abandono a formalidade clássica das missivas, para ir direto ao ponto: - gosto muito de você. E que eu não seja mal interpretado - essa demonstração de afeto não é impulsionada por um arrependimento tardio.
O fato de você sempre ter sido uma pessoa seca, amarga, crua, nunca impediu que as pessoas ao seu redor lhe nutrissem carinho. O Alzheimer pode te impedir, mas eu lembro bem das tardes em que chegavas aqui em casa e eu corria para te dar um beijo, no que era interrompido no mesmo instante: beijo em homem é coisa de veado, menino!
É curioso: tu amargamente agradavas. Explico: tu conseguias cativar, não apesar, mas por causa do teu jeito ríspido.
Mas voltando ao ponto: digo isso, vô, para te dar um ânimo, pois parece que tu estás cansado de viver. Hoje, na mesa, mal movias a boca para comer; os olhos só abrias de quando em vez, como quem averígua a normalidade das coisas.
Desculpe, volto ao ponto anterior, talvez agora eu consiga explicar por que todos gostavam tanto de ti: vô, eras um furacão! De longe se percebia a tua presença, nada ficava quieto contigo por perto - seu alto timbre de voz e seus modos espalhafatosos chacoalhavam tudo. E esse motivo essencial é, quiçá, a maior dor: nem de perto és, hoje, vô, aquela pessoa.
Vô, se estiveres cansado, acredite, podes ir. Tens o aval de teu primeiro neto homem - lembro que tu se importavas muito com isso.
Mas, também, se quiseres ficar, fica. Novamente te darei comida, te carregarei nos braços e te colocarei deitado na cama.
Hoje, vô, cearemos sem tua presença forte e sem tua voz estridente. Mas o que importa é que na noite de natal tu durmas igual a um menino.
Fica na paz.
Abraços,
Seu Neto.
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