"Me segura senão eu caio": por que o frevo não toca o ano inteiro?
"Se a única coisa que
de o homem terá certeza é a morte;
a única certeza do
brasileiro é o carnaval no próximo ano". (Graciliano Ramos)
por Renato K. Silva
Não é
de hoje que uma dúzia de frevos sustenta o carnaval de Olinda e Recife. Na
última terça-feira de carnaval, do ano corrente, na apresentação de Elba
Ramalho, no Marco Zero, houve um ponto de inflexão no maior palco da folia
recifense: Elba tocou dois axés de Ivete Sangalo e a plateia foi ao delírio.
A
cantora paraibana misturou axé com frevo e isso não passou despercebido para
muita gente que, inclusive, afirmou que o Marco Zero estava parecendo o Circuito
Barra-Ondina. Exagero.
A
recepção calorosa do público ao axé demonstra que não é de agora que há fissuras no
gênero, por excelência, do carnaval pernambucano, o frevo, e que este está cada
vez mais permeável, ou melhor, perdendo espaço para ritmos musicais alienígenas
– axé, samba, eletrônico, funk, sertanejo universitário, etc.
Não
vejo problema nenhum na mistura dos elementos sonoros, até por que a propaganda do “Carnaval Multicultural”,
empreendida nas administrações petistas, formatou um certo jeito de entendermos
a nossa maior festa popular assim como a nossa tradição sincrética no tocante
às experimentações e hibridizações com culturas congraçadas em nossa terra. O
que seria dos nossos ritmos musicais sem a livre permissividade que,
historicamente, encampou suas lutas no pluralismo cultural? Certamente não teríamos
a complexidade e a sofisticação que temos hoje.
Pois
bem, o argumento central deste texto é o seguinte, o frevo vive há anos em um
paradoxo: é um ritmo musical, orgulho do povo pernambucano, mas ao mesmo
tempo tem sua longevidade amplamente tributada à subvenção governamental seja
ela no mecenato público ou na regulamentação de executarem-no exclusivamente
nas Ladeiras de Olinda, por exemplo, na época do carnaval. Isto é, não fossem os
recursos governamentais, as regulamentações e as execuções sazonais sobretudo
no período momesco, provavelmente o frevo já teria virado um epifenômeno.
É
estranho observar como um ritmo musical centenário, como é o caso do frevo,
precise de regulamentações e subvenções governamentais para continuar a existir
quando há, de fato, uma solícita recepção, não apenas por parte dos turistas,
como também do próprio povo pernambucano. Público há, faltam as condições matérias e simbólicas,
para além dos incentivos governamentais, mas a partir destes, para que o frevo
possa sim se perpetuar de maneira vigorosa, e não ser uma expressão musical
moribunda tendo apenas sobrevida na época do carnaval.
Vejamos
o exemplo do samba que este ano está chegando ao seu centenário. O samba está
vivíssimo se comparado ao frevo, e por quê? Não entrarei nem no tema da
estratégia que as administrações sobretudo varguistas imprimiram para alçar o
samba como ritmo musical, por excelência, da identidade brasileira, o que fez o
samba sair do cadinho regional para o nacional.
A certa altura, o samba e o frevo, até meados da década de 1970-80, tinham o
mesmo modus operandi no que se refere
à distribuição dos seus lançamentos: os sambas e os frevos novos eram prensados
– discos – por volta de novembro e dezembro, quando chegava fevereiro eles já
estavam na boca do povo.
O
samba ainda mantém relativamente a mesma estratégia sobretudo nos sambas-enredo das Escolas do Grupo Especial que têm seus temas gravados em discos e distribuídos meses antes do
carnaval, estes são executados nas rádios cariocas e fluminenses. Já o frevo
perdeu-se nas formas tradicionais de distribuição – discos –, especialmente com o fechamento da lendária e única grande fábrica de discos fora do Eixo Rio-São Paulo, a Rozenblit, localizada na Estrada dos Remédios, Afogados, e que fora fechada em 1984, devido a ampla concorrência das multinacionais do setor e das sucessivas enchentes que destruíram os equipamentos da fábrica inúmeras vezes.
A Rozenblit era responsável não só pelas gravações dos novos frevos, como também de boa parte dos demais ritmos musicais pernambucanos: coco, maracatu, baião, ciranda... Com o fim da fábrica, o frevo não tinha mais como escoar seus novos sucessos às vésperas dos carnavais. Não é estranho observamos que parte significativa dos frevos que ainda ouvimos venham do período da Rozenblit.
Talvez o maior inimigo do frevo seja o fato de não estar em cena, isto é, o frevo não é executado nas rádios tampouco aparece na televisão fora dos festejos de momo. O principal ritmo musical
pernambucano é alienado de sua população por conta de uma prática a qual todos
fazem vista grossa: o “jabá”.
O “jabá”
significa o mecenato privado (pagamento) que um empresário faz para uma Rádio X,
para que esta rádio execute as músicas de seu artista. Por isso que, quando
você navega com o dial de seu rádio sente-se um “ar” de familiaridade nas estações, ou um déjà vu, pois todas
executam o mesmo grupo de artistas e os mesmos ritmos musicais. Faça um teste:
ligue agora o rádio numa FM qualquer e, certamente, estarão executando um axé
ou um sertanejo universitário.
A
prática do “jabá” não é solitária, junto com ela a Indústria Cultural que, não
se enganem é uma instância altamente econômica e política, trabalha em sistema, rede e de uma maneira racionalizada.
Como exemplo, vejamos o caso do samba, falamos que antes do carnaval o público
na Marques de Sapucaí já está com os sambas-enredos na ponta da língua, pois
bem, além disso, os sambas são tocados nas novelas ou nas vinhetas da Globo; distribuídos
por meio do selo Som Livre; nos sistemas
de rádio; nas propagandas tanto da iniciativa privada quanto pública e, tudo
isso, numa lógica racionalizada:
maximizando os lucros e minimizando as percas na razão – os fins comerciais
justificam-se por si próprios.
Voltando
para o tema do paradoxo, o frevo encontra-se encalacrado num dilema cujas
autoridades não conseguem achar termo: deve continuar subvencionando com
iniciativas como o Paço do Frevo, por exemplo, enquanto o mesmo não é veiculado
nas rádios; na programação das tevês locais; num circuito de atrações para além
do carnaval etc., Qual a alternativa para fazer do frevo um ritmo musical
perene o ano todo?
Bem,
pesa contra o frevo o seu alto custo de execução, não dá pra fazer um “frevo
fundo de quintal”, uma reles fanfarra exige mais músicos do que qualquer grupo
de brega, por exemplo. Além disso, o frevo é um ritmo que exige um grau razoável
de virtuosismo e preparo físico sobretudo respiratório.
Outra coisa, não é por que não haja renovação no ritmo, há, sim, o problema é que os novos frevos não são executados nos meios de comunicação de massa nacionais tampouco pernambucanos. Não há espaços que os veiculem dentro do circuito comercial. Restando apenas as rádios universitárias ou públicas, mais uma vez os espaços subvencionados. Sem contar a nossa conveniência de não irmos atrás das novidades. Todos os anos ficamos descendo e subindo as Ladeiras, ou no Centro do Recife, cantando a mesma dúzia de frevos. Compositores de frevo como Getúlio Cavalcanti afirma que todos os anos compõe novos frevos, porém eles não são veiculados tampouco há apelo para que ele toque os trabalhos recentes. Fica todo mundo pedindo: "canta O último regresso!".
Talvez
uma saída para o frevo seja apresenta-lo as novas gerações. E esse exercício
deve ser feito a partir das escolas municipais que possuem estruturas físicas razoáveis, por exemplo. Para tanto, dar aulas de percepção musical com ênfase no frevo e também de dança com especial interesse no ritmo que é uma dança popular fisicamente plástica, o que ajudaria também na educação física.
Dando continuidade, seria interessante criar um circuito para o frevo além do
subvencionado pelo mecenato público. Ou seja, vide o brega e seus correlatos
(tecno-brega, brega-funk...) que começaram galvanizando os programas de auditório
local no início dos anos 2000, estes recebiam caravanas de escolas públicas, por
conseguinte, os programas construíram um público de início nas periferias e hoje alastrado
por toda a cidade, basta observar o brega chique-andrógino classe média de um
Johnny Hooker, ou o brega-fuleiragem, também de classe média, de um Faringes da Paixão.
Como
espaços para escoar a produção do brega local, vejamos o exemplo do
bairro de Jardim São Paulo, há nele, hoje, três casas noturnas que tocam, quase
exclusivamente, brega e seus desdobramentos.
O
brega é um exemplo de uma música que conseguiu consolidar-se por si mesma
firmando um circuito, aqui em Recife, com seus agentes destituídos dos aportes tradicionais da Indústria Cultural (sistema, rede, racionalização),
esta que ajudou tanto o samba quanto mais recentemente o funk, no Rio, tampouco
o brega tem subvenções governamentais como tem o frevo, tanto na capital
quanto no interior.
Talvez
o caminho que o frevo precise trilhar esteja no exemplo do brega que, começou
se permitindo às influências de outros ritmos, depois partiu para a luta de
conquistar seu público e seus meios de distribuição – casas noturnas, programas
de tevê, rádios, camelôs comercializando CDs piratas, etc., Precisamos de mais
Spoks, Maestros Forró e outros para oxigenar o frevo e, acima de tudo, precisamos cobrar mais
políticas públicas que façam o frevo, futuramente, não precisar mais destas. Do contrário, o frevo continuará com sua existência tal o refrão de Pagode Russo, de Luiz Gonzaga e João Silva: “Parecia até um frevo naquele vai ou não vai”.
Doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.
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Imagem I: Elba Ramalho na última noite do carnaval recifense, no palco do Marco Zero.
Disponível em: <http://carnaval.uol.com.br/2013/album/2013/02/13/elba-ramalho-faz-show-no-ultimo-dia-de-festa-no-marco-zero.htm> Acesso em: 12 de fev. 2016
Imagem II: Banda Ovelha Negra.
Disponível em: <http://quemgostadebregasoueu.blogspot.com.br/>
Acesso em: 12 de fev. 2016.
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