Causos 21: Curiosidade

29.12.10 Foi Hoje! 2 Comentarios


A curiosidade! Por uma curiosidade insaciável os navegadores cruzaram os mares e consequentemente espalharam a colonização européia. Por curiosidade produzimos ciência, dominamos e conquistamos a natureza. Foi por curiosidade que Pandora abriu a caixa enviada como presente por Zeus e sem querer fez espalhar pelo mundo todas as mazelas que existem. Depois da curiosidade nada seria do mesmo jeito. Ela, assim como muitas e muitas coisas nesse mundo, nos acompanhou no correr dos séculos e vai estar com nós por muito tempo ainda.
No final da aula um aluno veio falar comigo e pediu segunda chance para fazer a avaliação da unidade. Tinha chegado atrasado. Ele disse “Professor cheguei atrasado porque fui socorrer meu primo que foi esfaqueado pelo cunhado” perguntei o porquê do esfaqueamento e ele respondeu “Não sei” e eu “Como assim? Não sabe!” e ele “É professor, ninguém sabe, isso aconteceu hoje e fui socorrer meu primo e todo mundo perguntou pra o cunhado porque ele fez aquilo, mas ele não disse nada”. Fiquei desconfiado, mas não quis pensar que era mentira porque ele sabe tão bem quanto eu que não precisava contar uma mentira cabeluda dessa pra ter uma segunda chance de fazer a prova. Aceitei o argumento e disse “Se souber o motivo me diga” e ele “Ta certo; e a prova?” e eu “Ah! A prova! Pode fazer amanhã”. Depois pensei “Isso dá uma boa crônica com cara de manchete: CRIME EM FAMÍLIA”.
Duas semanas depois encontrei com o aluno e perguntei “Soube o motivo?” e ele “Não professor, ninguém sabe; todo mundo ta confuso e ninguém sabe, nem a família, nem os vizinhos, nem os amigos, nem ninguém”.
O ano letivo acabou sem que o aluno soubesse o motivo pra me contar. Disse ele que não sabia. Acho que não sabia mesmo. Provavelmente nunca mais vou velo. Nunca saberei o motivo.

Castanha 07 / 12 / 2010

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Mais um salvador morre no natal.

27.12.10 Foi Hoje! 1 Comentarios


Os olhos esbugalhados daquele menino ao ser enforcado talvez não tenham sido um agradável presente de natal aos cidadãos vitorienses na manha do último sábado 25 de dezembro.
Eram quatro os moleques ameaçados de morte no entanto três deles, nus, desceram correndo os atalhos do medo rumo a vida, fugiram, enquanto o quarto, "o salvador", ficou na quadra da escola onde se deu o assassinato. Nu, desamparado e sem espinhos nas mãos rogava a sua mãe a salvação e jurava em pensamento nunca mais cabular as aulas para dar uma bola na quadra da escola, com seus melhores amigos, companheiros de um vida desesperada entre os treze e os catorze anos de idade.
Sabe-se lá como se deu o estrangulamento e mesmo quem fora o facínora que executou tão hedionda programação de morte, com requintes de tortura e crueldade. O fato é que morreu a criança nua e enforcada.
Seu nome pouco importa! era mais um daqueles... respondeu o dono do fiteiro que me deu a notícia hoje pela manha.
As pessoas estão cada vez mais insensíveis ao assassinato, soa meio ridículo qualquer exclamação de indignação com essa merda toda em que vivemos. Relativiza-se tudo hoje em dia, dois pesos e duas medidas, é assim que se explica tudo. Depois, os pacatos cidadãos balançam os ombros, frebis de burrice e medo de algum desses moleques invadirem suas casas, seus carros, comerem suas filhas.
À noite se afastando de tudo, fecham as portas e ligam a TV procurando assistir ao noticiário local, que vai informa com detalhes o crime que aconteceu a menos de duas quadras de suas casas. E nos decibéis da TV em alto e bom som, crivam todos pela alcunha de “alma sebosa”, como uma justificativa por seus comportamentos “civilizados” e com um estranho orgulho da boa educação que dão ao seus filhos.
Descanse em paz menino “salvador” e que depois de algum tempo você não ressuscite transmutado numa bala, que atravesse a janela das casas, os vidros dos carros. Pois é assim que todos em frente a TV, esperam te ver... Morto


Por: Pássaro Bege

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A Calcinha da Virada

27.12.10 Foi Hoje! 5 Comentarios


Numa das quintas-feiras do tumultuado mês de dezembro eu fui perambular pelas ruas do centro de Recife à procura de uma camiseta para passar as festividades de Natal com a família. Tarefa árdua, eu sei, caminhar debaixo daquele sol incessante e no meio de tanta gente, trombada aqui, pisão no pé ali, não é para qualquer desavisado.
Mas é que minha pequena, dias antes, havia me ralhado às vestimentas. Abrindo o meu humilde guarda-roupa, exclamando em voz alta, e orgulhando o bom e velho Pasquale, ela disse: ”Só tens farrapos neste guarda-fatos!”. Ora, ora, Minha Pequena, disse eu, semana que vem eu resolvo isso, esquece, deixa pra lá.
Disse e cumpri. Na semana que se sucedeu, lá estava eu, enfrentado uma fila dos diabos para pagar uma peça de roupa que custava R$ 19,90. Efetuada a compra eu saio pingando de suor e vou tomar, ali perto, algo para matar a sede, quando escuto, ao meu lado, uma conversa bem peculiar numa mesa com quatro ou cinco moças.
Ora, ora, não me censure a indiscrição. Um aspirante a cronista tem sempre que estar de ouvidos atentos às mesas adjacentes. Mas, sim, as moças, elas estavam conversando sobre ‘a calcinha da virada’. Que grata surpresa, eu já tinha me esquecido que em épocas de ano velho as fêmeas se põem místicas e supersticiosas. Uma delas introduz o tema:

- Meninas, qual é a cor da calcinha que vocês vão passar a virada de ano?!
- Eu vou passar de vermelho, o ano que vem eu quero intensas turbulências na minha vida.

Bacana, ‘intensas turbulências’. Adorei o eufemismo para grandes farras & phodas homéricas. A outra, que estava logo ao meu lado esquerdo, continuou:

- Eu vou de calcinha amarela, menina, não agüento mais esse liseu.

- Eu vou de branca, chega de aperreio na minha vida. – disse outra.
A última, para surpresa de todas, disse:
- Eu vou usar calcinha preta... Minha perseguida está fechada para balanço.
- Menina, Saulo – devia ser o nome do canalha- não é o último homem do mundo não! – reagiu uma.
- Mas foi o último do ano. – replicou a garota.

A conversa seguiu com um sem número de sugestões de cores e significados. E eu me pus a comparar mulheres e homens; onde últimos, no varejão de pequenas crendices, perdem de lavada para as fêmeas: são sempre práticos e objetivos. Na fila da já citada loja, me lembro de ter ouvido uma mulher implorar ao seu marido para pular as tais sete ondinhas no réveillon. ‘Vamo, amor, por favor, tu nunca fizesse isso!’, dizia ela. ‘Ouxi, vou nada!’, respondia impaciente o coroa.
Ou, talvez, essa história de diferentes cores de calcinha para o ano novo, poderia não ser crendice alguma, superstição alguma, mas só um pretexto para comprar lingerie nova. Mesmo assim, ainda seria bela forma de hipotecar desejos e vontades.
Já passava da hora de ir embora, mas me deixei ficar por ali, ébrio de contentamento, me deixando colorir com as calcinhas daquelas que sonham libidinosamente com ano melhor.

Rosano Jr

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Causos 20: Propaganda

7.12.10 Foi Hoje! 2 Comentarios


Numa ensolarada manhã de domingo uma artista plástica atropelou um biscateiro. Na manhã seguinte, também ensolarada, a notícia estava na capa do jornal. Aconteceu numa importante avenida de um bairro nobre de Recife. “Ela apresentava sinais de embriaguez” disse o policial ao reporte referindo-se a artista plástica. Dentro do jornal, no caderno “Grande recife”, a matéria sobre o atropelamento ocupava uma pequena tira no canto esquerdo da página e o resto do espaço era ocupado por uma enorme propaganda de automóveis: “Compre seu carro novo por apenas cento oito mil novecentos e noventa reais”.

Castanha 07 / 12 / 2010

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Causos 19: Coisa de criança 2

6.12.10 Foi Hoje! 0 Comentarios


Na escolinha o Garotinho já sabia como funcionava a brincadeira: Com suas mãos pegava a mão de um Coleguinha desinformado, apontava para a palma dela e dizia “aqui no meio tem um rio seco, aqui no canto tem uma casa e aqui no outro canto tem uma pedra; o que está faltando?” o Coleguinha depois de pensar respondia “a água do rio” então o Garotinho cuspia na palma da mão do Coleguinha e dizia “agora tem água”. Feito isto os outros Coleguinhas se abriam em gargalhadas. O Coleguinha que levava a cuspida na palma da mão não gostava, mas não ficava horrorizado. Até aquele momento tinha sido assim nos recreios da turminha da alfabetização. O mesmo não aconteceu quando o Garotinho, no velório de sua Avó, fez essa brincadeira com uma Senhora que estava ali para dar o ultimo adeus à velha amiga. Findada a brincadeira a Senhora ficou pasma (instantes antes estava elogiando a educação do Garotinho); a Mãe do Garotinho ficou apavorada, mas teve que se conter, pois não podia gritar no velório de sua própria Mãe; as Pessoas que estavam ao redor sentiram desconserto e vontade de rir, mas o único que soltou uma gargalhada foi o Marido da Senhora. E o Garotinho ficou confuso. Descobriu que nem toda brincadeira tem graça.

Castanha 06 / 12 / 2010

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