Boquete

24.5.16 Pássaro Bege 0 Comentarios


Como queria gritar aos quatro cantos a beleza do boquete que hoje recebi,
mas não posso!
Era a vida subindo o morro, um sopro, uma canção.

Que boquete eu recebi hoje minha gente,
que boquete!

Como eu queria gritar aos quatro cantos a beleza do boquete que hoje eu recebi,
mas não posso!

Não posso, porque quem confessa o gozo, quase sempre é brochado, por leitura pueris.

Que boquete eu recebi hoje minha gente,
já posso morrer feliz.



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Síndrome de Kaká

23.5.16 Cabotino 1 Comentarios


por Renato K. Silva, doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.

No primeiro domingo do Campeonato Brasileiro da Série A 2016, o meio-campista do São Paulo, Lucas Fernandes, 18 anos, fez um gol cobrando falta, na vitória do seu time sobre o Botafogo por 1 x 0. E a cena da comemoração já virou um déjà vu sobretudo nos estádios brasileiros: ajoelhar-se no gramado e levantar os braços para o céu com os dois indicadores em riste – símbolo de agradecimento a Deus. Na imagem, há o olhar em plongée de Alan Kardec para o autor do gol, no primeiro plano, e uma faixa com o desenho de Raí, no segundo plano.
 
Lucas Fernandes comemorando gol

Em 2001, um jogador recém ingresso ao time profissional do São Paulo, também aos 18 anos, marcou dois gols contra o mesmo Botafogo, no Morumbi, na final do Torneio Rio-São Paulo, seu nome: Ricardo Izecson dos Santos Leite, futuramente conhecido como Kaká. 

Desde então passaram-se 15 anos. A grafia do nome de Ricardo Izecson passou de Caca para Kaká. Em 2002, Kaká foi convocado por Felipão e fez parte do último título Mundial da Seleção Brasileira, na Copa Japão-Coreia. Após a final contra a Alemanha, Kaká que não jogou uma única partida naquele mundial, aparece sendo carregado pelo zagueiro Lúcio. Em sua camisa há os dizeres que a partir de então iriam fazer parte de sua carreira como uma sombra: “I belong to Jesus”, "Eu pertenço a Jesus". 

Lúcio e Kaká na final da Copa de 2002

Após o mundial, Kaká ganhou a Europa atuando com destaque com a camisa do Milan e tornou-se o último atleta brasileiro a ganhar o título de melhor jogador do mundo, em 2007. O troféu de melhor jogador do mundo, concedido pela Fifa, Kaká doou para a congregação que era filiado à época, a Igreja Renascer em Cristo, gesto que materializou sua devoção à Teologia da Prosperidade, segmento caro ao neopentecostalismo brasileiro que, sumariamente, enxerga as conquistas pessoais como índice terreno da glória de Deus operando na vida do devoto.

Na segunda metade dos anos 2000, Kaká era um atleta em pleno voo. Com bons rendimentos dentro e fora do campo ele tornara-se “o genro” que toda sogra gostaria de ter: bonito, cristão, bem-sucedido, abstêmio, um exemplo de filho, atleta, casou virgem, marido fiel, pai etc., Mais parecia um príncipe encantado de contos de fada do que o típico jogador brasileiro até a década de 1990. Alguns destes, atletas com problemas dentro e fora de campo: encalacrados com pensões alimentícias, problemas com álcool, drogas, poliginia etc., 

Kaká fazendo campanha contra a prostituição

Em 2009, a Fifa baixou uma portaria proibindo atletas de fazerem menções, durante partidas oficiais, a qualquer credo religioso. Essa medida da Fifa visava especialmente os atletas brasileiros que vinham praticando proselitismo religioso de maneira sistemática.

A prática de agradecer a Deus após cada gol marcado tornou-se uma constante especialmente nos atletas brasileiros. Mas o que de fato isso diz do nosso atual futebol e sobre a nossa atual sociedade? Pois o futebol sempre foi um termômetro e um indicador de nossa realidade tanto metonímica quanto metaforicamente.

Neymar erguendo a taça da Champions 2015

A ascensão dos neopentecostais é sintomática na sociedade brasileira e, como exemplo de sua irradiação no universo do boleiro, o jogador Neymar é devoto da Igreja Pentecostal de São Vicente, litoral paulista, e o centroavante do Santos, Ricardo Oliveira, é pastor da Igreja Assembleia de Deus. Os dois jogadores são titulares em suas equipes e são nomes certos nas convocações de Dunga para a Seleção Brasileira. 

Bom, a partir daqui tentarei limitar-me ao escopo do argumento central desse texto: a relação entre neopentecostalismo e eficiência técnica no arremedo, abrasileirado, da prática de um futebol à Europa, cujo símbolo, para mim, é o jogador Kaká. Com isso, não abarco os matizes da própria discussão, deixando, por certo, para uma reflexão futura de maior fôlego. Por exemplo: tentar traçar o fio da ênfase no vigor físico na formação e na preparação dos nossos atletas que vêm, talvez, desde a hegemonia de C. A. Parreira - preparador físico da Seleção Brasileira de 1970 - até os dias atuais com a preferência, por parte dos cartolas, dos atletas formados na base dos clubes. Pois, com isso, evita-se os "vícios" do jogador oriundo da várzea, estes que supostamente criam problemas dentro e fora de campo.

A Ética Protestante e o Espírito do Boleiro Brasileiro: 

Se há uma hegemonia nos gestos de comemoração de gol no futebol brasileiro ela não é à toa. Essa hegemonia reflete uma aguda crise de narrativa de visão de mundo em nossa sociedade. E na terra-assada das ideologias políticas deixadas pelo pragmatismo de coalisão do PT, e também pela cooptação, pela Direita, das Jornadas de Junho (2013), a Teologia surge como a grande narrativa redentora que dá coesão e coerência para grandes grupos populacionais em nosso país, e os atletas de futebol também seguiram no mesmo diapasão. Muitos desses, oriundos de famílias e grupos sociais onde a religião é o único ordenamento na vida prática, pois no vácuo da presença estatal, dos sindicatos, das ONGs e outros grupos do terceiro setor, faz com que a Teologia torne-se a cosmovisão infalível da vida.

R. Oliveira comemorando gol com os jogadores do Santos

Basta lembrarmos que o último grande movimento organizado pelos jogadores brasileiros foi o Bom Senso FC, surgido no cabalístico ano de 2013. Não podemos desdenhar o grau de positividade, para os atletas brasileiros, desse movimento, aqueles, até então, explorados pela arbitrariedade do calendário Globo-CBF. Esse movimento espontâneo dos jogadores visava discutir e reivindicar melhores condições de trabalho para a categoria. Uma vez atingido o objetivo de: 30 dias de férias mais 30 de pré-temporada, o movimento arrefeceu. Talvez esse pragmatismo de circunstância, em nossa política partidária, seja uma triste herança que também fez morada no universo do boleiro.


Jogadores encampando a campanha do Bom Senso F.C

Bem sabemos que há uma “plasticidade” nos interstícios da cultura brasileira e a religião não está isenta dessa nossa particularidade. A “plasticidade” é um conceito trazido por Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala, e fala sobre a capacidade do português em adaptar-se a quaisquer circunstância, seja ela natural ou antrópica, o que, por conseguinte, herdamos dos lusitanos.

Notícias apontam que o protestantismo praticado por nossos jogadores de futebol é prenhe de “plasticidade”. Parece que o neopentecostalismo praticado por este segmento não tem aquele “ascetismo intramundano” de que nos fala Max Weber, aquela conduta pessoal que não abre margem para fora do pietismo. Isto é, o protestantismo aqui é praticado com um pé na ideologia do “bem-sucedido” e com outro no desvio da norma, seja ela civil ou religiosa. Basta vermos o conjunto de jogadores que têm filhos fora do casamento, que compraram CNHs falsificadas, que sonegam impostos, mas que confessam publicamente adesões a credos de orientação cristã, seja em entrevistas, redes sociais ou sobretudo nas comemorações dos gols. O que mostra a incapacidade dos nossos boleiros levaram pra dentro e fora de campo a “ética protestante”, nisso, a nossa “plasticidade” futebolística à Europa, falhou, como veremos mais à frente.

Parece um delírio o que vou falar agora, mas sugiro a vocês acompanharem os treinos e os campeonatos de futebol de base dos times profissionais, o que eu fiz em 2009, em pesquisa para a universidade, para ter uma ideia do que irei dizer. Não foram apenas as comemorações de gols que se homogeneizaram em nossos gramados, o nosso jeito de jogar também. Há uma rigidez em nossas equipes. Parece que estamos há uma década de atraso em relação ao futebol praticado na Europa hoje. Isso porque encalacramos nossa “plasticidade” futebolística num arremedo canhestro ao tentarmos plasmar o estilo de futebol à Europa: baseado na eficiência tática e no vigor físico, como fim em si mesmo, na formação dos nosso atletas. Negligenciando, com isso, nossas características históricas: futebol pautado na técnica, vocação ofensiva, improviso, e no paradoxal individualismo-coletivo do nosso futebol “arte”, “moleque”, “irresponsável” etc.

Inúmeros jogadores brasileiros com potencial ofensivo tiveram seu futebol torturado para jogar nesse arremedo do futebol técnico com eficiência tática, talvez o meio campista Oscar (descendente direto de Kaká) seja o grande exemplo disso que estou falando. Torturamos o jeito de jogar de nossas bases como se fosse um leito de Procustus de um falso “ascetismo” futebolístico, assinalado na contrição da liberdade operada pela ideologia do “bom-mocismo”, e da eficiência tática das “duas linhas de 4”. Não estou aqui fazendo uma apologia à malandragem ou professando um ato de fé à era romântica do nosso futebol “arte”, longe disso, reivindico, isso sim, a des-homogeneização da formação de nossos jogadores que está representada no cacoete da comemoração: “graças a Deus”. 

Às vezes fico me perguntando, ao assistir os jogos dos estaduais e do Brasileirão, se desaprendemos a jogar futebol. Nossos jogos são medonhos de ser ver. Partidas com bombão, ligações diretas, equipes desarticuladas, inúmeras faltas etc., tudo indica que o arremedo da eficiência tática de uma “ética protestante” à Europa materializou-se após a hegemonia dos treinadores gaúchos: Felipão, Dunga, Mano, Tite... Outrossim após a Copa do Mundo de 2002 com sua ênfase no futebol pegado na base do 3-5-2, e por fim no futebol do “somar a qualquer custo” do modelo pontos corridos a partir de 2003, este consolidado no pragmatismo de Muricy Ramalho. 

Não esquecer a falaciosa ideologia da "família Scolari" que veio de roldão durante a Copa de 2002, junto com o pagode "Deixa a vida me levar" de Zeca Pagodinho. Dois exemplos permeáveis à nossa "plasticidade" neopentecostal, de um lado: o tradicionalismo da cultura brasileira com seu apelo à família. Doutro, a crença ingênua do self-made man em meio às adversidade, do pagode: "Só posso levantar as mãos pro céu/ Agradecer e ser fiel/ Ao destino que Deus me deu/ Se não tenho tudo que preciso/ Com o que tenho, vivo/ De mansinho lá vou eu".

Notem que nossos times e nossa Seleção estão desaprendendo a jogar mata-mata, basta observarmos a queda nos títulos da Copa Libertadores e nos últimos fracassos em Copa do Mundo. Talvez o grande indicador disso seja o esquema dos pontos corridos, hegemônico nos campeonatos nacionais na Europa e no nosso, até nisso fizemos um arremedo mal feito. Os campeonatos que mais rendem emoções e melhores partidas são a Copa do Brasil e a Libertadores. O mata-mata privilegia nosso jeito de jogar futebol: dionisíaco-poético; o ponto corrido é europeu, apolíneo-prosaico. 

Kaká comemorando a vitória do Milan. Na camisa: "Eu pertenço a Jesus"
 
Nossos jogadores, paradoxalmente, são mais "brasileiros" jogando na Europa do que aqui. Talvez porque lá eles tenham mais liberdade de atuação tendo em vista que a eficiência tática seja um direito adquirido, e não uma ideologia subserviente como quis e fez Scolari com a Seleção de 2014.

Por fim, dois jogadores representam o ponto nevrálgico da mudança de orientação do futebol brasileiro, eles são da mesma safra: Ronaldinho Gaúcho e Kaká. Ronaldinho foi achincalhado, muito também pelo arrivismo do irmão-empresário, dentro e fora dos gramados, por praticar um futebol mais livre do arremedo da eficiência tática do nosso jogo e, talvez por isso, não enquadrou-se no futebol de marcação-eficiência do axioma “a bola pune”, a partir da segunda metade dos anos 2000. Enquanto Kaká foi mais longevo porque seu futebol permitia um diálogo com a ideologia da eficiência tática-comportamental dentro e fora dos campos. Intuo que o nosso futebol ficará ainda um bom tempo sob o signo de Kaká: o “bom-mocismo” revestido de “infiltrações” no corpo, futebol de arremedo inócuo e de mãos pro céu.

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UM SANTA CRUZ À MOREL

21.5.16 Foi Hoje! 0 Comentarios


Basta, não vou perder o meu tempo e o de vocês a lamentar a escalação de um juiz fraco para o jogo entre o Fluminense e o Santa Cruz. Do que adiantará reverberar o erro do segundo gol do fluminense e do segundo gol do Santinha? Do que adiantará reclamar a falta marcada contra os corais depois dos acréscimos estabelecidos? Reclamaria e esbravejaria caso esses atos fossem a personagem do jogo. Mas não são. A personagem do jogo é a invenção. Explico:

Adolfo Bioy Casares (1914-1999)
A literatura argentina é rica. Mas tudo é uma questão de gosto. Cortázar fora muito experimentalista para o meu feitio; Borges, fora o melhor e maior, embora quem tenha sido objeto da minha extensa admiração seja Bioy Casares. Sempre admirei a sua inventividade. Isso o distingue dos outros, até do Bustos Domecq(?). Dessa inventividade o Santa Cruz fez porta voz nessa noite em Volta Redonda. Explico:

A Invenção de Morel é o principal e mais significativo livro de Casares. Nessa história, em suma, a personagem principal experimenta o fruto de uma invenção: a escolha de um caminho a seguir. A possibilidade de escolha de um amor real ou imaginário. Um caminho a seguir, real ou imaginário. Acaba optando pelo caminho imaginário. E dessa imaginação fez uma nova realidade. Igualmente procedeu o Santa Cruz. Explico:

O tricolor do Arruda imaginou que qualquer pontuação fora de casa é importante. Vitória dentro, ponto fora - esta é a sua máxima. Caso não consiga pontos, jogar bem para que o próximo jogo fora do Recife origine frutos. E não é que deu certo? O Santinha inventou um resultado. Explico:

O Santinha se inventou e reinventou como time durante 90 minutos. Durante alguns momentos a vitória estava garantida; em outros o empate era certeza de vitória; ainda existiam momentos de vaticínio de uma verdade absoluta - teremos sucesso. Explico:

"Futebol" (1936), de Francisco Rebolo Gonsales
Grafitte fora decisivo. Isso que se espera de um atacante matador. Wilian Correia fora um gigante que dominou o meio campo. Cardoso garantia lá atrás. Contudo, em detrimento de atividades individuais, o coletivo sobressaia. E esse coletivo que dominou o Fluminense. Individualmente o Fluminense é melhor que o Santinha, mas não em conjunto. Poderia ter ganhado o jogo, mas assim não foi. E não foi por razões externas ao Fluminense: não tem como escapar da invenção do Santa Cruz. Tal como o imaginário que agora é real, o Santinha que imaginamos ser grande hoje é grande. Impomos e imporemos uma nova realidade. Não mais explico, exclamo:

Avante Corais!


Victor Almeida

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O samba-canção escovado ao contrário

16.5.16 Cabotino 0 Comentarios


O filósofo judeu-alemão Walter Benjamin dizia, na sua oitava tese sobre o conceito de história, que é preciso “escovar a história a contrapelo”. Referindo-se ao estudioso da cultura que deseja transmiti-la isentando-se de contar apenas a história dos vencedores. Portanto, “escovar a história a contrapelo” significa escrever a história daqueles por ela esquecidos: os perdedores ou os que dela são alijados dos documentos oficiais, os anônimos e as minorias.

Seguindo essa premissa, talvez de maneira não deliberada, Ruy Castro tece o seu mais recente trabalho: A noite do meu bem (Castro, 2015). O livro é uma espécie de continuação tardia de um trabalho pregresso de Castro, Chega de saudade (1990) Sumariamente, Chega de saudade narra a história e as histórias da bossa nova com ênfase a partir do lançamento do disco de Elizeth Cardozo, "Canção do amor demais" [1958], cujo violonista que acompanha Elizeth no disco é nada mais nada menos que João Gilberto, e ali está o embrião da “batida bossa nova”, sem contar que a produção do disco fica a cargo de Tom Jobim assim como as letras em parceria com Vinicius de Moraes. Já em A noite do meu bem, Castro conta a história e as histórias do samba-canção – gênero que povoou a música brasileira entre o samba urbano da década de 1930 até o início da bossa nova, na transição dos decênios de 1950-1960.

Antes de adentrarmos na análise do livro, cabem algumas palavras sobre o recorte deste texto. Deixaremos para outra situação os pormenores em relação às especificidades do samba-canção e da bossa nova. Aqui, abordaremos como Castro conseguiu sintetizar uma época do Brasil – 1940 e 1950 – por meio sobretudo do escrutínio das boates de Copacabana com destaque para o [apesar de boates, os nomes eram evocados com o artigo masculino] Vogue e o Sacha’s, respectivamente, da era de Getúlio e JK. Além disso, daremos ênfase aos personagens geralmente esquecidos da história e que Ruy Castro traz à superfície de sua narrativa sobre o samba-canção: os batalhadores da noite, ou o “pessoal de apoio” para utilizarmos uma expressão cara ao sociólogo da arte Howard Becker.

A noite do meu bem traz um Ruy Castro mais “distanciado”, com um olhar mais objetivo e conjuntural sobre o samba-canção, diferente da “afetação” do aficionado por bossa nova presente em Chega de saudades. Há no mais recente trabalho de Castro uma perspectiva mais, digamos assim, sociológica. Pois as histórias do samba-canção são contadas num misto entre cronologia somada as modulações concernentes à evolução dos meios de produção, e a distribuição e recepção da música produzida no Rio de Janeiro durante as décadas de 1940 e 1950.

Cassino da Urca na década de 1940

Em 1946, o recém empossado presidente Eurico Gaspar Dutra, assina um decreto-lei que proibia a prática dos cassinos em âmbito nacional. Estima-se que as jogatinas nos cassinos do País movimentavam 300 milhões de dólares anuais e empregava mais de 40 mil trabalhadores, a grande maioria na capital Fluminense. Só no Rio girava 70% dos negócios ligados aos cassinos pois a cidade abrigava os maiores do Brasil, por exemplo, o cassino da Urca [p. 19]. Com o fim das atividades toda uma cadeia produtiva ligada à jogatina viu-se da noite para o dia, sem função. Castro aponta que demorou mas aos poucos a noite carioca foi absorvendo a mão de obra desempregada por conta do decreto-lei assinado por Dutra.

Com o fim dos cassinos, as casas noturnas do Rio de Janeiro, sobretudo as de Copacabana, tiveram que adaptar-se a espetáculos mais modestos, sóbrios e intimistas. O fim dos cassinos propiciou o advento das boates e como estas não podiam competir com a grandiloquência das atrações e espetáculos dos cassinos, elas tiveram que readequar-se, por forças de circunstâncias econômicas, a uma nova forma de atrair o público: fazer da música a grande protagonista da casa. Era o início da era das boates no Rio, e da música foi formatada neste período: o samba-canção.

Copacabana à altura da Praça do Lido, 1948
Para termos uma ideia da densidade demográfica de Copacabana no final de década de 1940 basta dizer que se fosse uma cidade independente, o bairro seria a décima cidade mais populosa do Brasil, com seus mais 130 mil moradores. O Rio tinha 2,4 milhões de habitantes, seguida logo de perto por São Paulo com 2,2 milhões [p. 124]. Parte significativa do mercado de bens simbólicos brasileiro localizava-se no Rio. Segundo Castro: “No Rio ficavam o presidente da República [...] os ministérios, as autarquias, o Congresso, o Supremo Tribunal Federal, o corpo diplomático, a presidência dos bancos, a matriz das seguradoras, a indústria editorial, pelo menos quinze jornais diários e inúmeras revistas, quase todos de circulação nacional, treze estações de rádio, as agências de propaganda” [p. 124].

Com todo o aparato da sua indústria cultural, o Rio tinha as condições materiais e simbólicas necessárias para a explosão da canção, na forma do samba-canção, em escala nacional. E não foram apenas os cronistas da noite os responsáveis pela mitologia dos ídolos da canção, mas também os sujeitos anônimos trazidos à tona por Castro que ajudaram a sintetizar a forma como a música era usufruída nas boates, como veremos à frente.

O público das boates não eram os turistas, políticos e empresários das províncias, milionários e jogadores profissionais que pululavam o circuito dos cassinos, havia uma nova “fauna” social que iria militar na noite das boates de então: altos funcionários públicos, políticos, artistas, jornalistas, empresários. Esse estrato social não costumava frequentar a noite carioca, pelo contrário, suas referências eram o circuito: Nova Iorque - Londres - Paris. E a boate símbolo que arrebanhou essa nova “fauna” social luxuosa e classuda seria a Vogue, que fora inaugurada em 1947, em Copacabana, sob a propriedade de Max Stuckart, “o barão”, um austríaco refugiado de Segunda Guerra que fez fama e fortuna administrando o salão Meia-Noite do Copacabana Palace [p.45].

O Vogue conseguiu galvanizar a elite boêmia do Rio porque tudo nela recendia a requinte, música quase camarística, boa mesa e ótimo bar. Uma curiosidade: foi na cozinha do Vogue que surgiu o picadinho de carne – salvação dos músicos e boêmios das noites cariocas –, popularizou-se a feijoada com batida de limão e onde foi servido pela primeira vez no Brasil o estrogonofe, trazido ao Vogue pelo seu chefe de cozinha, o russo Gregor Berezanski.

Todos os grandes nomes da canção brasileira à época passaram pelo palco do Vogue, de Aracy de Almeida – que fez a proeza de cantar Noel Rosa no Vogue [p. 65] – à Dolores Duran; de Ary Barroso a Dorival Caymmi. Sem contar as inúmeras atrações internacionais.

O que chama mais a atenção no relato de Castro sobre o Vogue são as figuras que nem sempre aparecem nos relatos de um dado período artístico, ou movimento musical. Eis que o autor de O anjo pornográfico refere-se nominalmente aos garçons, cumins, porteiros, leões de chácara, cozinheiros e do mitológico maître do Vogue, Luiz Freitas Pinto, ou simplesmente: Luiz. Segundo Castro, orbitava sob o comando de Luiz: “outros quatro maîtres, dez garçons e dez cumins, mas seus poderes de vida e de morte pareciam estender-se aos clientes” [p. 47]. Luiz era o termômetro do Vogue porque seus conhecimentos sobre os hábitos e contas bancárias da elite carioca vinha de antanho. O maître trabalhava na noite há mais de dez anos. Com Luiz os proprietários das boates cariocas descobriram que mais valia um bom maître na mão do que meia dúzia de clientes chatos em querela com o maître da casa.

Outra figura lendária das boates de Copacabana e que teve plenos poderes no Vogue era o porteiro Alfred. De acordo com Castro, os poderes de Alfred na portaria do Vogue iam de: “Alguém que ele não conhecesse, ou cujo aspecto desaprovasse, podia ser barrado na porta sob o argumento de que a casa estava lotada. Foi Adolf quem instituiu, entre os porteiros de boate do Rio, a tradição do capote grosso até o meio das canelas, cheio de bolsos internos, e não sem razão: dali saíam cigarros americanos, isqueiros ingleses e, dizem, frasquinhos de cocaína, estes comercializados com discrição” [pp 44, 45].

Um outro nome de peso que botava ordem no salão do Vogue, na ausência de Luiz, eram o garçom Costa, acompanhado dos também garçons Brono e Ramon que encarregavam-se sobretudo de acalmar o ânimo dos exaltados que, ao sabor do uísque e das dores de corno e ciúmes besuntados pelas letras dos sambas-canção entoados no palco, resolviam trocar tapas no salão [p. 60].

Antônio Maria, Aracy de Almeida e Dorival Caymmi

O Vogue era o símbolo do Brasil sob o signo de Vargas na transição do Estado Novo [1937-1945]; passando pelo governo Dutra, à reassunção de Vargas ao poder, desta vez democraticamente, em 1950. O Vogue era o Rio do pós-guerra: eufórico, cosmopolita, enfático e dramático e todos esses adjetivos estavam na fatura dos sambas-canção. Para termos uma noção da veemência da vida na noite carioca de então, Dolores Duran teve um infarto aos 24 anos [p.321], e Sérgio Porto aos 36 [p. 224] devido ao ritmo frenético de suas vidas. Vários músicos e jornalistas morreram devido ao ritmo acachapante da noite e também pelo fato de trabalharem em jornadas duplas e triplas. A lista de necrológicos dessa veemência de vida vão de Newton Mendonça e Antônio Maria a Dolores Duran.

Golden Room do Copacabana Palace

Um dos indicadores do cosmopolitismo do Rio em meados do século XX era o principal pianista do Vogue, o também austríaco Salomon Rubin, pianista que já havia rodado meio mundo, com formação virtuosística em Viena. Solomon Rubin, apelidado à brasileira de “Sacha”, tinha 36 anos em 1948 quando chegou ao Brasil. Foi recrutado por Stuckart e começou a tocar no Vogue. Dizem que foi Sacha que inaugurou a prática de tocar a canção predileta do cliente que acabara de adentrar o recinto.

Esses “coadjuvantes” elencados acima foram basilares para a substituição do Vogue, enquanto casa noturna central da elite boemia carioca, pela nova boate sensação da noite de Copacabana, o Sacha’s – “a melhor boate do Rio” [p. 278]. O Sacha’s foi um empreendimento animado por Carlos Machado “o rei da noite carioca” e veio à luz após uma “conspiração” de Machado para tirar o maître Luiz e o pianista Sacha dos domínios do “barão” Stuckart, do Vogue. E a investida de Machado deu certo.

Linda Baptista, Grande Otelo, Herivelton Martins e Ary Barroso
Em 23 de dezembro de 1954, o Sacha’s era inaugurado há poucos metros do Vogue numa concorrência desleal porque o Brasil que anunciava-se então era o Brasil mais “arejado” da Era JK que apontava-se ao horizonte. Convém lembrar que Vargas se suicidara em agosto daquele ano e, com ele, um Brasil mais “sisudo”. Segundo Castro: “Assim como o Vogue fora Getúlio — esperto, calculista e letal —, o Sacha’s era indiscutivelmente Juscelino: ágil, sedutor, leviano” [p. 328].

Com a depuração do modus operandi das boates de Copacabana, Castro traça um perfil da mudança de costume presente no público que as frequentava. E é a partir do Sacha’s que o samba-canção começa a decantar-se para uma “atmosfera” menos entrópica, menos trágica no conteúdo – as letras do samba-canção falavam geralmente de traição, ciúme, morte, desamparo, solidão, ingratidão, amores frustrados. No final da década de 1950 o samba-canção inicia sua abertura – tanto no desenho musical quanto na fatura das letras – para o mar, o sol, a areia ou para o futuro “o amor, o sorriso e a flor” que viria a desembocar na bossa nova. Mas aí já é outra história ou histórias...

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

CASTRO, Ruy. A noite do meu bem: a história e as histórias do samba-canção. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

_______, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da bossa-nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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Wesley Safadão e a estética da ênfase

16.5.16 Cabotino 0 Comentarios


Por Renato K. Silva, doutorando em Ciências Sociais pela UFRN. 
 
No último dia 6 de fevereiro, sábado de carnaval, trabalhei na organização do Arena Privilege 2016 – Galo da Madrugada. O evento contou com as apresentações de: Banda Patusco, Gabriel Diniz e Wesley Safadão. Cheguei por volta das 8h à Arena, localizada na Rua Imperial, 532, bem no início do desfile do Galo. As atrações começariam a partir das 11h. Às 10h, abriram-se os portões. O sol era inclemente. A “trincheira” que ia do palco à mesa de som dividia o público na intenção de separar os setores premium e vip. Do lado esquerdo do palco, a área premium com ingressos custando R$ 280 –com direito a open bar. E na vip R$ 160 – preços do quinto lote.

O mapa da Arena Privilege
Comecei a exercitar meu olhar sociológico pois não há como despir-se de uma “segunda pele”. Observei primeiramente a onipresença do xenismo: open bar, premium, privilege, vip, food truck. Em seguida, a forte organização do evento: bombeiros civis, seguranças particulares, pessoal das portarias, policiais à paisana. A estrutura do espaço: saídas de emergência bem sinalizadas, praça de alimentação, mesa de som com os cabos isolados e cobertos ligados diretamente ao palco. Em uma palavra: profissionalismo em meio ao maior bloco de carnaval do mundo, o Galo.

Abriram-se os portões e o público veio correndo, desabaladamente, com o intuito de garantir os melhores lugares rente à grade de proteção do palco. Adolescentes com faixas de várias cidades do interior, bonés bordados com as letras “W” e “S”, correspondente a Wesley Safadão. Água gelada, Skol latinha e muito protetor solar para esperar o cantor cearense – o carnaval começava a mil por hora sob uma sensação térmica de 40ºC.

O grupo percussionista Patusco animava o público ao som de clássicos dançantes da música brasileira: Tim Maia, Lulu Santos, Terra Samba… E a multidão foi ao delírio com o sucesso do momento: “As que comandam vão no trá trá trá trá | E acelera aê trátrátrátrátrátrá!”; a massa entrou numa catarse coletiva pois o carnaval apenas dera seus primeiros “tiros”.

Após a exibição de Patusco surge Gabriel Diniz numa apresentação com misto de forró pop, swingueira e passinho. O cantor recebeu o patrocínio do Rum Montilla que, seguramente por questões contratuais vestiu-o, assim como seus dançarinos, de piratas. Havia defronte ao palco um boneco gigante do cantor vestido de pirata do Rum Montilla. A apresentação de GD, como é mais conhecido, foi besuntada de pirotecnia: explosões de confetes e serpentinas, canhões de fumaça, gelo seco… Muito alarde. A pirotecnia apostava veemência com o som estrepitoso da banda de GD: baixo, bateria, guitarra, back vocals, percussão.

Nesse momento, uma prática interativa entre plateia e GD começou a multiplicar-se. Algumas fãs lançaram seus smartphones em direção ao palco com a intenção de que GD tirasse uma selfie mirando à plateia. Com isso, a foto ficaria registrada no aparelho da fã. A ação tinha um interesse bem específico: indexar as imagens da experiência ao vivo no evento e compartilhá-las nas redes sociais. É um velho desejo humano: a simultaneidade da experiência. Essa prática também ocorreu inúmeras vezes durante a apresentação de Wesley Safadão.

No longo intervalo entre as apresentações de Gabriel Diniz e Wesley Safadão, constatei que algumas fãs passaram mal devido à sufocante canícula e eram socorridas pelos bombeiros civis. Iniciei uma prospecção pelos ambientes da Arena Privilege – área premium, vip, praça de alimentação – e pude constatar que o público apreciador do chamado forró pop é policlassista. Mas alguns signos nivelavam as barreiras de classe: corpos tratados à base de musculação e com a nítida expectativa de exibi-los publicamente; smartphones de última geração; roupas e acessórios de grife; homens com barbas desenhadas à Jesus de gravura; mulheres com escova nos cabelos e, talvez, o grande ponto de convergência: o consumo desbragado de álcool.

A multidão "ferve"
Como a área premium tinha direito a open bar e, por conseguinte, o consumo massivo de bebidas fizeram com que os banheiros químicos, paulatinamente, não conseguissem dar conta da demanda. Muitas pessoas lavavam os pés com cerveja após voltar dos banheiros. O chão àquela altura encontrava-se atapetado de um mar de alumínio amarelo – as latinhas de Skol misturadas ao ácido úrico das latrinas transbordadas.

Wesley Safadão ia entrar no palco, muita expectativa. Um grupo de fãs conseguiu assistir à apresentação numa área muito restrita: o pequeno espaço entre a grade de proteção e o palco. Esse grupo registrou, em seus iPhones, a proximidade com o ídolo e, claro, brindou o momento com uísque Chevas Regal acompanhado de energético Red Bull.

Nunca tinha visto uma apresentação de Wesley, sequer ao menos debruçado com atenção sobre seu repertório. Mas é claro que já conhecia algumas de suas canções executadas exaustivamente nas rádios FMs e nos programas de tevê. Dentre elas, Camarote. Foi com essa canção que Wesley iniciou seu trabalho no início daquela tarde. A multidão entrou em êxtase e o alarido foi uníssono: “Vai, Safadão!” – não tem como dissociar a conotação sexual desse, digamos assim, grito de incentivo.

Por falar em Eros, o repertório de Safadão é prenhe de referências à explosão da libido que está diretamente relacionada a Thanatos – amor x morte ou sexo x objetificação do outro. Os temas das canções versam sobre: autossuficiência em relação ao outro antes ser “amado”; ciúme; pegação na balada; consumo de álcoois devastadores [vodca Cîroc] e sibaritismo desenfreado.

Diferentemente do axé music dos anos 1990 calcado na performance corporal, e dos ainda guetificados e estigmatizados funk carioca e tecno-brega nordestino-paraense, a música de Safadão conseguiu desencadear as forças de Eros e Thanatos porque coadunou duas instâncias: tecnologia e álcool.

A temperatura aumenta ainda mais
Eminentemente, o grande público de Safadão é a classe média baixa, os chamados “batalhadores”, aquela parcela da população brasileira achatada entre as classes B e D. Esses “batalhadores” empregados geralmente em postos precarizados, têm renda fixa e consomem. Parte significativa desse consumo vai para a manutenção do smartphone e seus sucedâneos – planos de internet. Com o advento das redes sociais, Eros entra em cena de maneira menos ritualística. E como boa parte dessa faixa da população brasileira surgiu do seio de uma família católica [não praticante] ou protestante [geralmente neopentecostal], a única droga tolerável é o álcool. Estão, portanto, alicerçados os dois pilares onde Eros e Thanatos fixarão morada na estética de Wesley Safadão: redes sociais e dissolução pelo álcool. O desrecalque que há na forma e no conteúdo das canções de Wesley dá-se por meio da ênfase.

Na apresentação do dia do Galo, prestei atenção na banda que acompanhava Wesley: back vocals [homem e mulher que fazem as vezes de bailarinos]; percussão; baixo; bateria; guitarra; sanfona e metais. Depois, em casa, peguei as letras e observei a forma em que são escritas: a maioria em frases longas, como, por exemplo, em Tim Tim: “O mundo dá voltas e olha eu por cima | Continuo apaixonado, mas agora pela vida | Com aquele seu desprezo criei um drink irado | Mistura de cachaça e desapego | Tô solteiro e renovado”.

Wesley Safadão no palco da Arena Privilege
Isto é, a ênfase da estética de Safadão não está dada apenas no conteúdo das letras – o intempestivo embate entre Eros e Thanatos –, como também na forma em que são executadas e na forma como são construídas – as frases longas tão diferentes da estética do samba e da chamada MPB: mais sóbrias.

Cada período histórico do Brasil Republicano escolheu seu tipo de canção que, não obstante, reflete a emergência do segmento social que em seguida dirigiu o país: a juventude dos grandes centros urbanos. Foi assim com o samba de rua do decênio de 1930, no início das eras do rádio e Vargas; depois com o samba-canção na transição Vargas-Dutra-Vargas; a bossa nova com JK; a tropicália e a canção de protesto da Ditadura Militar; o rock nacional da reabertura democrática dos anos 1980; o sertanejo e o axé music das eras Collor e FHC, respectivamente, e agora o forró pop com o sertanejo universitário do lulismo.

As canções de Safadão refletem os anseios de um segmento da sociedade brasileira até há pouco tempo tolhido do: consumo conspícuo; acesso a bens e serviços até então distantes – viagens de avião, aparelho ortodôntico, carro particular, moto, faculdades, cursos técnicos profissionalizantes, emprego de carteira assinada… A estética de Safadão fala aos ouvidos e toca aos corações de uma população que ufana-se do Brasil pela via do consumo. O forró pop de Safadão é, inconscientemente para ele e seu público, a música trilha sonora do lulismo.

Enquanto Wesley apresenta suas últimas músicas, pude perceber a multidão refrescando-se abaixo dos dois canhões de água prostrados em duas torres no meio da área vip. Rente ao muro que divide o espaço e a Rua Imperial, os trios elétricos do Galo desfilavam lenta e calmamente, se comparados ao frisson da Arena Privilege. Enquanto havia canhões de água para refrescar a plateia da área vip, na área premium haviam grandes ventiladores de pedestal, daqueles que aspergem vapor de água.

A música de Wesley conseguiu galvanizar, policlassisticamente, setores da sociedade brasileira porque imiscuiu-se por meio de setores não guetificados, tampouco estigmatizados, de nossa sociedade: não é a música “oficial” do morro, nem da favela, como o funk, o rap e o tecno-brega. É uma música que conseguiu penetrar a conservadora sociedade brasileira porque faz alusão a signos de consumo legalizados, como, por exemplo, o álcool. Não vi ninguém consumindo maconha tampouco cocaína durante a apresentação, embora saibamos que exista o consumo. Mas esse consumo não está tencionado na fatura das canções de Safadão. Essa falta de Pólis [política] na estética de Wesley só faz ampliar as explosões de Eros e Thanatos numa voluptuosa estética da ênfase.

"A torrente de foliões mais cansados do que felizes"
A pergunta que devemos fazer é: por que Wesley Safadão tornou-se o maior fenômeno da música brasileira nos últimos anos? Tentar responder essa pergunta é lançar luzes para o entendimento da atual sociedade brasileira. Devemos sair da postura cômoda, e muitas vezes elitista, de achar que a indústria cultural trata seu público como sujeitos destituídos de agenciamento. Certamente há pessoas do seu convívio social que ouve Wesley e que você não os considera, seguramente, alienados. Tentar compreender a estética de Safadão é buscar respostas sobre os caminhos de um projeto político – lulismo – irradiado para a esfera do simbólico, a música, que o país traçou nos últimos anos.

Saí do Arena Privilege às 17h, na rebarba do Galo. Tomei o metrô e fui pra casa envolto em meio à torrente de foliões mais cansados do que felizes.

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