Notas de verão sobre impressões de primavera [São Paulo] II
POLÍTICA
No
dia 15 de novembro de 2014, um sábado, fui ao MASP [Museu de Artes de São
Paulo] conferir à exposição do acervo e conhecer as dependências do lugar cuja
origem deu-se graças à iniciativa do jornalista e empresário paraibano, Assis
Chateaubriand, dono dos Diários Associados que, na ocasião, gostaria de brindar
a cidade com um museu digno de sua envergadura. Para isso, contou com a
desestabilização do patrimônio das artes plásticas europeia do pós-Segunda
Guerra mundial. Sem contar todo o mecenato privado proveniente das famílias
“quatrocentonas” do estado paulista, como bem relata o jornalista Fernando
Morais na sua biografia sobre Chateaubriand – “Chatô, o rei do Brasil”.
Era
um sábado de sol que incidia sobre os vidros e os mármores da sede do Banco
Safra, do Conjunto Nacional e do Banco do Brasil do outro lado da Alta Augusta,
minhas retinas doíam com os reflexos espectrais do capital. Era por volta do
meio dia quando saí do Hostel e ganhei à Paulista pela Rua Augusta. Fiquei
estarrecido com o trânsito parado na avenida em direção à Consolação – não é
algo comum. Instantes depois, descobri o motivo da retenção: um protesto a
favor do impeachment da presidente democraticamente reeleita, Dilma Rousseff.
Além desta pauta, havia também um “brado retumbante” no coração do centro
econômico brasileiro – “Fora PT!”.
No
caminho até o museu, deparei-me com uma quantidade significativa de corpos
caucasianos envolvidos com a camisa da seleção brasileira, o escudo da CBF no
peito, tanto o primeiro uniforme [amarelo] quanto o segundo [azul]. Outra
indumentária que pairava sobre os corpos brancos eram as camisetas com os
dizeres: “Fora PT” com a foto da presidente Dilma barrada com duas fitas vermelhas
cruzadas sobre a sua fotografia da época de guerrilheira. Sem contar, a
bandeira brasileira que fazia as vezes de xale no início daquela tarde cujo sol
iluminava, mas não esquentava os corpos na Paulista. Alguns cartazes também
chamaram-me a atenção, entre eles, um estandartizado por um provável yonsei cuja
a foto era a do economista neoliberal austríaco, F. Hayek.
O
ato era alimentado por quatro trios elétricos, de médio porte, que espalhavam
além do já referido alarido: “Fora PT!” reiteradas vezes na boca dos
arrebanhadores da multidão, estavam paramentados com faixas que diziam:
“Fraude”; “Fora Dilma”; “Governo antipatriota, bandido, vai acabar com o
Brasil, temos que tirá-lo agora, amanhã será tarde”; “Impeachment, já”; “Foro
de São Paulo” etc. Súbito, um dos líderes da manifestação, no trio elétrico que
estava rente ao vão livre do Masp, pediu silêncio aos demais trios para que o
grupo de samba [todos os músicos eram negros, praticamente os únicos] pudessem
passar o som sem uma grande interferência sonora dos outros trios. De chofre, o
grupo de samba começou a entoar a canção que, evidentemente, não tinha sido
composta por eles. Entre as estrofes da música, poderíamos ouvir isto: “O
gigante acordou”; “Chega de mentiras”; “Chega de corrupção”; “Não somos de
nenhum partido”; “Chega de Estado, queremos à livre iniciativa” etc.
No
vão livre do Masp, sentei-me após contemplar a visão do bairro da Bela Vista.
Acendi um cigarro e retirei o bloco de notas para tomar algumas. Neste ínterim,
uma senhora aproximou-se e perguntou-me: “Você é jornalista?” a qual respondi
laconicamente: “Não”. De repente, vi que um sujeito envolvido em uma bandeira
do estado de São Paulo, de calça jeans azul, tênis e a cabeça raspada [skinhead] aproximar-se de mim. Sentou-se
ao meu lado enquanto tomava notas sobre ele. Percebi que minhas vestimentas e
minha aparência não eram compatíveis com a ocasião – camisa rosa estampada com
um desenho de B. Dylan; calça jeans; um agasalho de flanela com estampas xadrez
vermelha; barba por fazer; cabelo grande etc., evidentemente, não tinha acabado
de sair da Baía dos Porcos na Cuba de 1959, tampouco meu visual coadunava-se
com o ambiente naquela tarde da Paulista. Diante disso, resolvi sair à francesa
de onde estava, até porque ainda não havia falado o suficiente para detectarem
meu sotaque e, por conta disso, não quis dar azo para que isso ocorresse.
Falarei
de minha visita ao Masp em outra ocasião, no momento, interessa-me discorrer um
pouco mais sobre a política e a economia, resumidamente, no estado de São Paulo.
E sua relação com os destinos da nação, principalmente, a histórica guinada à
economia liberal dos paulistas e sua supremacia econômica que não converteu-se
em hegemonia.
POR UMA HEGEMONIA INCONCLUSA
É
patente que capital não faz capital antes de ser capital, a economia
cafeicultora paulista não é auto-explicativa, houve uma acumulação primitiva deste capital. De início, vale relembrar a
tese da imigração que, além de ser uma proposta de embraquecimento da população
brasileira; no geral, e paulistana; no particular, contou também com a forte
familiarização [habitus] com o
trabalho rotineiro [assalariado] dos povos que imigraram para a região das
“terras roxas” [São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná] propicias ao plantio do
café, entre eles: alemães, italianos, japoneses, ucranianos etc., houve, acima
de tudo, uma recusa à assimilação da mão de obra negra recém saída da
escravidão, falo aqui no final do século XIX, pois o medo da insurreição
quilombola [Palmares] ainda encontra-se vivo no imaginário brasileiro.
Essa
forte imigração de mão de obra socializada com uma divisão do trabalho
capitalista, somada ao controle estatal dos preços do café – não nos esqueçamos
que São Paulo e Minas Gerais revezavam no poder federal desde a Proclamação da
República em 1889 – para a exportação no mercado internacional [o café era uma
das mercadorias mais valorizadas no mercado externo].
Talvez
esteja aí a gênese da acentuada distância entre as regiões brasileiras que,
diga-se de passagem, vem desde a colônia porque o Rio de Janeiro alimentava-se
do comércio de escravos e da burocracia federal [era a capital] que,
perdulariamente, era um escoadouro das divisas superavitárias dos estados
produtores de cana de açúcar, algodão etc., aí leiam-se Bahia, Pernambuco e
outros. Estes estados enviavam para a capital boa parte de seus excedentes
econômicos em troca de apoio político para suas oligarquias latifundiárias – um
problema histórico que mantém a desigualdade regional no Brasil até hoje.
Na
virada do século XIX para o XX, São Paulo foi estabelecendo-se, a partir da acumulação primitiva do café, como a
ponta de lança do desenvolvimento econômico brasileiro. Agora, contando também com
uma forte dominação política na casadinha do “Café com Leite”. Desta feita, a
relação fisiológica que as oligarquias rurais do Nordeste estabeleciam com o
Rio de Janeiro foi sendo paulatinamente voltada para São Paulo, por conseguinte,
para preservarem seus interesses econômicos e políticos com a então
“locomotiva” [a metáfora mecânica-industrial] que trazia mais de “vinte vagões”
fora dos trilhos. Porém, a proeminência econômica dos paulistas não irá
refletir na hegemonia, como veremos.
Para
se estabelecer uma hegemonia não é suficiente apenas um domínio econômico, tem
que haver também um domínio no imaginário e São Paulo, desde a década de 1920,
em especial, a partir da Semana de Artes de 1922, estava começando a
estabelecer este imaginário através do “Eldorado Paulista” – uma ilha
capitalista repleta de oportunidades, mas cercada por um continente
pré-capitalista, o resto do Brasil. O “Eldorado” não completou-se na
consciência coletiva nacional por inúmeros motivos [apesar da constante, em
menor número, migração e imigração para São Paulo até hoje], entre eles, destacaremos
dois grandes motivos: a Revolução de 1930 e subsequentemente a derrota paulista
frente às tropas varguistas em 1932 e, segundo, um forte recrudescimento da
cultura paulista em seu próprio eixo – São Paulo a partir daí começou a mirar
seu próprio regaço, não só na esfera da cultura, como também na economia, na
política, nas artes etc. Esse ideal auto-suficiente possui algumas origens.
Após
1932, o centro de gravidade nacional migrou novamente para o Rio de Janeiro com
todo o processo modernizador do aparato burocrático brasileiro implementado por
Vargas na capital federal, entre eles, por exemplo: o MES [Ministério da
Educação e Saúde] que contava com o ministro Gustavo Capanema que conseguiu
centralizar sob sua pasta, boa parte da intelligentsia
brasileira oriunda de diversos estados da federação. Entre eles: Minas,
Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e outros. Desta lavra de intelectuais e
escritores, podemos destacar: Drummond, G. Ramos, R. de Queiros, José Lins do
Rego, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e outros.
Outro
ponto que merece destaque sobre este tema é que São Paulo após 1930, não
conseguiu emplacar um corpo burocrático que administrasse os destinos da nação
em esfera federal. A sucessão de malfadados políticos paulistas que tentaram
alçar voo nacionalmente é extensa, podemos destacar: Jânio Quadros [presidente
que tentara implementar uma política executiva através de bilhetinhos no
Alvorada]; Adhemar de Barros [famoso pelo seu slogan, “Rouba mas faz”]; Paulo
Maluff etc. Parece que São Paulo abriu mão dos destinos federativos não só na
política lato sensu, como também na
esfera militar [há poucos generais paulistas] e eclesiástica [historicamente há
poucos cardeais paulistas nascidos no próprio estado] como aponta o sociólogo
pernambucano, Francisco de Oliveira em seu artigo, A questão Regional [1].
Outro
fator preponderante para a manutenção da distância regional foi o Golpe Militar
de 1964 e seu correspondente “milagre econômico” durante a década de 1970. O
“milagre” drenou boa parte dos recursos federativos para obras públicas [em sua
maioria na construção civil que arregimenta toda a cadeia produtiva do setor]
para a região Sudeste, quase como um represália pela histórica insurreição
nordestina que, desta vez, clamava por reforma agrária e por uma maior
participação da classe trabalhadora, eminentemente rural, na participação dos
lucros e por melhores condições de trabalho, como por exemplo, As Ligas
Camponesas.
A
economia paulista deu uma acentuada virada para à indústria com forte ênfase
urbana, fazendo com que o campo torna-se secundário como podemos constatar na
série de documentários da Caravana Farkas [Os retirantes etc]; nos filmes de
João Batista de Andrade [O homem que virou suco etc]; Luiz Sérgio Person [São
Paulo S/A]; nas peças de G. Guarniere [Eles não usam black tie]; no livro de João Manoel Cardoso [Capitalismo tardio];
nas fotografias de Hans Gunter Flieg [suas fotografias sobre a industrialização
em São Paulo] e nos contos de João Antônio [Malagueta, Perús e Bacanaço]. Neste
último exemplo, evidencia-se o outro lado da moeda – o lumpemproletariado
exilado da utopia “Eldorática” paulista.
Em
São Paulo não houve um ética capitalista
daquela que Weber se refere na gênese do capitalismo moderno nos países de
matrizes protestantes, em especial, os calvinistas. No estado dos Penteados
grassou uma burguesia fortemente marcada por um liberalismo avesso à burocracia
federal, ou seja, contrário ao Estado nacional cada vez mais consolidado e
pungente. A revolução burguesa paulista fora acentuadamente marcada por uma
divisão do trabalho voraz. A burguesia fez a revolução, só que não de maneira
clássica como no caso francês, tomou as rédeas da economia mas não conseguiu
finalizar a hegemonia que se daria com a organização da cultura.
À
medida que o Estado brasileiro crescia e tornava-se cada vez mais
centralizador, o interesse paulista por esta instituição altamente voraz e
poderosa, diminuía. Talvez pela não identificação com um imaginário popular
nacional decorrente da própria colcha de retalhos étnicas que é a cidade de São
Paulo – local por excelência para a implementação de uma hegemonia nacional em
virtude do forte aparato na indústria cultural. Esta incapacidade de emplacar
uma visão de Brasil nascida no seio de sua cultura é patente, basta vermos os
símbolos que São Paulo tentou “vender” para o Brasil: Mazzaropi como filho
dileto do empreendimento da Vera Cruz Filmes, uma tentativa da burguesia
paulista para criar uma indústria cinematográfica a partir de pastiches do
cinema norte-americano e europeu, evidentemente, o caipira Mazzaropi não
decolou para fora do Recreio dos
Bandeirantes [São Paulo]. Diferente do imaginário do cangaceiro e da favela
carioca que possuem forte apelo comercial e de identificações nacionais até
hoje. Para além de Mazaroppi, podemos destacar o “samba paulista” que,
excetuado Adorinan Barbosa, não conseguiu alçar outro sambista carismático em
escala nacional. Ainda na música, seu filho mais ilustre, Chico Buarque de
Holanda fez toda a sua carreira musical, dramatúrgica e romanesca no Rio de
Janeiro e em Paris. É do Rio de Janeiro também a maior produtora do imaginário
nacional, em termos de indústria cultural, a Rede Globo. Exceção seja feita ao
Rap que desde Racionais MC’s vem consolidando um imaginário paulista no Brasil,
porém, sua irradiação não é de amplo espectro porque sua música não alcança à
indústria cultural brasileira.
Desconfiamos
que São Paulo, assim como Nova York [centro econômico norte-americano] consomem
e usufruem de culturas que, geralmente, são mais produzidas fora de seus
domínios. Porém, os nova-iorquinos tem o MoMA, o Metropolitan e o Gugueheim que
fazem frente à qualquer museu do mundo, São Paulo tem uns bons e diria até
excelentes museus, mas não possuem um Woody Allen e tampouco um Philip Roth
para construírem e venderem um imaginário de sua cidade para o mundo. Por outro
lado, faz tempo que São Paulo não emplaca uma cinegrafia de peso e uma
literatura do tamanho de sua relevância econômica. Um cinema com forte marca
paulista agora está sendo reconhecido em alcance nacional, falo aqui do Cinema
Marginal da Boca do Lixo [décadas de 1960-70] talvez essa não legitimação
histórica seja proveniente da própria natureza da “marginália ou udigrudi”
desta cinegrafia, um cinema “sujo” e “rústico” [Candeias, Tonacci, Sganzerla].
Já
em relação à literatura, houve um “sopro” de criatividade nos anos 1990 com a
geração de M. Aquino, L. Ruffato, M. Freire e outros, porém, não foi uma
geração suficientemente capaz [talvez não fosse o desejo deles mesmo] de impor
sua “visão de mundo” ou de cidade para o Brasil, sem contar que a maioria
destes escritores não são paulistas.
DE VOLTA AO MASP
A
passeata pró impeachment de Dilma [“Fora PT!] não atingiu às dimensões da
Marcha da Família com Deus pela Liberdade organizada pelo então governador
Adhemar de Barros em 19 de março de 1964, doze dias antes do Golpe.
Curiosamente, Adhemar de Barros pró-militares fora destituído por estes durante
o Regime Militar.
O
que deu para perceber, até o momento em que tive “fígado” para suportar tudo
aquilo, é que este protesto foi uma “revanche” ao ocorrido no dia anterior na
mesma Av. Paulista: um protesto liderado pelo MST, MTST e outras organizações
de minorias sociais que lutam, entre outras reivindicações, por moradia na
capital paulista. A passeata destes “socialistas morenos” assustou toda a
região da Paulista. Estava no metrô na hora da concentração quando fui
surpreendido na Estação da Consolação por uma “maré” vermelha com gente morena,
de pouca estatura e sem camisa verde amarela com o escudo da CBF no peito,
gritando e apitando pelos túneis do metrô, seguidos de perto, é claro, pelos
seguranças da empresa terceirizada. Em São Paulo, faz-se necessário vigiar de
perto tudo aquilo que esteja relacionado ao Estado e ao dever que este deve ter
perante à população que alimenta este “mostro frio” como nos diz Nietzsche, mas
mais frio do que ele só o laissez-faire
da Av. Paulista.
Após
o skin head ter sentado ao meu lado,
saí da Paulista e tomei um metrô no Trianon do Masp com destino ao Brás, estava
cansado daquele Brasil mais “branco” do que o cartaz com a foto de F. Hayek.
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por Renato K. Silva - Pós-graduando em Ciências Sociais pela UFRN
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por Renato K. Silva - Pós-graduando em Ciências Sociais pela UFRN
[1] Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v7n18/v7n18a03.pdf
Acesso em: 26 de nov. 2014.
Crédito da imagem disponível em: http://www.blogdajoice.com/intervencao-militar-racha-passeata-anti-dilma-na-paulista/ Acesso em: 26 de nov. 2014.
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