Notas de verão sobre impressões de primavera [Santiago] III
Gastronomia
A Ignácio por nos ensinar um outro tipo de cordialidade.
Beber
e comer no Chile são duas experiências ímpares para nós habituados a boa mesa,
refiro-me primeiramente a opulência da gastronomia brasileira no sentido das
diversidades de especiarias, leguminosas, grãos etc. não tanto na acepção da
qualidade do sabor da cozinha chilena, se bem que esta deixou a desejar para
alguns de nós. Há de se ressaltar as limitações geográficas do Chile no que
tange as diversidades alimentícias que encontramos em nosso país. De qualquer
forma, como falei na seção anterior, comer e beber bem no Chile são artigos que
requer dispêndio, coisa rara para um visitante incauto.
Para
todos os efeitos, a impressão sobre a cozinha chilena (vou me ater mais a de
Santiago) é a de algo célere, a vida em Santiago é acelerada e por isso há na
cidade inúmeras redes de fast foods,
barraquinhas de comidas rápidas a base de muita fritura espalhadas nas ruas
(destaque para a sopaipilla), além do
onipresente pollo con papas fritas –
¼ de frango acompanhado com batata frita.
Vou
começar pelo pollo con papas fritas,
comi-os em várias partes da cidade e percebi em todos que eles são servidos austeramente (exceção feita ao que comi
no Cerro San Cristóbal), ou seja, não há os típicos condimentos que encontramos
em nosso frango quando preparado. O pollo
chileno é sóbrio, desprovido de especiarias, exceto pelo sal. A batata
frita é banhada no óleo, é grudenta e tem um aspecto graxoso. Talvez seja uma
estratégia não deliberada para suportar o frio, quanto mais colesterol no organismo,
mais nos aquecemos dele. Apesar disso, o chileno no geral não é gordo, eles
mantem a magreza, acredito, a partir do regramento alimentício e também pelo
desequilíbrio na balança calórica, por exemplo: Santiago é uma cidade que
consome muito sorvete, mesmo no frio, mas o sundae
deles é menos doce do que o nosso, percebi isso até no sorvete do
McDonald’s.
Antes
de falar sobre outras características da mesa chilena, vou falar sobre a água. Primeiramente,
o chileno é acostumado a tomar água da torneira algo que para nós nordestinos
após o surto do cólera no início dos 1990 ficou inviável, para quem tem
condições, tomar água sem ser envasada. No caso chileno, a água envasada (que
chamamos também de mineral) é muito cara, lembro que comprei uma garrafinha de
600 ml no Cerro Santa Luzia por 800 pesos, ou seja, algo em torno de R$ 4. Além
disso, a água mineral tem um sabor muito forte, inclusive a vendida pela
Coca-Cola.
Em
relação à sobriedade da cozinha chilena, destaque para o hot-dog que é muito
parecido com os que vemos nos filmes americanos e também nos comercias de
ketchup. Um impávido pão sedinha com uma anêmica salsichinha dentro à base de
ketchup, mostarda e maionese a gosto do cliente que capricha nestes
condimentos, caso contrário, fica difícil engoli-lo. Porém, o hambúrguer é
gigantesco, recheado de carne e legumes muito apreciado em todos os lugares.
É
lugar-comum falar do vinho chileno, é bom e barato. Mas, a bebida alcoólica que
vi mais ser consumida foi o pisco com Coca-Cola que diferente do vinho,
congrega mais as pessoas, primeiro por ser mais barata e depois por ter um teor
etílico mais elevado. Porém, a bebida que mais apreciei foi o Terromoto (feito basicamente de pipeño, vinho branco, creme de abacaxi,
ananás, e estocadas de Fernet, grenadine e bitters) consumida em La
Piojera – El palacio popular. Sobre este espaço, falou-me uma amiga que
conheci em Santiago que ele era um ponto de apoio para os comerciantes que
vinham do interior negociar na capital. Lá eles comiam, bebiam e dormiam. Sem
dúvida, La Piojera é a topografia que
berra contra os acordes afinados do capital neoliberal chileno. O lugar é sujo,
cheios de bêbados, gente de toda a cor (encontrei mais negros neste lugar do
que em toda Santiago enquanto estive nela). O Terromoto de La Pijera é
literal, dois deles (cada um tem 500ml) lhe derruba. Além disso, há música
típica em todo lugar e pessoas dançando, cantando e se equilibrando entre as
pernas por conta do Terremoto.
Lembro-me que saí de lá acompanhado de um casal de amigos, todos nós rindo e
cantando rumo à estação Puente Cal y
Canto.
Em
Santiago os nossos “irmãos siameses”, arroz e feijão, foram separados. É
difícil encontrar feijão na cidade, eu em particular, não consegui encontrá-lo.
Além disso, as refeições prontas (o nosso PF) vendidas em Santiago vêm
envelopadas em papel contato e em uma bandejinha, minúscula, de plástico pronto
para ir ao microondas. Arroz branco com ervilha e milho verde (lembra um Cup Noodles), uns legumes e a carne
bovina, frango ou porco. A carne suína (cerdo)
é bastante apreciada no Chile e ela é servida, em sua maioria, na forma guisada.
Uma
coisa que chamou a minha atenção nos restaurantes que frequentei no país é a
entrada dos pratos, eles sempre são servidos, em toda a parte, por um pebre (tipo uma vinagrete com pimenta,
tomate, cebola, salsinha) acompanhado de uns pãezinhos com um pouco de manteiga
separada, uma entrada elegante, singela e saborosíssima que encantou este
conviva acostumado a não ter cerimonia inicial ao comer.
O
único dia em que comi à tripa solta (regaladamente) sem ser na casa de Ignácio
em minha última noite em Santiago, foi em Valparaíso quando tive a felicidade
de pedir um prato de marisco em um animado restaurante próximo a Plaza Sotomayor. O prato foi suntuoso,
extremamente forte e opulento. Lembro-me que suava a cântaros, tomei umas
cervejas para acompanhá-lo e ao som de música local, foi uma refeição
inesquecível. Alguns dos convivas (amigos e demais) que estavam comigo no
restaurante pediram um filé de merluza e qual não foi minha surpresa quando o
prato chegou, uma merluza inteira acompanhada de batata frita (foram as mais
secas que vi no Chile assim como a merluza). Talvez Valparaíso por ser uma
cidade portuária e deter uma enorme quantidade de mão de obra braçal, além de
ser uma cidade historicamente de lutas políticas que infelizmente viu a
conspiração nascer em seu seio em 1973, possua uma mesa que transborda, que
rompe brevemente aquilo que caracterizei de austeridade
e que ultrapassa os limites da subjetividade para adentrar na prosa da vida
chilena.
As
duas cervejas mais consumidas por mim em Santiago foram a Cristal e a Escudo,
ambas em formato de um litro. Bebi-as em grande parte no bairro da Bela Vista e
no de Providence e também em Viña del Mar. Algo a ser destacado no consumo da
cerveja na cidade é que ela é servida quase a temperatura ambiente, estranhei
de início, mas as temperaturas à noite chegando a 2° Celsius... Outra coisa é
que as cervejas não precisam de abridor, as tampas são rosqueadas. Beber ao ar
livre, prática comum a um boêmio dos trópicos, é algo difícil na primavera
chilena, o frio inviabiliza qualquer estadia na calçada para apreciar a
paisagem das muy guapas chicas chilenas
e das belas calles da cidade. Há quem
tenha condições de pagar por uma mesa com calefação, quem não tem precisa do
Outro para se aquecer no interior de alguma taverna, os “lisos” no frio se
solidarizam.
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por Renato K. Silva - Pós-graduando em Ciências Sociais pela UFRN
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