Quando o violão vira ampulheta, é hora de divagar...
De férias, fui visitar minha irmã em Fort Lauderdale, Flórida,
EUA. Ela foi fazer um intercâmbio em Farmácia e arrumou um gringo – certa como
mais um clichê neste largo mundo de meu Deus. Passei por lá quase um mês
inteiro. Em meio à mistureba de latinos: cubanos, porto-riquenhos, mexicanos,
brasileiros etc., eu consegui botar meu inglês em prática. Foi difícil porém
procurei nativos como japoneses em busca de um karaokê.
Os estadunidenses são desconfiados. De início, pensava que era só
com os latinos. Medo de ter a carteira furtada, o celular de última geração
surrupiado etc., depois percebi que eles são cismados por natureza mesmo. Acho
que um sentimento natural de autossuficiência por ser a nação hegemônica no
mundo. Como se a invenção do Big Mac lhes garantissem certa superioridade
cultural frente às nações. Whatever.
Após alguns dias naquele paraíso pré-tropical na “boquinha” do
Atlântico Norte, com seus hotéis cinco estrelas; cascatara de setecentos mil
jatos; iates; carros de luxo e mais latinos em busca de bugigangas eletrônicas,
eu consegui estabelecer contato – para além do formal – com um autóctone
chamado, Bill.
William era o nome dele, mas por estes descaminhos da semiótica
estrutural, os Severinos (Biu) daqui; são chamados lá de William. Inconscientemente
eu o chamava de Severino. Segundo ele, tinha vindo do midwest (meio oeste), uma cidadezinha de
Illinos (só conheço este estado porque lá encontra-se a cidade de Chicago) para
morar em Miami com uma namorada que conheceu em Chicago. Morou com ela durante
dois anos e meio, separaram (não quis entrar em detalhes) e ele veio para Fort
Lauderdale porque não suportava mais Miami. Para ele, Miami fede a dinheiro e a
gente burra como os brasileiros que lá vivem. Pediu-me desculpas por ter
atacado meus conterrâneos. Eu disse que não ligava etc.,
Bill trabalhava como clear (informalmente: lavador de pratos)
em um restaurante italiano que costumava frequentar em Lauderdale porquê de
milk-shake e batata frita um estômago nordestino não aguenta viver.
Um belo dia de sol – redundante em Lauderdale – eu saboreava meu king size de filtro branco, contemplando à ordem
geral das ruas, daí chega Bill com seu king size de filtro amarelo e começamos a
papear. De repente, passa uma latina (acho que colombiana ou cubana ou
martinicana ou brasileira ou, ou, ou) e ficamos lá acumulando cinza nos
cigarros enquanto aquele pecado tropical through our eyes.
Daí Bill falou: “hourglass
waist”. “Whats?” perguntei. Ele respondeu: “cintura de ampulheta”. Eu rir
da metáfora que os gringos fazem com a nossa: “cintura de violão”. Ele
perguntou do que estava rindo e eu disse: “forget”.
Fique um par de horas pensando donde raios estes norte-americanos
foram tirar uma metáfora desta para designar uma coisa tão delicada como a
cintura fina de uma mulher? Primeiro, por ossos do ofício (cientista social)
pensei na frase: “times
is money” tão cara ao ethos calvinista que ajudou a forjar à
têmpera pelos negócios da cultura estadunidense. Em uma palavra, só uma cultura
voltada para o dinheiro poderia transformar um corpo simétrico (em curvas) na
imagem de uma ampulheta (tempo).
Em seguida, comecei a relativizar (por um achaque de antropólogo)
que as curvas das mulheres norte-americanas são mais proporcionais do que as
das brasileiras. Ou seja, de cima a abaixo eles enxergam uma proporcionalidade
maior. Enquanto as brasileira são mais anchas de baixo para cima, por isso, a
“cintura de violão”. Além disso, o violão é um instrumento usado de maneira
mais matreira aqui no Brasil pelas contribuições do Samba, da Bossa Nova e
outros swings nacionais como o Samba rock de Jorge Ben Jor. Enquanto por lá, o
violão é eminentemente do Blues, da música Country etc., ritmos mais “rígidos” do que
as nossas cadências nas cadeiras pelas batidas sincopadas do violão brasileiro.
Talvez por isso a nossa metáfora (cintura de violão) subjaz um ritmo, uma
associação inconsciente não só pelas formas da mimeses visual, como também do
ritmo que é impresso no andar das brasileira: felina como um acorde dissonante
de João Gilberto ou “displicente” como num Samba de Cartola.
Por falar no negão do Morro da Mangueira, veio-me à luz, na
ocasião, um Samba (Cordas de aço) dele em que todos estes arquétipos se
misturam de forma radical. Ao ponto de parecer até um ménage entre: o compositor, o violão e
sua amada. Mistérios de uma música oriunda da diáspora negra (Samba); da
semiótica estrutural ou da cabeça de um cronista lost in translation como eu em Fort Lauderdale. Fiquem
com samba, por favor.
Ah, essas cordas de aço / Este
minúsculo braço / Do violão que os dedos meus acariciam / Ah, este bojo
perfeito / Que trago junto ao meu peito / Só você violão
Compreende porque perdi toda
alegria / E no entanto meu pinho / Pode crer, eu adivinho / Aquela mulher / Até
hoje está nos esperando / Solte o teu som da madeira / Eu você e a companheira
/ Na madrugada iremos pra casa / Cantando...
***
Foto: Paola Oliveira de espartilho na praia do Arpoador, Rio de
Janeiro.
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