O certo é o certo

26.6.15 Pássaro Bege 0 Comentarios


   Quando o vi colocando a carteira, os óculos de sol e o molho de chaves no repositório, já pensei: “maluco conhece maluco! Mas deixa ele passar da porta giratória, que eu dou o veredicto”. Pimba! O doidera carregava debaixo dos braços o livro-manual “Se saindo das butadas”[1] e não tardaria para que houvesse uma demonstração pública de sua erudição, à moda dos antigos lombreiros idealizadores deste que é uma espécie de vade-mécum universal. Aliás, sentado, depois, ao meu lado, pude perceber que a sessão do livro-manual que possivelmente ele vinha lendo, no 5603, era a intitulada: “O certo é o certo!” Tive certeza disso depois do desfecho de sua atuação, quando ele olhou pra mim e disse “Que nada!”, risonho, “O certo é o certo, né não, Grande?!”, isso logo após ouvir um “Olha aí, já paguei a conta e tu ficou aí, otário!”, que uma Galega soltou quando saía. Naquele instante, em mim, nasceu uma empatia inefável, a qual o meu olhar se encarregou demonstrar-lhe.

Sua tese: escolhera aquela agência por conta do movimento baixo e também por ser perto da praia, próximo ao Busto de Tamandaré. Rolava um mergulho depois, final da Epitácio, orla de Cabo Branco e, tratando-se do Banco do Brasil, calculou: “Não é começo e nem o final de mês, por acaso. Só deve ter uma ou outra madame pagando boleto aqui e, de quebra, vai ter água e cafezinho lá dentro... Mas preciso evitar os meus modos horrendus, que esse povo deve ser frescurento demais.” Dito e feito. Passando da porta giratória, pegou a senha no “bicho” lá e foi direto encher sua garrafa, da Sublime de 500ml, no gelágua do Banco, não sem receber os olhares reprovadores do gerente da agência, menos pelo gesto, que pela água que deixou cair no chão. “Caralho, que merda, foi mal aí!” A amiga da galega, uma morena, que estava ao meu lado, disse logo ao ver a água esborrar: “Que bichinho selvagem, aff!”

   Ele possuía a senha C207 e no painel, já haviam chamado a C202, o que corroborou sua tese da escolha da agência, ao mesmo tempo em que causou-lhe um acesso de ansiedade, curado com um Free suave, numa saidinha do banco. Após fazer fumaça e voltar, a senha no painel já era a C204, fato que o fez perguntar aos presentes: “E aí, galera! A minha é a C207, e a da vocês?” Depois de uns 20 segundos de silêncio, ele só ouviu minha voz: “A minha é a C206, velho, já a C205, sei não...”. Depois disso, ciente de que não haveria necessidade de perguntar novamente quem então possuía a C205, ele se levantou da cadeira e foi pra frente dos caixas.
Provavelmente, nessa hora, ele lembrou de uma das subseções do capítulo “O certo é o certo”, em que se expressa:


1. Se, ao perguntares a senha em um fila de banco, não obtiveres resposta satisfatória, levanta-te e andas até o Caixa. Posto ser certo que haverá alguém querendo furar a fila e deves mobilizar-te para sairdes desta butada feiosa presente na terra derna que o mundo era menino.  

Parágrafo único: Não faça mugangas extremas.
  

   E num era que ele estava certo! A galega ao meu lado e a morena do “Que bichinho selvagem, aff!” foram em direção ao caixa juntas, cada uma segurando uma fatura e uma cara de pau caricata, digna daquelas meninas de Malhação que são escaladas, do nada, pra fazer figuração no núcleo principal de uma novela das 23h, de baixa audiência, na Globo. Ridículas, demonstraram medo e uma extrema impaciência quando no painel pintou a senha C205. Ao se dirigirem ao caixa, olhando pros lados, perceberam que meu amigo estava de pé, firme, esperando a hora certa de intervir. Quando a morena, a dona da senha C205, já ia puxando a galega para pagar a fatura dela, ecoaram as seguintes sentenças no BB: “Êpa, como é isso aí! Qual a senha dela? Ela é a C206? Senão, é para chamar a C206!” Mais uma vez, um silêncio de uns 20 segundos se estabeleceu na agência, depois, ouviu-se uns resmungos da morena com o rapaz do Caixa: “Ela é minha amiga, é só uma fatura da Thiago Bolsas que ela quer pagar, e só!” “Deixa ela passar na frente, moço, por favor!”, implorou baixinho. E em seguida, bradou meu amigo: “Não, não, não e não, o senhor sabe que não pode, viu! O senhor sabe que não pode!”, e o caixa, olhando pro Segurança que fazia menções de sorrir da situação, concordou: “Realmente, não pode senhora! Ele está certo! A senhora deve pegar outra senha para ser atendida, não posso fazer nada a respeito, me desculpe!”
Daí, 10 segundos depois, no painel, a Senha C206 piscou em letras garrafais, e eu agradeci ao meu amigo de guerra: “Porra, meu velho, muito obrigado, se garantiu, valeu mesmo!”

   De resto o que eu tinha pra pagar era tanta coisa, que deu tempo da galega pagar sua fatura no caixa eletrônico e soltar a pilhéira, que mencionei lá no início, “Olha aí, já paguei a conta e tu ficou aí, otário!”.  Mas, não importa porque o certo é o certo. Ah! o certo é o certo!  
       





[1]O livro-manual “Se saindo das butadas”, paradoxalmente, é um Best-seller que jamais foi publicado. De linguagem universal, orienta diversos malucos (as) no mundo inteiro a não entrarem em roubadas em suas andanças cotidianas. Um escritor e documentarista recifense, Cobra Norato, tem planos de desenvolver o “Se saindo das butadinhas”, versão infantil e ilustrada do livro-manual. Faço referência ao "Se saindo das butadas" em outro texto, intitulado: “Diálogos flácidos para acalentar bovinos” 




0 comentários:

Crônica da Cidade de Gramado, Rio Grande do Sul

24.6.15 Foi Hoje! 0 Comentarios


Arquitetura alemã, romance, frio, hortências, pessoas educadas e elegantes, bares e lojas aconchegantes, chocolates aos montes de todos os formatos, sabores e cores, floreando ainda mais o clima de romance da cidade, sobretudo no outono. É uma cidade cara, como toda cidade turística, tanto que o mix de Fondue quase me fudeu. Mas, nada vai apagar da minha memória o requinte e o romance daquele jantar. As ruas sem semáforos mostram a importância que os condutores dão aos pedestres, o banheiro público é absurdamente limpo, as pessoas jogam moedas nas fontes, emulando a fonte dos desejos, difícil encontrar alguém de mau humor. Aliás, não há mau humor em Gramado, o clima e a beleza do lugar não te fazem lembrar das contas atrasadas ou de qualquer coisa que te faça franzir a testa. Conheci o palácio dos festivais, o cinema de Gramado, onde todos os anos ocorre o Festival de Cinema de Gramado, que, esse ano, em agosto, irá para a 43º edição - assisti e me diverti com Velozes e Furiosos 7. O romantismo da cidade é imponente, as praças e os coloridos das flores nos remetem automaticamente a algum filme do Woody Allen -  por vezes me senti em Meia Noite em Paris ou em A delicadeza do amor, de David e Stéphanes Foenkinos... um lugar para os encontros da vida e um cenário perfeito e propulsor de uma linda história de amor.

Kleyton Rezende

0 comentários:

Resquícios de um dia chuvoso na loucura de um residente

23.6.15 Foi Hoje! 0 Comentarios


Oh! Chuva / Eu peço que caia devagar / Só molhe este povo de alegria / Para nunca mais chorar  -  Planta e Raiz

   Bom Dia! Ah se fosse um bom dia! Aqueles dias ensolarados, nos quais você acorda hiperativo, querendo correr toda a cidade, ver os locais mais belos, mandar uma mensagem de amor para a sua amada e dizer que a vida tem que ser vivida. Esse dia não se passa atualmente, pois vivo uma nostalgia de quando amava algo de forma mais sincera, de quando não era tão cético e minha vida tinha mais sentido. Um dia como este, no qual essa cidade tropical acorda melancólica, com seu céu cinzento e as pessoas ao meu redor, trancadas em seus quartos, presas em seus pensamentos e nos seus mundos de alucinação -  nos quais nem Deus deseja entrar... Essa angústia de viver em meio a vários animais com codinomes estranhos, cores diferentes, seus jeitos rebuscados, os quais me assustam todo dia e me deixam preso em um calabouço de um castelo triste. Isto me faz ficar mais forte, resistir a uma vida angustiante na qual todos sabemos que iremos morrer, mas queremos deixar o nosso legado. Legado esse que eu espero que seja de uma relevância maior que o capital e a riqueza que muitos irão construir. Eu espero que esse legado seja uma vida mais humana, com pessoas mais sentimentais, que possam chegar e nos dar um abraço e dizer: "Por mais que o dia esteja melancólico, a sua vida tem sentido e você é muito importante para mim!"

Luiz Neto

0 comentários:

Ressaca: uma ode à longevidade etílica

21.6.15 Unknown 0 Comentarios


"Quem não bebe, não vê o mundo girar! Faça da jaca sua pantufa".
    A luz entrando pelas retinas e cortando como faca afiada, os sons do dia martelando a cabeça como se esta fosse um prego, a dificuldade em raciocinar, a sede eterna, a total indisposição para qualquer coisa que não seja não fazer absolutamente nada. 
   A ressaca é como a quarta-feira de cinzas: ingrata e chega depressa. Receitas para evitá-la não faltam, algumas mais, outras menos eficazes, levando-se em consideração a quantidade de álcool ingerida como o critério para validá-las ou não. Mas, qual seria a melhor forma de evitar a ressaca, senão não beber? Acontece que para muitos de nós não beber não é uma opção. Se metabolizamos o álcool tão bem, por que não fazer uso desse recurso biológico, que está mais para dádiva, que para ferramenta fisiológica?     
   Pois bem, contrariando toda a indisposição, tão cara a essa situação pós-etílica, cá estou, ressacado, a escrever sobre essa implacável contingência do "levantamento de copo". E quem disse que ela é de todo ruim? Aliás, quem diz isso, provavelmente, na noite anterior voltou só para casa. Porque quem tem alguma memória da noite anterior, ainda que ínfima, mas ali nebulosamente intacta, aquela lembrança lasciva... quem tem do que lembrar lidará bem melhor com esses sintomas. É a chamada "ressaca boa". Nem todos têm o privilégio de conhecer a ressaca por essa perspectiva, só um espírito bon vivant é capaz de vê-la com esses olhos... olhos de ressaca, olhos de Capitu. Somente essas almas boêmias são capazes de extrair "o de bom" de uma ressaca. A ressaca é amante ingrata, mas que só manifesta sua ingratidão no pós-coito. Que assim seja! O "pós" já diz muito do sorriso, mesmo que mirrado, que irá estampar o rosto de quem tem o que lembrar da noite passada. Há os que juram diante da cruz, "jamais beberei novamente", que tem verdadeira fobia de ficar outra vez de ressaca, que tentam evitá-la a todo custo, fazendo uso daquelas receitas que já mencionei ali no começo dessa prosa. E tem quem a aceite "de coração", quem compreenda o princípio da inevitabilidade inerente ao day after
   Mas, afinal, quão não seria incompleta, opaca e sem graça a experiência de beber, se nunca ficássemos de ressaca? A ressaca nos torna longevos na arte da bebedeira, sem ela, o que garantiria a nossa longevidade etílica? Em outras palavras, por que beberíamos com certa frequência, até a velhice, se não houvesse qualquer consequência? Que graça isso teria? A ressaca nos lembra que somos mortais, finitos, que devemos aproveitar a dádiva de sermos capazes de metabolizar o álcool, com certa parcimônia, "enfiar o pé na jaca", mas dar o tempo necessário para que o organismo se recupere para a próxima empreitada etílica. Sem ela, beber seria apenas um ato banal, desprovido de seus significados culturais: o ethos ritualístico de quem se confraterniza com o outro, de quem afoga suas mágoas, que chora a perda de um grande amor e curte a dor de cotovelo. Sem a ressaca, todos nós seríamos Baco e Dionísio

0 comentários:

Palhares

14.6.15 Unknown 0 Comentarios


      O Palhares olhava para uma foto sua na escola, em preto e branco, de quando pequeno, e pensava que um nome sério e estranho como o seu não combinava com o rosto carinhoso e meigo da criança que via na imagem. O Palhares tinha nome de personagem rodrigueano, e sabia disso, mas o estranhamento só lhe ocorria agora, não quando novo.
     De fato, sempre achou seu nome muito natural, semelhante ao das outras crianças. O que favoreceu isso foi fato de ele ter estudado grande parte da sua vida num colégio militar. Nesta instituição, as crianças eram chamadas pelo último nome, às vezes pelo do meio, nunca pelo primeiro . Ora, pelo último nome ninguém é normal. Assim é que, na infância do Palhares, todo seu círculo de amigos tinham alcunhas que podiam estar facilmente num romance rodrigueano: Da Paz, Cardoso, Bezerra, Nascimento, Assis. Essa fauna taxonômica incomum fazia com que o Palhares se sentisse plenamente integrado, muito bem à vontade, sem um vestígio de diferença.
     A única pessoa que tinha um nome, digamos, mais corriqueiro, era Antônio, o coordenador da escola. Coordenador, em escola militar, é eufemismo para designar aquele sujeito que tem como incumbência vigiar, perseguir, delatar e punir os estudantes. Com funções "pedagógicas" tão inglórias, Antônio só podia angariar a antipatia dos alunos. Com o Palhares, não era diferente, ainda mais porque ele já tinha sido classificado por Antônio como uma criança que tem "problemas com autoridade".
         As relações entre Palhares e Antônio foram estremecendo à medida em que o primeiro se descobria na literatura erótica. Palhares começou com "Trópico de Câncer", de Henry Miller; depois passou para "Bonitinha mas Ordinária - Engraçadinha, seus amores e seu pecados", de Nelson Rodrigues; descobriu a maestria de Sade com "Os 120 Dias de Sodoma". Os livros iam sendo confiscados pelo coordenador Antônio, um a um. O mesmo se sucedeu com "Lolita", de Nabokov, e "Mulheres", de Bukowski. O desentendimento dos dois chegou ao paroxismo quando Antônio flagrou Palhares se masturbando no banheiro da escola; nas mãos, o texto "A História de O", de Anne Desclos. O episódio culminou com a expulsão do Palhares da escola.
       Palhares, no entanto, nunca se distanciou deste gênero de literatura, o seu predileto. Dos mais recentes, gostava muito dos já clássicos "Travessuras de Menina Má", do Vargas Llosa, e de "A Casa dos Budas Ditosos", de João Ubaldo Ribeiro. Tão profunda intimidade com este tipo de leitura, fez de Palhares um potencial escritor, fato que se consumou no seu quinquagésimo aniversário, com o lançamento de um texto que poderia ser descrito como um projeto de vida: "Cartilha da Boa Educação: minetes e felações". O livro narra história de um grupo de estudantes que acha no quintal da escola onde estudavam um "manual" que prescreve como deve se dar o bom relacionamento entre os estudantes, e destes com a sociedade como um todo - justamente, através da prática sexual sem pudores. O personagem principal, Antônio, cativa por viver essas experiências de maneira muito intensa.
        O livro tinha tudo para ser condenado como "literatura de mau gosto", e já estava neste caminho, pela má receptividade que se deu em alguns espaços acadêmicos. Mas tudo mudou quando um crítico renomado saudou a obra como a "reinvenção do erotismo brasileiro", e a colocou dentre os melhores do gênero na literatura universal. A partir daí o campo literário cedeu através de um estranho efeito dominó, e as instituições e eventos literários passaram a conceder inúmeros prêmios e honrarias a Palhares, que andava pelo Brasil a fazer oficinas, conceder entrevistas, dar palestras. Palhares não deixava de se divertir com a aquiescência quase bovina do público literário mais culto, que há seis meses estava prestes a lhe atirar pedras, e agora pedia autógrafos com um sorriso parcimonioso nos dentes.
      Palhares aproveitou o quanto pôde seu momento de intelectual pop. Colecionou uma série de amizades e juntou dinheiro suficiente para um bom tempo de descanso e uma nova empreitada literária. Contudo, o momento mais saboroso desse processo foi a palestra que Palhares deu a estudantes de sua antiga escola militar, que, sempre muito íntima da classe média da sua cidade, acompanhava também seu gostos e modismos. Falou o quanto pôde, divertiu a plateia, deu indicações de literatura e de comportamento, tudo sob o olhar atento do ainda coordenador Antônio. Na hora da foto final, com os pais, estudantes e diretores da escola, não deixou de sentir um gosto de vingança e vitória na boca - escorrendo como um filete de sangue entre as gengivas.




0 comentários:

O caso Pirilópolis

14.6.15 Unknown 0 Comentarios


   Enredo clássico: um herói, o mocinho que vai ao salvamento da donzela em perigo, resgatá-la das garras do vilão maléfico. O casal do fim da história é o ideal de beleza e bondade encarnado, enquanto que o vilão, recém-derrotado, caído no chão, é a mais pura representação da maldade encarnada. Esteriótipos e maniqueísmos. Não pense você que esse enredo caiu no desuso, por não contemplar mais os anseios da ávida e calorosa plateia. Muda-se um tantinho aqui e acolá a história, mas é apenas variação sobre o mesmo tema... e como parece inesgotável! Oscar Wilde disse certa vez - ou pelo menos a frase é atribuída a ele - "a arte não deveria ser popular, o povo é que deveria ser artístico". Não sei se concordo totalmente com o sr. Wilde, mas tendo a eventualmente pender para o seu lado, nesse quesito. Bom, depois desse prólogo e antes que eu entre no eterno debate do "papel da arte" - se é que ela tem um papel -, pois, meu cadáver começaria a se decompor, não sobrariam nem os ossos pra contar a história e ainda assim, o tema não se esgotaria... antes disso, vamos ao causo de hoje. E de antemão vos aviso, a nossa história não se parece em nada com essas de que falei ali.
O "herói" da nossa história chama-se Ubaldo e mal sabia ele que sua vida estava prestes a guinar por completo.

"Viagem à Lua" do diretor George Méliè.
   Pirilópolis era uma cidadezinha, dessas típicas dos folhetins e telenovelas, onde a moral prevaricava apenas no apagar das luzes, quando ninguém estava olhando, como se diz. Sua rotina era de entediar os entediados, o tempo era quase cíclico e não havia maior evento que a tradicional quermesse de domingo, salvo exceção, quando baixava por aquelas bandas um circo "tomara que não chova", com um parquinho de diversões a tiracolo, de brinde. Pois, bem. Ubaldo nascera e crescera em Pirilópolis e de lá nunca tinha saído. Quando criança sonhava em ser astronauta, depois que viu na única tv que ficava na praça principal da cidade, a chegada do homem à lua. Era o fã número um da cidade do seriado Jornada nas Estrelas. Toda terça, no fim da tarde, estava lá de plantão, em frente a tv, aguardando pelo mais recente episódio. Na escola e nas andanças pelos descampados da região, brincava de viajante do espaço e sempre "era" o Capitão Kirk. As parcas revistas de entretenimento, que chegavam à única banca da cidade, sempre passavam por seu olho ávido e explorador, desbravador, à procura de alguma menção ao seriado, ou fotos de KirkSpokDr. McCoy ou da Tenente Uhura. Ah! A Tenente Uhura... sua face ruborizava só de pensar na Tenente, em seu terninho da frota estelar...
   Ubaldo foi um aluno aplicado, sempre o primeiro da turma, afinal, sonhava em pilotar os ônibus espaciais da NASA e se não se esforçasse bastante, não passaria nem da cancela da entrada da cidade. Mas, o caso é que antes mesmo de concluir o antigo primário, Ubaldo precisou trabalhar para ajudar seus pais. Era o filho mais velho de nove irmãos e acabou descobrindo da pior maneira que este seria seu fardo para o resto da vida. Seu pai faleceu quando tinha 16 anos e sua mãe já não enxergava direito por causa da catarata. Assumiu desde então a condição de provedor do lar. Trabalhou como empacotador e carregador, a princípio, na mercearia de Seu João Biriba e praticamente tudo que ganhava entrava em casa, sobrando pouco ou quase nada para si mesmo. Após três anos chegou a gerente da mercearia, mas a proporção do seu salário que ia para o sustento da casa, continuou a mesma: quase tudo para a casa, quase nada para Ubaldo. Josinaldo, Plínio, Ronaldo e Bartira, os mais velhos depois de Ubaldo, respectivamente nessa ordem, também trabalhavam, mas o que ganhavam, mesmo juntado tudo, chagava só à metade do que Ubaldo ganhava na mercearia. Portanto, o "grosso" do sustento da casa sempre veio de Ubaldo. Os outros quatro irmãos mais novos dependiam totalmente daquela renda para comer e vestir. 
Mas Ubaldo não encarava sua condição como um fardo, ainda que fosse assim. Orgulhava-se de poder cuidar de sua família, entendia aquilo como uma herança de seu pai. E foi levando a vida... e o sonho de explorar o espaço foi ficando cada vez mais distante. Já não ia mais às terças na praça, assistir a Jornada nas Estrelas. Que triste fim para Ubaldo, não!?
Mas não, o nosso causo não acaba aqui, assim dessa maneira.
   
   Ubaldo já estava com seus trinta e tantos e nunca tinha casado, viajado para a capital, tido um relacionamento que durasse mais de um ano, nem sequer chegou a sair de Pirilópolis, consequentemente, não se tornara astronauta. Continuava como gerente da mercearia de Seu João Biriba e cuidando da educação dos irmãos mais novos, que agora estudavam, sete deles, na capital. Ubaldo mandava o dinheiro para ajudá-los nas despesas, mas todos trabalhavam de "boys" em escritórios, com exceção de Bartira. Essa tornara-se gerente executiva de um grande banco da região e viajava o país inteiro, representando a instituição. Ela ajudava nas despesas com os outros irmãos e Dona Teresa, que já estava velhinha e praticamente cega, dependia completamente de Ubaldo, que assumira também a função de pai de sua mãe. A ajuda de Bartira se resumia a mandar o dinheiro no fim do mês. Apesar do rumo que sua vida tomou, distante da sonhada exploração do espaço, Ubaldo sentia-se feliz ao lado de sua mãe, em Pirilópolis. 
   Uma noite dessas, no final do expediente, finda a contabilidade do apurado do dia, Ubaldo fechou a mercearia como sempre fazia, passou na padaria, comprou os pães para a janta e rumou para casa. Aquela noite estava especialmente estrelada e vieram à sua mente as memórias dos episódios de Jornada nas Estrelas. Aquela vez em que Spok, apesar de ser um vulcano (raça alienígena extremamente racional), tradicionalmente frio e não afeito aos sentimentos humanos, demonstrou imensa humanidade; aquela outra vez em que a Tenente Uhura fora protagonista do episódio da semana, deixando Ubaldo tão ruborizado ao vê-la por tanto tempo na tela, que suas bochechas mais pareciam duas pimentas malaguetas; e teve aquela vez em que pensava-se que o Capitão Kirk havia morrido, mas ele reaparece no fim da história com um plano engenhoso, explicando como forjara sua morte. Enquanto estava caminhando pelos descampados, olhando para as estrelas e perdido em seus pensamentos, de repente, cruza os céus um feixe de luz tão intenso que chegou a cegar Ubaldo por alguns segundos. Ao recuperar a visão, Ubaldo sente o estrondo. Algo havia caído do céu e caiu em Pirilópolis e estava bem à sua frente, a cerca de cem metros, para ser mais preciso. 

"Já chegou o disco voador" - Chaves
se referindo a 
Seu Barriga.
  Apesar de estar assustado, na verdade, quase terrificado de susto, Ubaldo não conseguiu conter a curiosidade e aproximou-se do local da queda do objeto, lentamente. Ao chegar na margem da enorme cratera que se formara no chão com a queda do objeto, viu que não se tratava de um asteroide, parecia-se mais com um satélite. No local da queda, na cratera que se formara, a temperatura estava alta, inclusive a areia no chão estava quente como areia da praia ao meio-dia. Ubaldo desceu pela ribanceira da cratera, com cuidado para não encostar em algum pedaço em brasa que se partiu do objeto durante a queda. Quando chegou bem perto, e já era possível visualizar melhor de que se tratava, percebeu que não parecia com nenhum satélite que já tinha visto nas revistas, livros ou na tv. Seu coração palpitava a ponto de quase sair pela boca, mas não conteve o ímpeto: pegou seu casaco, enrolou na mão para não se queimar, e tentou abrir o objeto, pensando ser tratar de uma nave espacial e que seria o primeiro habitante de Pirilópolis a fazer contato com vida extraterrestre. Tentou com todas as suas forças abrir o que pensava ser a "cápsula" donde sairia um ser verdinho à espreita. Não obteve sucesso nas primeiras tentativas. Até que quando já estava para desistir e ir atrás de um pé de cabra em casa, para abrir a "nave" ouviu um estalo. Em seguida, um vapor quente saiu do objeto, no que Ubaldo afastou-se num sem-pulo, assustado. A "cápsula" se abriu e um vórtice de ar tragou Ubaldo para dentro. 
   Até hoje não se tem notícia de Ubaldo. O caso foi abafado pelas autoridades locais e pelas nem tão locais assim e se o tal objeto não identificado foi confiscado, levado para alguma base do exército, ou se nunca foi encontrado, ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que o objeto não identificado que caíra dos céus em Pirilópolis, continuou assim, não identificado. Relatos de pessoas que viram o clarão e algo caindo, deixando um rastro de luz no céu, se multiplicaram aos montes. Logo, os boatos sobre uma possível abdução de Ubaldo, ou que ele teria aproveitado o caso para fugir da vida que levava em Pirilópolis, também se espalharam e, inevitavelmente, acabaram chegando aos ouvidos da inconsolável Dona Teresa. 
   Para surpresa de todos, quando ninguém mais esperava, um fato novo acabou por chamar mais a atenção dos moradores de Pirilópolis que o misterioso desaparecimento de Ubaldo. Uma semana após o ocorrido, Dona Teresa voltou miraculosamente a enxergar e estava completamente curada da catarata, mas em compensação, nunca mais disse uma palavra. Dona Teresa agora passa as noites olhando para o céu estrelado de Pirilópolis, da sacada de sua janela, na esperança que um dia seu filho volte para lhe buscar.

0 comentários:

Matando o tempo I

11.6.15 Cabotino 0 Comentarios


Sabe aqueles dias que você acorda prostrado? Aqueles que você diz entrementes: “O que porra estou fazendo aqui?”. O banho, mecânico. O trabalho, mecânico. A boca não distingue o feijão do arroz à hora do almoço. E o dia, em seus estertores, demora a morrer – num arrebol tediosamente moribundo.

Uma apatia de aço envolve seu ânimo. Não vale a pena investir numa cantada. As mulheres são estranhas porque sua autoestima está um grau acima da de Bartleby – o incorruptível escrivão de Herman Melville. 

Pois é, esse foi o estado das coisas em que me encontrei hoje.

Voltei para casa, uma pilha de pratos do tamanho do meu tédio esperava-me, sorrindo com seus dentes de vidro e alumínio.

Para o tédio, dedicação e disciplina. Isto é, são os torniquetes que estancam a dissolução pela apatia. 

Mãos à obra.

A mecânica dos gestos, paradoxalmente, é o antídoto perfeito para a rotina acachapante da vida pequeno-burguesa.
Sabão na esponja de pratos (fim de mês não é para detergentes, apenas os fortes sobrevivem) e na mimese aprendida com minha mãe: copo com copo, talher com talher, prato com prato, panela com panela, sem acumular nada na pia. Ensaboou, enxague.

A técnica é o oxigênio da rotina.

Aos poucos, os resíduos desciam pelo ralo – esse "olho" assustador como nos ensinou Alfred Hitchcock. Lá estavam: restos de suco de beterraba, sementes de laranja, frigideira com marcas de ovos mexidos, pratos encrostados por leves camadas de feijão com farinha, panela com arroz queimado ao fundo. 

Lentamente, a louça soltava os resíduos de alimento através dos seus “poros” de vidro e alumínio, em virtude do repetitivo movimento do meu braço direito – esponja, sabão, movimentos circulares e água –  não há sujeira, nem tédio que suporte.

Em sentido horário, a água descia pela tubulação levando os resíduos de alimento misturados à glicerina do sabão e à apática miséria do cotidiano.

Enquanto a água escorria da esquerda para a direita – invariavelmente abaixo do Equador –, eu joguei o tampão de inox da pia sobre a água. Paulatinamente, o objeto seguiu o transcurso da água, descrevendo círculos cada vez mais concêntricos à medida que a água reduzia seu volume na pia. 

Por fim, o tampão encaixou-se perfeitamente em seu orifício na elegância de quem põe a peça num xeque-mate. 

Foi uma das coisas mais bonitas que vi na vida.

0 comentários:

Firme no Concreto

10.6.15 Unknown 0 Comentarios


"Puddle" ou "A Poça D'Água" -  Xilogravura de Escher.
   Da abstração à concretude, parece que ao longo da vida, quanto mais se envelhece, mais concretas ficam as ideias, o olhar diante do mundo. Era essa a impressão de Firmino. Do alto dos seus 58 anos, poucas eram as abstrações a que se permitia. Volta e meia, escapulia um pensamento abstrato perdido, ali, vagando sem rumo, em meio à concretude neural das estradas de sua mente. Vias expressas de razão, objetividade e funcionalidade. Essa era sua autoimagem, enxergava a si mesmo desse jeito. Não era algo tão sofisticado assim, a imagem, ipsis litteris, mas fosse como fosse, essa abstração de concretude lhe escapulia. Afinal, como já dito, o espaço ali naquela cabeça era do concreto, sobrava pouco para a abstração.
   Uma vez, quando passava em frente ao supermercado do bairro onde morava, viu um grupo de crianças que "pedia" na saída do estacionamento e de bate pronto procurou à sua volta por um adulto que, de longe, estivesse "no comando", puxando as cordinhas dos moleques, persuadindo-os a fazer aquilo. Sua busca foi em vão. Intrigado e disposto a "investigar o caso" aproximou-se das crianças. Eram quatro, todos aparentavam ter entre oito e dez anos de idade. Pensou consigo, enquanto caminhava naquela direção, "são tão robustos e bem apessoados esses meninos... não podem estar realmente passando por necessidades... estão ali apenas pelo hábito de pedir", decretou. Ao chegar na calçada em que estavam as crianças, indagou-as se elas não tinham casa, por que não estavam na escola e onde estavam seus pais. Não é necessário dizer que, como no dito popular, "como o diabo foge da cruz" os guris deram no pé, rapidinho. Firmino sentiu-se realizado. Havia sido útil para aquelas pessoas que ali faziam suas compras, que trabalhavam arduamente para se suster, e não queriam ser incomodadas. Mas, eis que entra em cena uma abstração que escapuliu ao controle de qualidade concreto de seus pensamentos. A consciência de Firmino estalou. "E se aquelas crianças estivessem ali pedindo porque realmente necessitavam?"... "Eu posso ter sido injusto". 
   O mérito era um dos lemas que regiam a vida de Firmino. Afinal, sua rotina o embruteceu e sua sensibilidade foi se enfraquecendo até ficar na UTI da alteridade, em coma profundo. Mas a Meritocracia, a deusa a quem Firmino venerava, titubeou um segundo. Voltou para casa naquela noite com essa ideia fixa, de procurar os moleques no dia seguinte, para melhor investigar a história e, se estivesse enganado em seu julgamento, tentar se redimir de alguma forma. 
   Já fazia duas semanas e Firmino não havia encontrado os guris em canto algum da vizinhança. E olhe que quando ele botava uma ideia fixa na cabeça, era ruim de nego tirar. Procurou por todas as esquinas e nada. A culpa rodeava os passos de sua busca. Até que depois de muito procurar, desistiu. Decidiu abandonar aquela ideia fixa, pelo menos por ora. Tudo que podia ter feito para encontrá-los ele fez, afinal. Caso o acaso ajudasse, os encontraria por aí. E não é que o destino dele era encontrá-los novamente!? 
   O expediente na obra já estava para se encerrar e Firmino, mestre de obras, era sempre o primeiro a chegar e o último a sair.  "Não dou meu direito a ninguém", pensava quase que "em voz alta". Quando as máquinas foram desligadas e os funcionários foram saindo um a um, até que só sobrasse Firmino, subiu ao sexto piso do prédio inacabado, pelo elevador de obra, travou a alavanca e desceu para verificar se estava tudo em ordem. Fazia isso todos os dias, andar por andar, desligava as luzes, despedia-se do vigilante e ia para casa. Na inspeção do sexto andar, notou que um carrinho de mão estava muito próximo da área limite de segurança e logo foi corrigir a "cagada" de quem deixou aquele carrinho ali, que seria repreendido no dia seguinte. Foi quando ouviu um som do que parecia ser uma criança chorando um choro comedido, quase que imperceptível ao ouvido mais desatento. Achou aquilo no mínimo estranho, mas logo pensou que alguma criança de rua poderia estar aproveitando aquele teto para dormir ali. Ao identificar de onde vinha o som, Firmino jogou o foco de luz no canto de parede que estava na penumbra e antes que pudesse visualizar se havia uma criança ali, um vulto de súbito passa pelo foco de luz. O susto foi tão grande que ele quase cai sentado no chão. "Tem alguém aí?", bravejou irritado. "Olha, guri, você não pode dormir aqui! Se você aparecer, prometo que não conto a ninguém. Só quero que você saia para sua própria segurança". Silêncio. Os únicos sons que se ouvia eram os motores dos carros lá em baixo na rua e suas buzinas nervosas. Novamente Firmino chamou pela criança que pensou ter ouvido chorando escondida e não obteve resposta. Depois de quase meia-hora de busca, ouviu novamente o som e foi se guiando por ele, até chegar bem perto de onde achava que vinha o choro. Foi quando percebeu que não era choro, era um murmúrio, uma música cantada bem baixinho... "vai começar a brincadeira, eu digo um bicho e se ele voar, vocês batem palmas, senão, vocês sorriem apenas... quem errar, paga uma prenda"...

"Pato voa?" (som de palmas)
"Galinha voa?" (risos)
E Firmino agora ouvia claramente crianças cantando, batendo palmas e fazendo uma algazarra daquelas. Mas não conseguia vê-las e assombrado saiu correndo em direção ao elevador. Quando estava quase chegando lá, ouviu uma delas cantarolar "Firmino voa?" e tropeçou no carrinho de mão. 
 
   A queda de seis andares terminou no misturador de cimento de um caminhão estacionado no pátio. Como se diz no basquete, "foi de chuá". 
Firmino caiu no misturador cheio de cimento mole. Ainda permaneceu consciente durante alguns minutos, mas não conseguiu sair, pois havia quebrado a coluna em três lugares. O som do riso das crianças foi ficando cada vez mais longe, mais abstrato, menos audível, até cessar concretamente. 

0 comentários:

Uma carta pra Voinha

4.6.15 Pássaro Bege 0 Comentarios


Passarolândia, 04 de Junho de 2015.

Oi, Voinha,
primeiramente, sua benção!

Sei que a senhora vai até estranhar esse pedido de benção, mas vou explicar. Conheci o inferno! Aquele do qual zombava, achava não existir, hoje sei que é real. Do inferno que a senhora me falava, e eu caçoava, muito se parece. Foi puro azar? Fui sorteado? Parece que não, Voinha! Cheguei por aqui de caminhada larga, e agora, atolado até o pescoço na lama, não consigo fazer a linha “Barão de Münchhausen”, e nem dar uma “egípcia” no Capiroto. O bichinho é atraente demais, como a senhora mesmo dizia. Mais esquizofrenia que fantasia, mas inebria tal qual as histórias de trancoso que senhora contava e sorria.
Voinha, veja só, dia desses vi que ele tem mais que as tais sete capas que a senhora dizia, e que, quando desencapa, é mesmo “70 vez 7”. Mas o pior mesmo é que de vez em quando o danado anda sem capa, Voinha! Isso quando ele anda! Pois seu maior prazer mesmo é voar. Entre nós daqui de Passarolândia, há um Canto esquisito que dizemos ser dele. Uma espécie de zumbido zombeteiro, sabe! Azucrina os ouvidos da gente, Voinha! Uma mistura de TV fora do ar com aquela música da chamada do “Bandeira 2”, da Jornal do Commercio. Mas não se preocupe, Voinha. Tenho rezado muito antes de dormir e não durmo mais sem camisa.

No mais, tudo é bem divertido aqui, mas me diga quando é que senhora vem me visitar?! (Um sorriso comedido)

Pois bem, Voinha, me despeço por aqui! Espero que possamos estar juntos no próximo verão, isso se o Capiroto deixar! (Um sorriso largo)

A propósito, a senhora sabe se Tia Marluce falou com Tio Arnaldo sobre aquela grana que ele me pediu emprestada? Anda tudo pela hora da morte aqui no inferno, diga a ele que eu preciso muito dos R$500,00 porque a grana só tá dando pra frequentar inferninho e desgraça só presta de muita! Ele vai entender! (Um sorriso amedrontador de tão alto)

Sem mais,
Subscrevo.
Pássaro bege.  

 ps. Coloquei talco “Barla” na carta. Se Tio Arnaldo me pagar o que deve, na próxima eu ponho ao menos um da “Johnson & Johnson”. (Um sorriso com os dentes trincados)

0 comentários: