Sonho de uma noite de engodos I

6.7.16 Cabotino 0 Comentarios


Cheguei à festa por volta das 23h30. Já era um after com o pessoal da universidade que estava bebendo comigo no Boca àquela altura da sexta-feira.

Não sabia de quem era o apartamento, apenas emburaquei no carro de Diogo e fui. Além de mim e ele, duas meninas e mais um cara que eu conhecia de vista, mas não tinha intimidade com ele e nem com as meninas. Eles não faziam parte do meu convívio social no curso, eram de uma casta social mais abastada. Em resumo, tinham grana e só ganhei o convite de Diogo porque tenho algumas leituras, não sou tão legal assim, mas sei que a burguesia recifense valoriza como um vampiro, a inteligência alheia, principalmente quando ela vem da favela, em uma mistura de fetiche e mecenato pago com drogas.

Entrei naquele carro talvez pelo desejo de esticar a noite que poderia me render bons papos e conhecer gente nova. Mentira, só topei ir à festa porque estava liso e tinha a possibilidade de beber umas cervejas e quem sabe pegar alguma menina por lá.

Fomos no carro, um Renault Logan prata quatro portas que recendia a maconha, ouvindo Secos e Molhados, daí uma das meninas disse:

- “Vocês viram a entrevista que Ney Matogrosso deu à tevê portuguesa? Ele falou mal do Bolsa Família, velho. Nada a ver.”

Daí o outro carinha que estava no carro respondeu:

- “Aquilo é uma bicha recalcada que mete o pau no governo, mas tem seus shows financiados pelas estatais, tipo, Petrobrás e pela Caixa Econômica”.

- “Onde você ouviu que os shows dele são financiados pelas estatais?” Perguntou a outra menina que estava na janela esquerda do banco detrás.

- “Foi um link que li através do Facebook”. Respondeu o cara.

- “Só não gostei no seu argumento do tom sexista e homofóbico chamando-o de bicha recalcada”. Falou a menina que estava no centro do banco traseiro.
  
- “Que nada, quando ele veio do Mato Grosso era cheio de balangandãs e cantava todo transformado, hoje, com grana e já coroa, parece que foi abduzido, tipo, pelo OVNI da caretice do reportório da ‘nova’ MPB, só canta coisas consagradas e por isso é uma bicha recalcada que caiu de um disco voador. O bicho não conseguiu se renovar, tipo, fica ali cantando Cartola e Cazuza e ainda mete o pau no Bolsa Família, nada a ver velho”. Retrocou o cara que chamou Ney de “bicha recalcada”.

A turma riu e eu ri também, mesmo não achando graça, pois quem paga a gasolina escolhe a hora dos outros rirem.

Neste instante Diogo sugeriu: “vamos fumar ‘um’?”

E fumamos. Dei dois peguinhas apenas, não queria chegar na festa muito chapado.

Era o décimo oitavo andar de um prédio às margens do Rio Capibaribe, um apartamento no bairro da Beira Rio, literalmente. Os pais da proprietária haviam viajado e deixou-a só com o irmão, um daqueles donzelos de 19 anos que estudam design ou outro curso que só a classe alta tem coragem e condições de cursar. Daqueles tabacudos que só conseguem entabular uma conversa decente após tomar o seu Prozac. Esse donzelo era um ruivo com o cabelos longos à altura do pescoço branco e sardento, algumas espinhas no rosto e uma leve penugem no buço que parecia, bem de perto, o embrião de um bigode. Tinha um nariz afilado e uns olhos apagados envolvidos em um certo distanciamento de fumaça.
O apartamento era gigante, tinha um espaço que só havia ouvido falar na tevê: loft. Acho que dava até para andar de bicicleta dentro dele e talvez os proprietários fizessem isso mesmo. Tinha umas vinte pessoas na festinha espalhadas pelos sofás e cadeiras, ninguém nas varandas, isso mesmo, varandas porque no apartamento podia-se ver o sol nascer e se pôr. Outra explicação para a ausência de viva’ alma nas varandas é que estava chovendo e acredito também que não iria rolar nas varandas por conta do barulho.
  
No som dava-se para ouvir um jazz a meia altura, acho que C. Parker ou D. Gillespie ou talvez T. Monk, nunca sei distinguir os três, ou talvez não fosse nenhum deles.

O espaço da sala, onde encontravam-se a maioria dos convidados, havia uma meia luz embaçada oriunda de um abajur em formato de bonsai. No chão, sobre a cerâmica de F. Brennand, aquelas cerâmicas desenhadas com ovos; aves mitológicas e umas imagens fálicas típicas de uma consciência ainda na fase anal como são as imagens provenientes da cabeça do velho tarado da UR7 Várzea. Havia também um tapete talvez de 2x3 metros ilustrado com traços parecidos com as obras W. Kandinsky ou J. Pollack ou quem sabe de algum louco oriundo do Hospital Ulisses Pernambucano. Outrossim havia um centro em formato Yin-Yang que, ao ser girado: misturava os dois símbolos. Acho que era feito de areia, fiquei curioso, mas não queria demostrar ser um ignorante na arte décor, pois meus conhecimentos nesta área são iguais aos meus de mecatrônica, nulos.

Entre os convidados eu conhecia pessoalmente uns seis, pois já haviam cursado disciplinas comigo. Em um canto de parede, sob um quadro em que podíamos ver retratado uma paisagem andina em que um camponês guiava suas lhamas pelas montanhas com seu cajado e um cigarro preso nos lábios, estavam Robson e uma menina conversando.

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Continuação aqui 

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