Fedendo, porém com o WhatsApp
O relógio digital da estação metroviária de Afogados registrava: 20h02, quando
cheguei à plataforma. Haviam poucos passageiros àquela altura da noite. O pico
dominical dos usuários do Metrorec havia passado. Há poucas horas havia acabado
o jogo do Santa Cruz, e os evangélicos ainda não tinham deixado suas
congregações, algo que ocorre apenas a partir das 21h.
Sentei-me
num dos bancos de concreto enquanto esperava algum metrô com destino à Estação
do Barro. Em meus ouvidos os fones irradiavam a resenha futebolística do
domingo à noite. Súbito, um alarido nos sobressaltou. Uma mulher passou por mim
gritando: “Corre que é assalto!”. Olhei em direção à rampa que dá acesso à
plataforma e verifiquei que um dos assaltantes estava com uma pistola na mão e
passava uma rasteira num passageiro que se recusava a entregar alguma coisa
para ele. Além do que passava a rasteira, pude constatar que haviam mais três
assaltantes.
Estação de Metrô de Afogados. Fonte: Google Imagens |
De
repente, uma pequena multidão composta por: mulheres, homens, crianças corriam
em direção à descida da plataforma, justamente naquela escadinha que dá acesso
aos trilhos. Segui o fluxo da pequena turba sem muito atinar para o que estava
a fazer – o cara em meio à multidão age irrefletidamente. E assim fui sendo
conduzido pela pequena hoste. Saltei em direção aos trilhos e fui abrigar-me em
meio ao capim alto que margeia o muro do pontilhão.
De
chofre, em meio ao capim alto, percebi que estava acompanhado de um pequeno
grupo composto por: cinco mulheres e mais um cara com idade próxima a minha. Em
meio à correria para escapar dos assaltantes várias pessoas se machucaram ao
descer abruptamente em direção aos trilhos, além de pedirem clemência a um dos
assaltantes que nos seguia: “calma que há crianças aqui!”, pude ouvir de um dos
passageiros que ficou para trás.
Toda
a ação não durou mais do que 5 minutos. Ficamos ali escondidos dentro do mato
alto esperando o desenrolar, e com os ouvidos atentos em direção à plataforma.
Uma das mulheres que estava conosco sugeriu-nos que puséssemos os smartphones no modo silencioso. Outra sugeriu que rezássemos um “Pai Nosso”, o que evidentemente foi acatado pelo grupo.
Após o “Pai Nosso”, outra mulher do coletivo, uma gordinha de cabelos vermelhos escovados, reivindicava a presença da polícia e dos guardas da Estação.
É, parece que Deus e a polícia havia nos abandonado à própria sorte em meio ao capim fétido, pensei.
Uma das mulheres que estava conosco sugeriu-nos que puséssemos os smartphones no modo silencioso. Outra sugeriu que rezássemos um “Pai Nosso”, o que evidentemente foi acatado pelo grupo.
Após o “Pai Nosso”, outra mulher do coletivo, uma gordinha de cabelos vermelhos escovados, reivindicava a presença da polícia e dos guardas da Estação.
É, parece que Deus e a polícia havia nos abandonado à própria sorte em meio ao capim fétido, pensei.
Após
um metrô passar com destino a Camaragibe é que resolvemos voltar à plataforma.
Neste ínterim, começamos a ouvir as vozes dos demais passageiros falando com os
guardas. Subimos os carcomidos degraus de ferro que dão acesso à plataforma. Tive
que ajudar a subir e depois consolar as mulheres que começaram a chorar e a
tremer após o fim da apreensão. Fomos recepcionados pelos guardas terceirizados
e por um agente da Polícia Ferroviária Federal. Entre “mortos e feridos”, a
gordinha de cabelo na escovinha foi a que mais sofreu. Tinha várias escoriações
pelo corpo sobretudo nos braços e nas pernas, devido a uma queda entre os trilhos e o mato alto.
Comecei
a refletir o que levam as pessoas a arriscar suas vidas – inclusive esse que
vos escreve – pela porra de um smartphone? Tudo indica que a última causa que
vale a pena arriscar a vida, no mundo ocidental, não é Deus; os partidos
políticos; os governos; o amor; os sindicatos; os movimentos sociais... nada
disso. Talvez o smartphone seja uma das últimas causas que vale a pena lutar
mortalmente.
Meu
saldo após todo esse rebu: arranhões no antebraço direito, perdi minha garrafa
de aço inox onde costumava carregar água, e meus sapatos estavam repletos de
merda, pois o local onde nos escondemos é o banheiro dos noiados, dos
vendedores ambulantes e demais “correrias”. Todos que buscaram abrigo em meio
ao capim escaparam fedendo, literalmente, dos assaltantes. Fedendo, porém com o WhatsApp.
0 comentários: