Tempo Perdido Num Presente Vazio

17.2.12 Jonas Anasc 0 Comentarios


Não mais vejo o que de fato é

Por um instante me descuido, e tudo já mudou

Vivo no absurdo

No submundo de um mundo qualquer

Sou estrela que não reluz

Sou alvo de uma mira cega

Estilhaço de sentidos banais

Em cartaz

Na lista dos mais cotados

Sou uma sombra no escuro

Um trem para as nuvens

Suspenso numa noite vazia

Esperando por esperar

Só! Acompanhado.

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Um Casal de Mudos

2.2.12 Joarez 1 Comentarios


Yuri tem 39 anos, é natural de Sertânia, Pernambuco. Veio para Recife cedo, aos seis anos, para aprender a desenhar as primeiras letras - na sua cidade natal não encontrou mestre capaz de lidar com suas limitações: Yuri nasceu com pouquíssimo ou nada de audição e, por consequência, também é mudo.

Cresceu aqui com uma tia materna. Aos 20 anos conseguiu trabalho burocrático numa empresa pública, saiu de casa - se emancipou.

Aos 23 conheceu Virgínia, recifense, de mesma idade. Não tardou muito, foram morar juntos. Oficializaram o enlace em instituição religiosa e civil, como mandava o figurino e o conservadorismo das família arcaicas.

Viveram, como se diz, a montanha russa de altos e baixos da felicidade durante 14 anos - até quando Yuri foi acusado de, usemos linguagem técnica, improbidade administrativa onde trabalhava. Yuri pecou por imprudência e ingenuidade - assinava sem a menor criticidade qualquer coisa que lhe colocassem sobre a mesa.

Depois de um ano de peleja judicial, foi condenado a quatro de prisão. Nos primeiros meses sofreu um pouco, mas acabou se habituando à rotina do presídio. O que faz com que Yuri fuja ao dia a dia maçante do cárcere são as visitas de uma hora, às quartas e aos domingos, que sua mulher faz.

É ali que ele recebe notícias do mundo externo - a situação de parentes e amigos, contas a pagar, problemas a resolver. Com menos uma pessoa trabalhando e, por conseguinte, com o dinheiro escasseando, as contas a pagar e os problemas a resolver tomavam, quase sempre, a maior parte do tempo.

Yuri e Virgínia chegaram, até mesmo, algumas vezes, a escrever previamente o que seria discutido no próximo encontro, temendo que não houvesse tempo hábil para resolução de todas as questões. Descabelavam-se, discutiam, aperreavam um ao outro - e não raramente ainda deixavam assuntos pendentes.

De uns tempos para cá, mudaram a tática: não iriam mais desperdiçar as visitas como comumente faziam. Os problemas que se explodissem, as dívidas que fossem cobrá-las no raio que o parta, as querelas familiares que seguissem o curso natural do rio.

Quando não ocorrem visitas íntimas, que só acontecem uma vez ao mês, Yuri e Virgínia passam os minutos da quarta e do domingo curtindo um a presença do outro.

O normal, agora, é que nem gesticulem. Ficam a fitar-se demoradamente. Aprenderam uma nova técnica: se comunicam pelo olhar. 

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