Fedendo, porém com o WhatsApp

11.7.16 Cabotino 0 Comentarios


O relógio digital da estação metroviária de Afogados registrava: 20h02, quando cheguei à plataforma. Haviam poucos passageiros àquela altura da noite. O pico dominical dos usuários do Metrorec havia passado. Há poucas horas havia acabado o jogo do Santa Cruz, e os evangélicos ainda não tinham deixado suas congregações, algo que ocorre apenas a partir das 21h. 

Sentei-me num dos bancos de concreto enquanto esperava algum metrô com destino à Estação do Barro. Em meus ouvidos os fones irradiavam a resenha futebolística do domingo à noite. Súbito, um alarido nos sobressaltou. Uma mulher passou por mim gritando: “Corre que é assalto!”. Olhei em direção à rampa que dá acesso à plataforma e verifiquei que um dos assaltantes estava com uma pistola na mão e passava uma rasteira num passageiro que se recusava a entregar alguma coisa para ele. Além do que passava a rasteira, pude constatar que haviam mais três assaltantes.

Estação de Metrô de Afogados. Fonte: Google Imagens

De repente, uma pequena multidão composta por: mulheres, homens, crianças corriam em direção à descida da plataforma, justamente naquela escadinha que dá acesso aos trilhos. Segui o fluxo da pequena turba sem muito atinar para o que estava a fazer – o cara em meio à multidão age irrefletidamente. E assim fui sendo conduzido pela pequena hoste. Saltei em direção aos trilhos e fui abrigar-me em meio ao capim alto que margeia o muro do pontilhão. 

De chofre, em meio ao capim alto, percebi que estava acompanhado de um pequeno grupo composto por: cinco mulheres e mais um cara com idade próxima a minha. Em meio à correria para escapar dos assaltantes várias pessoas se machucaram ao descer abruptamente em direção aos trilhos, além de pedirem clemência a um dos assaltantes que nos seguia: “calma que há crianças aqui!”, pude ouvir de um dos passageiros que ficou para trás. 

Toda a ação não durou mais do que 5 minutos. Ficamos ali escondidos dentro do mato alto esperando o desenrolar, e com os ouvidos atentos em direção à plataforma. 

Uma das mulheres que estava conosco sugeriu-nos que puséssemos os smartphones no modo silencioso. Outra sugeriu que rezássemos um “Pai Nosso”, o que evidentemente foi acatado pelo grupo. 

Após o “Pai Nosso”, outra mulher do coletivo, uma gordinha de cabelos vermelhos escovados, reivindicava a presença da polícia e dos guardas da Estação. 

É, parece que Deus e a polícia havia nos abandonado à própria sorte em meio ao capim fétido, pensei. 

Após um metrô passar com destino a Camaragibe é que resolvemos voltar à plataforma. Neste ínterim, começamos a ouvir as vozes dos demais passageiros falando com os guardas. Subimos os carcomidos degraus de ferro que dão acesso à plataforma. Tive que ajudar a subir e depois consolar as mulheres que começaram a chorar e a tremer após o fim da apreensão. Fomos recepcionados pelos guardas terceirizados e por um agente da Polícia Ferroviária Federal. Entre “mortos e feridos”, a gordinha de cabelo na escovinha foi a que mais sofreu. Tinha várias escoriações pelo corpo sobretudo nos braços e nas pernas, devido a uma queda entre os trilhos e o mato alto.

Comecei a refletir o que levam as pessoas a arriscar suas vidas – inclusive esse que vos escreve – pela porra de um smartphone? Tudo indica que a última causa que vale a pena arriscar a vida, no mundo ocidental, não é Deus; os partidos políticos; os governos; o amor; os sindicatos; os movimentos sociais... nada disso. Talvez o smartphone seja uma das últimas causas que vale a pena lutar mortalmente.

Meu saldo após todo esse rebu: arranhões no antebraço direito, perdi minha garrafa de aço inox onde costumava carregar água, e meus sapatos estavam repletos de merda, pois o local onde nos escondemos é o banheiro dos noiados, dos vendedores ambulantes e demais “correrias”. Todos que buscaram abrigo em meio ao capim escaparam fedendo, literalmente, dos assaltantes. Fedendo, porém com o WhatsApp.

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