Segunda diminuta
Segunda-feira
pela manhã estive na recepção da Polícia Federal, umbicada no Aeroporto Internacional
do Licor de Pitanga, famosa beberagem produzida por G. Freyre, quando,
inesperadamente, surgiu-me uma senhora com os seus para lá de 60 anos,
acompanhada por uma mulher de estirpe e héxis
corporal explicitamente burguesa, e um garotinho ao lado, que mais parecia
uma pera verdinha no pé. Resignado, permaneci diante de tal imagem, mimando meu
sono à prestação, naquela bolha de ar gélido no coração da Hell City. Enquanto pescava sonhos, sentaram-se ao meu lado, como
se me cercassem. A senhora idosa se assemelhava a uma estátua humana,
possivelmente acometida por Alzheimer. Aparentava estar perdida na existência.
Calada chegou e calada permaneceu, como se, estar ali, não fizesse qualquer
sentido. Na verdade, tratava-se da mãe da “madame”, avó do “menino-pera”. Ela,
a “madame”, tinha um sotaque paulista e um celular igual ao meu, um Moto G 3º
geração - reparei sutilmente entre uma pescada e outra. E nada de me
chamarem... Vez em quando chegava alguém reclamando da demora na emissão do
passaporte, sobrando sempre para o pessoal da recepção. Parece que a casa da
moeda está sem o papel especial usado na confecção do documento, daí a demora
fora do normal – 45 dias, no mínimo. Lucas era o nome do “menino-pera”; nome
este que passou, a partir daquele instante, a ser um mantra no meu pé d'ouvido.
“Lucas, você vai passar 10 dias lá com seu pai, se você não ficar de
recuperação; e mamãe vai passear de navio no réveillon, tá bom? Você ainda não
tem idade para passear de navio”; “Lucas, assim que eu voltar de viagem, mamãe
vai passear pela costa do Rio de Janeiro com a tia de carro, viu? Você ficará
com sua avó em São Paulo. Você sabe que mamãe adora dirigir, né?”; “Lucas,
quando mamãe voltar vamos direto para Muro Alto, tá bem? Já deixarei a casa alugada
com sua tia”; “Lucas, em agosto estarei ainda naquela viagem, você vai ter que
começar a ir e voltar à pé para a escola, certo?”; “Lucas, fique longe de
fulano quando estiver em São Paulo, tá ouvindo? Não fique de conversa com ele”;
“Lucas, vamos subir já, já para almoçar, viu? E nada de hambúrguer e
refrigerante, precisa tomar mais suco de laranja. Você quer ficar igual ao seu
pai? Gordo e hipertenso?”. Nesse momento, o meu sono cansou de insistir e foi
embora. Fiquei pensando em como seria passar o réveillon em um cruzeiro... Mas
nem deu tempo para imaginar muita coisa, pois logo fui chamado pelo monitor
eletrônico: ficha E155, guichê 3. Entrei numa sala com 5 mesas e seus
respectivos atendentes. Apresentei meus documentos e estava tudo ok. Tirei
minha foto lá na hora, com o cabelo todo desgrenhado – preciso fazer manutenção
nesses dreads urgentemente, está
foda! Mas de boa. Foi até rápido. Quando saí, as três figuras já tinham puxado
o barco; ou melhor, o navio. E eu... Eu fui de metrô escutando “So What” de Miles Dewey Davis.
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