O Desespero que Sangra Todo o Mês
Nós mulheres temos uma forma peculiar de
desespero que difere das dos homens, sofremos ele de uma maneira descabelada,
barulhenta e circular, eu acho. Ele é regado a conversas intermináveis ao
celular e a comida, reparam? Nossas bocas não param. Já os filhos de Adão são
mais silenciosos, o desespero de gene XY se realiza em porres de álcool em uma
atmosfera de quaresma, que lembra a de uma barbearia com jogos de dama, mais
triste do que uma dose de uísque em uma varanda qualquer, assim creio. Já o nosso
desespero de par XX é um carnaval de rua, é frevo vassourinhas, mais ruidosos
do que boca de manicure.
O movimento circular de nosso desespero pode
ser visto em um reles lavar de prato, ou de roupa, não que essas atividades
sejam mais exclusividades nossas, uma pena, gostaria que ainda a fossem, haja
vista o feminismo ter nos presenteado com as jornadas duplas e triplas, e além
do mais não vejo demérito nenhum em ser dona de casa, eu acho. Enfim, porque
temos que ouvir música quando lavamos a porra de um prato, ou quando torcemos
de forma contrária as roupas recém lavadas, cantando a plenos pulmões músicas
que mais lembram uma ladainha de uma carpideira chorando por um alguém
qualquer, assim eu vejo.
Somos o par de costelas a mais que carrega o
choro expulso após nove meses, somos a pedra que rola diariamente para os
Sísifos subir com ela logo após, movimento peristáltico em busca do transe,
somos a novela das sete, a cama bagunçada, as pernas que tremem, a boca aberta
e os olhos revirados, eu acho.
O movimento de nosso desespero é romântico, é
a Cavalgada das Valquírias de Wagner, subindo aos céus em busca de um Odin
qualquer, o desespero masculino é música barroca, é Bach tocado em câmara para
meia dúzia de expectadores, já nós queremos os holofotes que cegam mais que
iluminam, queremos a plateia, a multidão, a massa, a burguesia, assim penso. Nosso
desespero é estrógeno, é Vivian Langue em e
o vento levou... É Audrey Hepburn batendo pernas na Tiffany. Já os
testosteronas são Alfred Bogart sorumbático ouvido as time goes by, é Bill Murray com suas broking flowers, eu acho. Desespero hipostático, Emma Bovary
alucinando, Lady Macbeth ao pé do ouvido, é Eva persuasiva sentindo dor no
trabalho de parto, conversas na pia e na cozinha, é jogo de queimado, é Suzy
querendo ser Barbie, é sangue todo mês e ele não morre, se revigora em cada
movimento uterino, assim penso.
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