Sonho de uma noite de engodos IV

6.7.16 Cabotino 0 Comentarios


- “Veja bem, olhe para esses carinhas aí na sala tomando uma e fumando seus cigarros com todo esse ethos” (ah! Esse latim ainda vai acabar comigo) “moderninho – barba bem desenhadinha” (ainda bem que fizera a minha no dia anterior, e esse diminutivos então? Era uma verdadeira fera em flor na minha frente que, no momento, havia prendido o seu cabelo e um olor de caju no mês de abril brotou daquele pescoço, senti meus testículos enrijecerem na hora); “sandálias de dedo; toda esta roupa hermeticamente puída, parece até que estão fantasiados de pobre, os cabelos perfeitamente assanhados depois de meia hora na frente do espelho; esses óculos de grau com armações vintage etc, etc., não se engane, são todos veados e só esperam uma oportunidade para soltar a franga, como há pouco com aquelas músicas...”

Dei uma gargalhada e perguntei:

- “Você está cheia deste tipo de cara?”

- “Ôh, e como!”

- “Porque você ainda os convida para a sua casa?”

- “Não sei, acho que é a força do hábito. Não sou destas que desdenham o pessoal da classe social buscando o ‘exótico’ em outras paragens. Acho uma tara tão falsa quanto o Movimento Armorial que, prega uma volta às origens da cultura pernambucana, daí eu te pergunto, que origem? Origem ibérica? Árabe? Ou o movimento pelo direito à cidade recifense que vive pregando a permanência dos edifícios antigos contra os novos empreendimentos imobiliários, como esse prédio que estamos dentro. Sou contra um e outro porque acredito que a arquitetura do século XIX e início do XX não condiz com a arquitetura primeira da cidade. Contudo não sou a favor destes empreendimentos imobiliários que põe um aranha céu às margens do rio ou na beira da praia, apesar de viver em um deles. Acho tudo uma grande bosta. Estou cansada disso tudo”

- “Eu posso arrumar um barraco lá na favela para nós, o que achas?”

Ela não achou graça e vi que estava se entediando com a conversa, mas o homem tem que persistir. Poucas mulheres, em condições normais de temperatura e pressão e também de status social, resistem à persistência de um homem determinado. Tinha dois pontos contra mim: não era da mesma condição social tampouco sou determinado. Porém, o que fazer quando se esta no inferno? Procura uma capeta e abraça, e a minha estava bem ali com seu vestido preto e sua pele vermelha, o que deveria fazer era voltar a ver aquelas covinhas novamente. Mas, como meu Deus fazê-la sorrir novamente?

– “... Uma coisa que me intriga, é besteira, mas sou um cara curioso e não vou morrer disso porque ela só mata o gato e de felino eu não tenho nem o andar muito menos a metáfora de ser chamado de gato: porque estás tão bem vestida estando dentro da própria casa?”

Depois no ônibus voltando para casa eu me perguntei, não tinha uma pergunta mais interessante para fazer? Que maçada. Acho que é uma coisa que nunca vou aprender direito: o exercício da recepção do flerte no universo feminino. Penso que toda vez em que tentei encenar um papel ou ir para linhas pouco usais – sair do feijão com arroz – não arrumei ninguém. Além disso, quando você não consegue extrair o sorriso da flor, o desabrochar, você terá apenas a fera arredia a qualquer investida.

- “Só por que estou em casa não quer dizer que eu tenha que receber às pessoas de maneira mal vestida. Demorei muito para aprender a produzir-me, mesmo de forma incipiente” (que adjetivo!), “pois estudei em colégio interno e lá até brincos eram proibidos. Agora, sempre que posso uso maquiagem e me visto bem, mesmo em casa ou quando vou à universidade. Não sou destas que não se depilam ou não usam perfume porque acreditam na opressão do corpo feminino por meio da depilação ou porque certo perfume é testado em animais. Não vou sair por aí peluda ou fedendo, até porque se está ruim para mim que faço o buço, imagine para quem não faz e ainda fede a suor? Tu iria querer sair com uma mulher assim?”

- “Ultimamente não estou pegando nem sovaqueira em coletivo quem dirá estas feministas de campus e rede social que você descreveu. É mais fácil o Náutico ser hexa campeão novamente do que eu pegar alguma delas” Juliana olhou-me de través, daí eu lhe perguntei?

- “Você é alvirrubra?”

- “Sim, mas por força da tradição familiar do que por minha livre vontade de torcedora, mas gosto do Náutico mesmo assim”

Parece uma desgraça, quando a Fortuna lhe escapa não há Virtú que segure tanta tormenta, por que Maquiavel não escreveu um capítulo, em O Príncipe intitulado: Como um homem sem Virtú e sem Fortuna pode conquistar uma mulher. Meu tempo estava acabando e eu parti, desesperadamente, para a Blitzkrieg só que não fazia ideia de que a “Polônia” estava tão fria que minhas “bombas” não surtiam efeito naquele solo de terra arrasada.

- “Você está sozinha?”

- “Ãnh? Você se refere a relacionamento?”

- “Sim”

- “Sim, estou”

- “Que curioso, eu também. Vamos ficar sós juntos?”

Ou eu fui o maior inepto da Terra naquela noite ou estava mesmo lutando contra moinhos de vento pensando que eram monstros. Buscar a volta daquelas covinhas foi o meu calvário naquela noite, talvez se eu puxasse um papo mais intimista e tentasse plantar alguma semente naquela aridez, seria mais provável colher alguma coisa mais adiante. Todavia, tentar semear vento em moinhos ilusórios, você colhe, tal o Cavaleiro da Triste Figura, Dulcinéias de tempestades arredias. Isso é que dá tentar estetizar a vida o tempo inteiro.

O Belo é arredio à mise-en-scène falsa.

Enquanto Robson voltava do banheiro mais célere do que nunca, percebi que o dia amanhecia e Juliana foi conversar com ele. Percebi que minha esperança em conquistar àquela arredia anfitriã, havia ido às favas.

O dia já amanhecia e eu não tinha mais vontade de ficar ali observando minha derrota enquanto os estragos da noite avolumavam-se em meu rosto. Resolvi ir embora enquanto ainda tinha um mínimo de consciência e pudor e, além disso, nenhuma mulher me atraia mais naquela festinha.

Me despedi de Juliana, Robson e Diogo, apenas. Não gosto de despedidas além do mais quando se tem um montão de gente para se despedir. Falei com eles e fui embora. Ela sugeriu, talvez por educação ou por interesse, mas nesta altura não estava mais afim de desvendar enigma de mulher tampouco fazer “sala” para ninguém, para que eu dormisse lá ou esperasse o dia amanhecer por inteiro.

Agradeci o convite e a preocupação e fui embora arretado, menos com ela do que com a noite toda e tudo que aconteceu – os papos, o apartamento, os hábitos da classe média, enfim, fiquei puto.
Cheguei numa boa à parada de ônibus do Hospital da Restauração. Nunca tive medo da noite recifense até por que se eu tiver medo em minha cidade não terei paz em qualquer outro lugar.

Comprei uma pipoca de cinquenta centavos com a nota de dois reais ainda com resíduos de coca e pensei: “Quantas cédulas no Brasil não tem resíduo de cocaína?”. Chegou meu ônibus. Entrei. Sentei na janela e recebi a serração da manhã em meu rosto enquanto comia a pipoca com seu “sal da solidão”. Estava voltando para casa mais cansado do que melancólico.

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