Um Casal de Mudos

2.2.12 Joarez 1 Comentarios


Yuri tem 39 anos, é natural de Sertânia, Pernambuco. Veio para Recife cedo, aos seis anos, para aprender a desenhar as primeiras letras - na sua cidade natal não encontrou mestre capaz de lidar com suas limitações: Yuri nasceu com pouquíssimo ou nada de audição e, por consequência, também é mudo.

Cresceu aqui com uma tia materna. Aos 20 anos conseguiu trabalho burocrático numa empresa pública, saiu de casa - se emancipou.

Aos 23 conheceu Virgínia, recifense, de mesma idade. Não tardou muito, foram morar juntos. Oficializaram o enlace em instituição religiosa e civil, como mandava o figurino e o conservadorismo das família arcaicas.

Viveram, como se diz, a montanha russa de altos e baixos da felicidade durante 14 anos - até quando Yuri foi acusado de, usemos linguagem técnica, improbidade administrativa onde trabalhava. Yuri pecou por imprudência e ingenuidade - assinava sem a menor criticidade qualquer coisa que lhe colocassem sobre a mesa.

Depois de um ano de peleja judicial, foi condenado a quatro de prisão. Nos primeiros meses sofreu um pouco, mas acabou se habituando à rotina do presídio. O que faz com que Yuri fuja ao dia a dia maçante do cárcere são as visitas de uma hora, às quartas e aos domingos, que sua mulher faz.

É ali que ele recebe notícias do mundo externo - a situação de parentes e amigos, contas a pagar, problemas a resolver. Com menos uma pessoa trabalhando e, por conseguinte, com o dinheiro escasseando, as contas a pagar e os problemas a resolver tomavam, quase sempre, a maior parte do tempo.

Yuri e Virgínia chegaram, até mesmo, algumas vezes, a escrever previamente o que seria discutido no próximo encontro, temendo que não houvesse tempo hábil para resolução de todas as questões. Descabelavam-se, discutiam, aperreavam um ao outro - e não raramente ainda deixavam assuntos pendentes.

De uns tempos para cá, mudaram a tática: não iriam mais desperdiçar as visitas como comumente faziam. Os problemas que se explodissem, as dívidas que fossem cobrá-las no raio que o parta, as querelas familiares que seguissem o curso natural do rio.

Quando não ocorrem visitas íntimas, que só acontecem uma vez ao mês, Yuri e Virgínia passam os minutos da quarta e do domingo curtindo um a presença do outro.

O normal, agora, é que nem gesticulem. Ficam a fitar-se demoradamente. Aprenderam uma nova técnica: se comunicam pelo olhar. 

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