas, cobradores, passageiros e pedestres, estranharam o modo extramamente correto com o que nosso maranhense dirigia, sem a menor infração ao código de trânsito. Uma investigação da Polícia Federal trouxe sua verdadeira identidade à tona. Segundo testemunhas, não ofereceu resistência na hora da prisão. Voltou para casa, por conta própria, mais triste e menos enfurecido.

O caso mais emblemático foi o do terceiro mulo. Os jornais noticiaram, veja bem, depois de seis anos apreensão de um jegue, assim e assado, na cidade do Recife. O bicho já estava, pode-se dizer, incorporado ao ethos da cidade. Assim que pôs os pés na capital pernambucana, o nosso herói arrumou logo uma vaga para tocar alfaia num grupo de maracatu. Daí para virar figura fácil no circuito cultural da cidade, foi pouco tempo. Era fácil vê-lo, da Rua da Moeda à Rua do Lima, do Abril pro Rock ao Coquetel Molotov. Formou uma banda para tocar nos festivais da cidade, ganhou dinheiro, tinha muitas fãs, vivia bem e tranquilo.

Você deve estar se perguntando que horrenda catástrofe rompeu tão bela calmaria. Pois é. O nosso burrico deu uma entrevista numa rádio local e, nela, afirmou que o "Los Hermanos é uma banda ordinária". Ordinária, explica ele: comum, trivial. Mas assim não entenderam os ouvintes da rádio. O fantástico jegue foi perseguido durante mais de trinta dias por uma massa de popcults. Eles ofereceram até recompensa, um fio de cabelo de Rodrigo Amarante, por uma informação que levasse à sua captura.

Foi no período dessa caça desumana (perdoe a infeliz piada) que descobriram que o famoso músico da cena pós-mangue era um simples jegue. É exatamente aí que o problema deixa de ser apenas dos popcults e passa a ser também da polícia, da sociedade, ávida por notícas, e de seu dono lá do Maranhão, que sonhava em ganhar dinheiro com um jegue famoso.

E foi isso que aconteceu. Tendo o jegue sido capturado e mandado de volta, seu dono começou a explorar a sua imagem e a cobrar quantias absurdas por entrevistas em rádios, programas de TV, jornais e revistas.

Numa delas, sendo ele indagado sobre as supostas vantagens de uma vida humana, o burrico disparou: "A vantagem de ser mulo é que ao encontrar China eu não preciso ser hipócrita e dizer a ele que seu som é bacana".


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Medo de fantasma

31.10.11 Castanha 1 Comentarios


A imaginação humana é a base de tudo que existe de fato; tudo que é concreto já foi abstrato. De tudo se cria depois que se imagina: maquinas de voar, casas, plantações, deuses, fantasmas e mortos que voltam. Criam-se livros, o que é mais absurdo, pois um livro é uma coisa concreta que serve para criar mais coisas abstratas. O chamado “Imaginário popular” funciona, penso eu, nesta mesma linha, que é uma das muitas linhas que tecem a complexa e infinita teia de tudo que se pensa. Sendo assim, às vezes me pergunto se aquilo que Seu Bil viu, viu de fato ou viu imaginado: Seu Bil acordou no meio da madrugada sentindo um forte beliscão, então acordou sua esposa perguntando “Ta louca Maria?! Me beliscando!” e Maria “Eu não!” então olharam ao redor na escuridão do pequeno quarto e virão um par de pés num canto do quarto; tinha alguém escondido atrás da cortina perto da porta, alguém que não era de carne e osso e nem deste mundo. Ignoraram o vulto mal assombrado e rezaram aos anjos para que não fossem mais incomodados até que voltaram a dormir. Tempos depois foram embora dessa casa e minha família foi para lá. Quando eu era criança dormi muitas vezes nesse quarto, nunca vi nada, mas sempre procurei no meio da madrugada, com medo, pés em algum canto do quarto.

Castanha 31/10/2011

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Camões

26.10.11 Joarez 2 Comentarios


Não é fenômeno antigo, é coisa de dois anos para cá, que Seu Paulinho começou a encasquetar com o pessoal do bairro que não fala o português dito correto. Na frente de sua casa, folgado na cadeira de balanço já velha, passa as tardes a cuspir nas fuças alheias o bom português, tal e qual um Professor Pasquale. Ouvir alguém dizer "pobrema" é o mesmo que sentir um arame penetrando minhas orelhas, diz Seu Paulinho. E o sujeito que diz "vrido"?, pouxa vida!, "vrido" é mais difícil que vidro, que é o correto, e ainda tem gente que teima em falar assim. Dona Nena, vizinha dele, passa por perto e cutuca, "Vamo brincar de deixar a vida dos zôto em paz?", no que Seu Paulinho emenda sem perder tempo, "Inclua o 's' no seu 'vamo' e pronuncie direito, separando o artigo da palavra: os outros, e não o's zôto'". Dona Nena passa, Seu Paulinho fica. Ele apaga seu cigarro, olha de lado, e comenta: "meus ouvidos dói quando ouço esse tipo de coisa", sem atentar ele que, não fazendo a concordância verbal correta, também está fugindo da norma culta da língua portuguesa, essa moça arrogante. A tarde segue mansa, vai embora sem ninguém se dar conta. Quando eu já estava partindo, na casa ao lado ouve-se alguém, em voz alta, chamar "Creide". Seu Paulinho dramatiza a cena, olha para cima com cara de contrariado. Tem a expressão de quem quer dizer alguma coisa, mas titubeia. Dois tragos no cigarro, um suspiro profundo, e, enfim, se abre: "Minha vontade era ter um cão grande e brabo, chamado Camões, que eu ia mandar atacar quem atacasse o português". Seu Paulinho, irritado, ainda repetiu essa mesma frase duas vezes, com uma ênfase que dava a entender que "o português" era gente de carne e osso.

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Duas mãos na multidão

26.10.11 Castanha 4 Comentarios


Na entrada da Ponte de Ferro. S, parou para observar o vendedor de antenas VHF, que com uma desenvoltura de um sermão da montanha vendia o seu “peixe” através dos olhos atentos dos expectadores que viam as maravilhas proporcionadas pela melhoria da imagem oriunda da antena, que convertia os transeuntes em telespectadores encantados pelos raios catódicos mais límpidos que as águas do Capibaribe sob seus pés. S, parou para ver também a novidade, pegou uma embalagem do produto e perguntou quanto custava, ao saber, continuo seu trânsito trôpego e sôfrego através do democrático sol que fustigava as moleiras.
A Ponte de Ferro era um arco-íris de novidades fixas e ambulantes, óculos escuros, cintos, celulares e chips, controles de TV, DVD, cadeados, miçangas e etc. depois de desembocar dessa esteira de ferro e concreto, “Ponte da Amizade” de uma cidade madrasta. S, chega a Rua da Imperatriz Teresa Cristina, colorida como o seu nome nobiliárquico que gestou o buço rosado de Joaquin Nabuco.
A rua da Imperatriz era um caldeirão étnico de cartões de crédito, vendedores de guloseimas, lanchonetes, lojas, panfletos entregues de mão em mão, ofertas de crediário e etc. S, ao ver todo esse frisson, deu um sorriso discreto e continuo o seu passo até uma multidão que se encontrava aglomerada diante de um grande balaio onde os vendedores de uma loja de calçado jogava de instante em instante sapatos de todo o tipo, como se estivesse dando algum tipo de ração. S, correu abrindo caminho em meio a multidão de braços que se acotovelavam para garimpar a sua perita em forma de alpargata, cujo imperativo categórico era a placa que dizia: 50% de desconto. S, não titubeou e saiu também à procura de seu sapato, como se fosse a Cinderela da Imperatriz.
Aquela altura os odores expelidos pelas axilas dos braços açoitados pelo sol de 33º era como se fosse o mercúrio dessa Serra Pelada do consumo, mas, S. era irredutível em busca do seu sapato, uma luta braçal em meio a multidão de braços, fez com que ele encontrasse um, depois de rodar o tabuleiro achou o seu par, era um par de tênis branco, um Adidas. Uma vez só com o seu achado. S, olhou pra ele e em seguida o arremessou de volta ao tabuleiro, depois seguiu o seu itinerário pela Imperatriz.

Por: Ascensorista Godofredo

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Pequenas coisas inofensivas

24.10.11 Castanha 1 Comentarios


Isso se passou no final dos anos cinqüenta num quartel do exercito em Jaboatão. Eram muito amigos, Cabo e Soldado, amigos de verdade. Brincavam. O Cabo sacava o revolver e apontava para o rosto do Soldado e, bem tranquilo, puxava o gatilho varias vezes. Pouco antes ele tirara as balas do tambor. Era como se brincassem com a sorte sem brincarem de fato. É o tipo de coisa que nos faz quebrar as regras por um instante sem que exista o risco de consequência. Mas, estas pequenas inocências também abrem brechas traiçoeiras e escorregadias. Num certo dia, tornando a brincar, o Cabo puxou o gatilho: Puxou uma vez, puxou duas, ia puxar de novo quando outro Soldado do lado falou “Não faça isso cabo, Deus pode lhe castigar” e o cabo respondeu “Não acontece nada, está descarregada, a gente sempre brinca assim” e dito isto apontou a arma para o chão e puxou o gatilho, em prova sincera de que tudo aquilo era inofensivo. A arma disparou... Restara uma bala... A última bala... Como pode?

Castanha 24/10/2011

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Não Tinha Mar

23.10.11 Joarez 3 Comentarios


É bem verdade que a nossa memória muitas vezes nos traz lembranças doces e aveludadas, tão doces e tão aveludadas, que chegam a ser, até mesmo, mais gostosas do que a própria experiência lembrada, na época em que foi vivida. Em que pese o enganamento que nós sofremos de nossa própria memória, não poderia ser apenas fantasia os dias que Maria passou naquela praia maravilhosa. Vá lá, tire aí uns dez por cento, não foi aquilo tudo, tá certo, mas que foi bom, foi. E foi em busca de reviver esses dias fantásticos que Maria arrumou emprego e começou a juntar dinheiro. Foram longos dois anos, vinte e quatro meses, setecentos e trinta dias, como queira. Privou-se de outras tantas viagens, de roupas de marca, de carro do ano, de noitadas nos bares preferidos, enfim, de muita coisa que lhe agradava. Nas férias de dezembro do ano de 2010 fez malas, pôs os óculos escuros na cara, rumou para sua felicidade. Chegando lá, quanta tristeza, não tinha mar, tinha Resort.

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O fluir do mundo

18.10.11 Castanha 5 Comentarios


Só Mamita conheceu o medo que ela sentiu quando descobriu, aos quinze anos, que estava grávida de um viajante que passava por ali. Ela sabia que teria sérios problemas se sua família descobrisse. Com medo, Mamita fugiu da cidade argentina onde nascera, crescera, engravidara e temera. Estava apaixonada por seu viajante uruguaio e a recíproca era a mesma. Vieram para o Brasil onde passaram o resto da vida. Tudo isso aconteceu a mais ou menos oito décadas. À primeira criança que colocaram no mundo, uma menina, deram o nome de Felicidade. Depois vieram outros filhos e cada criaturinha que ia surgindo construía sua história junto à história de outras e isso foi se desenrolando pelo correr dos anos e do mesmo jeito que Mamita e seu uruguaio sentiram medos e alegrias individuais nos momentos do coito e da fuga, cada uma dessas crianças também sentiu coisas que só a elas pertenceu. Tudo que sentimos fica em nós: compartilhamos quando falamos com os outros, mas a essência daquilo não sai de nossas entranhas e se alguém se comove ao nos ouvir então já está criando outra coisa com outra essência que por sua vez será só dela.
E se Mamita não tivesse fugido? E se o uruguaio não a ama-se também? E se ela não tivesse se entregado a ele por não serem casados? E se tivessem sido pegos na tentativa de fuga? E se? Tudo teria sido diferente para ela, para o uruguaio, para as crianças que talvez nem viessem a nascer, para mim que não teria ouvido e escrito essa história e para você, amigo leitor, que agora não estaria a lendo. E todos esses tantos e mais tantos sentimentos não teriam sido sentidos. Isso - ou a falta disso - não faria o mundo ser diferente, mas faria com que ele não fosse da mesma forma. É assim que funciona o fluir do mundo: entre cada segundo que passa e que é irreversível, e entre cada segundo que está por vir, sempre imprevisível, nós oscilamos entre o que fazer e o que poderia ser; e cada coisa pensada, dita ou feita influi no correr da vida, esse rio com nascentes no passado conhecido, mas imutável, e com desaguar de suas águas no futuro, sonhado, mas incerto.

Castanha 18/10/2011

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Um instante bem pequeno: Começo, fim e pós...

17.10.11 Castanha 2 Comentarios


O sujeito é ateu, ateu fervoroso, herança dos tempos do partido comunista e dos livros de filosofia que lia na adolescência. Sai de casa apressado, está atrasado, e pondo o primeiro pé fora do terraço escuta “Quem você acha que governa o mundo?”; era um desses tantos evangélicos que estão por aí pregando pra todo mundo, pra Deus e pro Diabo. O sujeito tinha saído de casa meio destrambelhado, já transpirando por causa da correria e topa com aquele sujeito de terno e gravata com tom arrogante de quem conhece a verdade, porém disfarçado por uma breve e falsa humildade. O sujeito olhou para o evangélico e, curto e grosso, mandou “Meu amigo eu não acredito em Deus e estou atrasado, o senhor não me leve a mal, mas não tenho tempo nem quero conversar”. Duas evangélicas que estavam pregando pra seus vizinhos olharam pra ele; os vizinhos também olharam pra ele; todos espremidos nas pequenas portas das pequenas casas em torno do pequeno pátio. O evangélico puxou um pequeno papel do bolso, um desses que traz mensagens religiosas e ofereceu pra ele, ele não recebeu “É melhor dar pra outra pessoa, eu não vou ler e vou jogar no lixo” disse, e mais “Vou indo” e saiu. Tinha se exposto à vizinhança; não que sua opinião fosse novidade, mas é sempre chato. Tinha se exposto aos evangélicos; isso também não é problema, mas seria melhor se não tivesse topado com aquelas figuras. Tinha ouvido aquela pergunta que pra ele é sem pé nem cabeça e tem mil respostas; não era a primeira vez, mas sem tê-la ouvindo de novo estaria melhor. Saindo do pátio sente que é seguido por muitos olhares. Caminha pela estreita e comprida passagem que leva à rua e já no final escuta “Quem você acha que governa o mundo?”, outro ouvinte era interrogado e a voz do interrogador persegue nosso amigo, personagem real desta crônica, até quando ele está bem perto da rua... Depois, me contando essa história, ele mesmo se ria de tudo. O pequeno instante acaba como começou.
Castanha 17/10/2011

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Nota aos leitores

17.10.11 Castanha 1 Comentarios


Entre a noite do ultimo dia 15 e a madrugada do dia 16 os escritores/membros desta fantástica produção literária, carinhosamente chamada de “FOI HOJE!”, compareceram à “VIRADA CULTURAL” evento Cult com cara de popular organizado pela prefeitura municipal da cidade do Recife. Este evento, portanto, teve o privilégio da presença destes ilustres jovens escritores que estão revolucionando o jeito de fazer literatura e que estão transformando os cânones – Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos etc. – em velharias antiquadas. Não estávamos, definitivamente, dispostos a comparecer, pois, somos avessos a sensacionalismos e bajulações, mas não conseguimos nos negar a aceitar o convite dos organizadores do evento e principalmente de nosso público leitor. Este momento foi importante para mostrar que também damos apoio ao fortalecimento da identidade local que tem sido divulgada pelo slogan “Pernambucanidade/Orgulho de ser nordestino”. Foi um momento lindo e que, certamente, deixara marcas na memória da cena recifense. Agradecemos o carinho do público e o convite dos organizadores.

P. S. Deboches à parte, nós tomamos um tremendo porre.

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Três Banhos

8.10.11 Joarez 3 Comentarios


Num dia chuvoso, pouco tempo atrás, sem distração razoável dentro das quatro paredes da minha casa, resolvi tomar umas cervejas, mesmo sem companhia. Tomei banho, peguei celular, carteira, e saí de casa. A cinquenta passos de distância da minha casa, um carro passa em alta velocidade sob um poça d'água, e me dá um banho de água suja. Relevo, essas coisas acontecem, sigo em frente.

No bar, peço uma cerveja. Verinho avisa, Só tenho Skin, meu caro. Por simples falta de opção, bebo ela mesmo. Pedi um espetinho, e fiquei me distraindo com quatro coroas que bebiam ao redor de um tamborete, que fazia as vezes de mesa. Do outro lado da rua, uma menina brincava com um gato, enquanto seus pais dançavam o brega agarradinhos, bucho-com-bucho, dando polimento à fivela do cinto.

Num dado momento, a menina segura o gato com uma mão e com a outra começa a jogar água sobre sua cabeça, "para tirar o grude", como ela mesma fez questão de dizer ao felino. Vendo o animal em apuros, muito chateado com a situação, atravesso a rua e digo para menina, como quem não quer nada, Daqui a pouco o bichinho pega um gripe, se continuar molhado assim. A menina entende o que eu quis dizer, pega um pano, e põe-se a enxugar o gato. Quando me viro para atravessar de volta a rua, uma moto passa por cima da mesma poça em que a menina estava há pouco, e me dá mais um banho de água suja.

Chego à minha cerveja, já quente, e bebo-a. Peço um cigarro a um dos quatro coroas que estavam próximos, e um deles me cede um que tinha o filtro vermelho cor de batom, doce, muito doce, mais doce que jujuba. O cigarro doce deixa a minha vida com gosto amargo, pago a minha conta, e rumo em direção à minha casa.

Já com a chave na mão, vejo, do outro lado da avenida, um amigo. Beirando a pista, grito de um lado, enquanto ele grita do outro, marcando uma cervejada para logo mais à noite. Quando tudo já estava esquematizado, e nós já nos despedíamos, pode acreditar, um carro passa por cima de uma poça de água suja e me um dá banho.

Dessa vez fiquei chateado, entrei às pressas em casa. Tranquei-me no quarto, e de lá não saí até o fim do dia, pois, uma pessoa que toma três banhos de água suja no mesmo dia, não pode, em hipótese alguma, estar em sintonia com o cosmos do universo, como diria meu amigo David.

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Reflexões antes da pausa para um café

7.10.11 Foi Hoje! 0 Comentarios




Para se produzir belas pautas é preciso organização e habilidade. Quando se tem fome e não se pode trabalhar, pede-se. Lucas é inábil e desorganizado, por isso não constrói belas pautas. É faminto, mas não sabe pedir nada.

Para avisar alguém sobre morte na família é necessário ter tato. Quando nasce uma criança e nela não há sinais de doença, agradecemos a Deus. Lucas nasceu e ninguém agradeceu nada, mesmo ele sendo são... É que seus pais não sabiam rezar.

Volta e meia alguém morre de acidente, uma queda, uma convulsão seguida de uma parada cardíaca. Volta e meia alguém nasce nesse mundo, uns são festejados outros não. Volta e meia Deus é mais uma vez solicitado: - Aí meu Deus, que demora!

São tantas pautas, tantas fomes, que os homens inábeis e desorganizados, como Lucas, sentem frio e medo e não sabem falar.

- Moça, por favor! Que demora, cadê minha xícara de café?
- Desculpe a demora senhor, com leite ou sem leite, senhor?
- Pinga só um pouquinho, só pra mudar de cor.
- Oi?! Como?!
- Nada não, deixa pra lá...


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UM FILTRO DE BARRO.

27.9.11 Foi Hoje! 3 Comentarios


Certamente chegaria a vez de acontecer com Fátima. Aos cinco anos de idade não conhecia a morte de perto e por vezes sonhava com um velório repleto de velas e senhoras com um rosário na mão, e lá, pelo terceiro mistério acordava, rodava a casa e vigiava o sono dos pais e dos irmãos, acalmava-se, estavam respirando. Não cobiçava a morte, mas temia sua visita inesperada.

Em um dia desses de vento seco, foi ao quintal saciar sua sede e sentiu o prazer que só sentem aqueles que bebem a água de um filtro de barro. Sorriu e espreguiçou-se. Era sábado não iria à escola, passaria o final de semana na casa de seu tio Zé Moreira, que lhe chamava carinhosamente de pitoco de gente, e que as escondida lhe dava doces e picolés seguidos de macios cocorotes na cabeça.

Na manhã daquele mesmo sábado sentiu que a tratavam diferente e seus pais ainda não haviam reclamado banho e dentes escovados à mocinha. Estranho! Pensou. Mas, se arrumou para a visita.

Ao subir da ladeira da casa de seu Tio de longe percebeu à porta, o entrar e o sair de pessoas ainda estranhas ao seu convívio, que se diziam da família. Nesse instante conheceu tias e tios, primos e primas de terceiro grau. Tentou por um segundo entender o porquê do “terceiro grau”, curiosa que era, no entanto, logo desistiu da empreitada, estava muito ansiosa e percebia que algo diferente estava acontecendo. Pensou em festa de aniversário, mas logo sentiu falta dos balões e da música e de súbito estremeceu, quando constatou em sua agenda colorida que o aniversário do Tio, ainda seria no próximo mês.

Fátima gostava mais das Imagens vivas. Era muito jovem para perceber que isso a destacava entre as demais crianças. Eram as imagens que criavam a exterioridade de sua imensa sensibilidade para com o mundo.

Ela cresceu bastante desde daquele dia e hoje, já sabe escrever e com muita lisura. É escritora. Contudo, continua incapaz de concluir em palavra ou em oralidade os minutos finais daquela triste experiência que tivera quando criança aos cinco anos de idade.

Não vai a enterros e velórios desde então, continua gostando de imagens vivas. Nesse momento está triste, morreu um grande amigo. Com o dinheiro da venda de alguns seus escritos foi à feira e comprou um filtro de barro. Recostada na varanda do apartamento, mata sua sede rememorando algumas imagens de seu amigo, mas só as vivas, só as vivas imagens.

Por: Pássaro Bege

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Inveja das latitudes alheia

27.9.11 Cabotino 3 Comentarios




“Eu vou me mandar de trenó
Pra Rua do Sol, Maceió”
Curioso como nós felizes tupiniquins, vivendo nesses tristes trópicos, sem pudor de mostrar as nossas vergonhas como diria lá o Sr Caminha, invejamos o frio e a neve dos países de climas temperados e glaciais. Será que esse nosso anseio climático está no horizonte de uma possível conquista civilizatória através da conquista de um habitus que calce luvas, use pulôver e que coma fundir acompanhado de vinho tinto?
Os meses de junho, julho e agosto são bem significativos para nós brasileiros no que se refere à mudança de papéis sazonais, uma espécie de micareta climática que usa cachecol e botas. São os meses que fazemos a desforra dos hemisférios, são neles que nós descontamos as promissórias do nosso sol gestante de 270 dias ao ano com uma taxa de juros na media de 30º Celsius dia, e o enviamos para o outro lado do hemisfério.
Neste período basta assistir qualquer noticiário para constatar como a nossa auto-estima se modifica, não temos mais as nossas vergonhas à mostra, estão sobre os nossos nobres tecidos da coleção outono inverno da grife Civilização. A chamada do noticiário aponta logo a novidade: nevou na serra catarinense, geada no Rio Grande do Sul e São Paulo vai ter a noite mais fria do ano. Daí surge o comentarista da metereologia, uma espécie de arauto do reino da felicidade glacial, apontando quais áreas serão contempladas com o IDH da neve, como se esta não passasse de água suja caída do céu e aquele um índice abstrato que não mede coisa nenhuma.
Descemos tão baixo não só nos termômetros como também em nosso senso de ridículo, estamos iguais aquelas garotas de 16 anos cuja pele já rosada é ressaltada pelo ruge, o exemplo disso foi uma cidade do sul do país que construiu ou importou (o mau gosto não tem made in) uma máquina de produção de neve artificial, para acalentar os anseios ávidos de frio dos turistas frustrados que se esqueceram de combinar seus cartões de crédito e suas máquinas fotográficas com a teimosa neve que resolva ficar encerrada no céu.
A falta que a neve nos faz chega às raias do absurdo quando se refere aos Festivais de Inverno das cidades do interior nordestino, sentir frio por esses rincões seria uma espécie de vingança agasalhada de nossa condição tropical e tétrica. Existe até uma cidade apelidada de Suíça pernambucana, acho que o mais próximo que chegamos do país onde poucas coisas começam, mas, onde muitas se desfazem é no chocolate dos restaurantes e nos relógios dos turistas.
Neste período do ano de temperaturas um pouco mais agudas damos o Bye, Bye, Brasil! E como no filme homônimo do Cacá Diegues, tentamos nos modernizar com os projetos, o clima, os cacoetes alheios e ficamos tal qual o Lorde Cigano (José Wilker) tentando fazer nevar no Sertão de nossa condição.

Por: Ascensorista Godofredo

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Tempos de Aridez

26.9.11 Joarez 3 Comentarios


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Chegou um tempo de aridez neste FoiHj. Não que as coisas não estejam mais acontecendo no dia de hoje, é que agora elas estão demorando a serem contadas. Quando são. Vide, por exemplo, o espaço de tempo entre as postagens dos nossos colaboradores, que, saliente-se, são muitos. Eu fico imaginando com o quê eles estão se distraindo, para deixar o FoiHj para depois. Alguns devem estar estudando. Outros, trabalhando. Ainda alguns, trabalhando e estudando. Uma outra parte, pouco numerosa, como a minha, deve estar aluada, andando vadiosamente por aí, se distraindo com o repetitivo balançar das folhas. Alguns goles de cachaça, alguns tragos na erva estranha, e deixamos o mundo correr, escapulir das nossas mãos. Segunda parece domingo, que, por sua vez, tem cara e jeito de domingo, que é antecedido por um sábado, etc, assim por diante... e, pimba!, os dias úteis são cada vez mais raros e escassos. Digo isso porque eu me distraí, dei vacilo. No momento eu escrevo para desaperrear, desestressar. O caso, resumido, é este: vim reimprimir o boleto de inscrição de um certo concurso, para fazer o pagamento da taxa de inscrição, porque foi hoje o último dia para efetuá-la. Abestalhei-me, o boleto só poderia ser reimpresso até às 13h00minh do dia de hoje, no horário de Brasília. No horário de Recife, eu acessei a internet às 16h00minh. Não deu para mim, me lasquei, perdeu prêibói. Agora estou aqui, me lamentando, digo, escrevendo: - é necessário trabalhar-se, na vida e no texto, mesmo sem inspiração, mesmo em tempos de aridez.

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LAMÚRIAS DE UM ESCRITOR NOTÍVAGO.

26.9.11 Foi Hoje! 2 Comentarios


O mal do escritor notívago é que nem sempre, com as cores do crepúsculo e o raiar do sol vermelho, amanhece o findar de um texto.

Por vezes – e vem acontecendo com freqüência – é nos arranjos peremptórios de meus escritos, que pimba, o sol surge na janela e é o texto, ainda um vespertino, logo abandonado pelo sono.

Durante o dia, tem o jornal, o trânsito, as crianças em recreio, a pausa para o cafezinho no escritório, o resultado do futebol, a briga da vizinha, os telefonemas e aí surgem, miseráveis, outros tantos temas querendo ser escritos.

À noite quando voltamos para casa anotamos tudo o que vimos no dia que passou e nos devotamos a um novo texto, esquecendo o da noite anterior inacabado.

Por isso temos esse aspecto cansado e essas olheiras fundas sob os olhos, menos por horas não dormidas e mais por fazer amor até mais tarde, sendo que o gozo nem sempre vem, fica guardado, jogado na gaveta de um armário antigo ou suspenso no disco rígido do computador.

Por: Coruja Felisberto de Carvalho.

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