O dia que me fodi no WhatsApp
Domingão em família: macarronada, Coca-Cola e fofoca.
A novidade era o grupo do WhatsApp da família. Soube que o grupo era
quentíssimo! Minhas tias e primas andavam excedendo-se ao compartilharem imagens,
digamos assim: pouco católicas. O que levou a ala protestante da família a estrilar. É a aquela história: parece que a “lei de crente” tenta controlar mais ainda aquilo que com certeza conduziu até ela: o policiamento público da libido.
Enquanto ouvia a fofoca e sorria bonachonamente dos
causos familiares através da ferramenta de comunicação mais revolucionária da
humanidade até então, o WhatsApp, fui de súbito abordado por uma das minhas
primas que estava almoçando conosco: “Ei, porquê tu não entras no grupo da
família?”. Como declinar de um convite assim à queima-roupa? Além do mais no
símbolo máximo do congraçamento familiar: a mesa de refeições no domingo. Ao
sabor da conveniência topei que adicionassem meu contato no grupo.
Depois do almoço fui dar um rolé pelo Centro. Era
dezembro e não havia futebol nos estádios e consequentemente na tevê. Domingo
sem futebol é tão melancólico quanto uma quarta-feira de cinzas. As pessoas no
Centro farfalhando suas sacolas de compras de fim de ano, outras andando de
patins, skate, bicicleta, correndo, tirando selfies... Vale tudo para oxigenar
a vida inclusive encarar o Centro, solitariamente, num domingo à tarde, sem um
mísero pacote de dados no smartphone – o solitário abandonado à comunicação
passiva do smartphone.
Cheguei em casa ao fim da noite. O smartphone
descarregado. Coloquei-o para carregar e fui ler um brochura qualquer. Peguei
no sono. Domingo é assim mesmo e ainda mais de dezembro: a atenção prevarica; o
corpo liquefaz-se na esperança de dias melhores no próximo ano –
sabemos que nada vai mudar, entretanto dormimos com a baba brilhante da esperança escorrendo no colchão.
Acordei às 5h e tinha que sair pra trabalhar às 7h. Levantei-me uma hora mais cedo do que o habitual. Tirei o carregador da tomada e liguei o celular enquanto dirigia-me ao banheiro. Foi o danado ligando e a plêiade de mensagens acumulando-se no visor do grupo da família: 753 notificações! Tive a deferência de ler cada uma, aliás, estava ali no grupo pela primeira vez e precisava saber o que geralmente falava-se naquele espaço. Foram mais de 60 áudios; mais de 30 memes; uns 40 vídeos; mais de 50 fotos; umas 35 correntes e, pasmem! 3 “bom dia!” às 5h da manhã! Meu Deus!
Tomei banho. Passei um café. Joguei a manteiga no pão. Enquanto sorvia delicadamente o café, fui abrindo os áudios, os memes e os vídeos. Nossa! Tinha de tudo! Um teatro de variedades, um circo de freak-show. Entre um cara de cueca e um vídeo satirizando Lula e Dilma sobre o caso da Petrobras, pude constatar uma corrente pedindo ajuda a um senhor desaparecido lá para as bandas do UR-07 Várzea. Entre um Ursinho Puff desejando bom início de semana e um áudio alertando greve geral dos caminhoneiros caso passasse a lei que impunha mais severidade às greves da categoria, vi a foto de um bolo confeitado com os dizeres: “Você não vale nada, mas eu gosto de você”. E para completar o “Bom dia, Caos!” que estava tendo, abri um vídeo onde mostrava uma tentativa frustrada de assalto a uma agência bancária, um dos clientes era policial a paisano e atirou num dos assaltantes. Um dos clientes filmou a ação: o tiro, o tombo o sangue espargindo na câmera do seu smartphone.
Depois deste último vídeo fechei o app e pensei em sair do grupo da
família. Mas daí pensei: seu eu sair assim de chofre certamente falarão que eu
sou “metido a besta... chato... ateu da aldeia... maconheiro... o doido...” Pois
é, apesar dos revolucionários meios de comunicação a família continua
sendo a célula social por excelência da coesão, coerção e achincalhe dos seus consanguíneos.
As fronteiras entre o público e o privado são borradas no convívio familiar
mesmo na porra de um aplicativo. O café esfriou. Joguei-o na pia. Saí para
trabalhar com aquele turbilhão de mensagens e imagens na minha cabeça. Meu dia
foi foda. E pra acabar de foder era segunda-feira e a resenha da semana estava
apenas engatinhando.
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