“Minha pátria é a língua portuguesa”
Renato K. Silva é doutorando em ciências sociais pela UFRN
“As armas e os barões assinalados, / Que da
ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados, / Passaram
ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados, / Mais do
que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram / Novo
Reino, que tanto sublimaram”
Aos 8
minutos do primeiro tempo da final da Eurocopa entre França x Portugal, Cristiano
Ronaldo [CR-7] cai no gramado após forte entrada de Payet no joelho esquerdo do
atacante lusitano.
Pronto,
o suspense quedou-se no ar do Stade de
France. Será que o grande nome da partida, CR7, iria desfalcar a partir de
então sua equipe? 16 minutos depois o suspense se confirmou: CR7 estava
fora de combate. O atacante deixa o gramado com os olhos rompendo em lágrimas.
O enredo não era novo, é há muito conhecido da cultura lusófona. Não seria a
primeira vez que o comandante-em-chefe/capitão some do campo de batalha.
Quem
não lembra d’A Batalha
de Alcácer-Quibir, em 1578, quando o rei Dom Sebastião desaparece fisicamente da Batalha, para ressurgir espiritualmente no imaginário coletivo
lusófono como o instaurador do "Quinto Império" português, como vaticinava o padre
jesuíta António Vieira – “O imperador da Língua Portuguesa” – como se referia
Fernando Pessoa ao jesuíta.
E era o mesmo estádio
onde há 18 anos, um outro Ronaldo, caíra contundido numa final contra os mesmos
anfitriões.
Ronaldo se machuca na final da Copa do Mundo em 1998, em jogo contra os anfitriões franceses, no Stade de France. |
Contudo, um detalhe
passou ao largo na imagem de CR-7 desolado no meio do campo. Uma pequena
borboleta pousa no rosto do atacante lusitano. E a borboleta é uma criatura que
traz bom presságio em diversas culturas, inclusive na francesa com o seu arquetípico
papillon. Em meio à dor estampada no rosto, a borboleta era como se antecipasse a redenção final.
Ao que parece, a borboleta surge para anunciar que o destino lusitano desta vez
será diferente. O fado abrirá espaço para os argonautas lusitanos abrir e
conquistar mares nunca d’antes navegados.
Calhou
do primeiro título de expressão para a seleção portuguesa vim a ser conquistado
em outras paragens. Especificamente, na toda poderosa França. Muitos disseram
que a semifinal entre França x Alemanha era a final antecipada. Mas no mundo há
poucos π antropológicos, dentre esses, o futebol e Portugal com certeza são exemplos.
O futebol como o único esporte – de alto rendimento – ainda imprevisível onde permite-se o fenômeno da “zebra” – quando a equipe teoricamente mais franca vence a mais forte. E Portugal por suas condições historicamente improváveis. Como pode um país 92 vezes menor do que outro, Portugal, conseguir colonizar e impor violentamente uma unidade linguística e ajudar a erguer a única civilização dos trópicos – o Brasil?
O futebol como o único esporte – de alto rendimento – ainda imprevisível onde permite-se o fenômeno da “zebra” – quando a equipe teoricamente mais franca vence a mais forte. E Portugal por suas condições historicamente improváveis. Como pode um país 92 vezes menor do que outro, Portugal, conseguir colonizar e impor violentamente uma unidade linguística e ajudar a erguer a única civilização dos trópicos – o Brasil?
Houve
uma campanha nacional impulsionada pela canção de Pedro Abrunhosa, “Somos Portugal” onde o ethos lusitano da coesão foi levado às
arraias de uma campanha
publicitária que solidarizou os português e, de alguma maneira, foi
refletida dentro de campo. O estribilho ficou a cargo da frase: “Não somos 11, somos 11 milhões!”. E a peça publicitária mostra um torcedor português
conduzindo uma motocicleta e, no vácuo, um rastro de vários cachecóis com as
cores da bandeira portuguesa entrelaçados, como se fosse uma “tereza” que
levará o apoio dos 11 milhões para Paris e, por conseguinte, para dentro do campo.
Portugal
tem mesmo esse espírito intrépido e quixotesco – pequeno, delgado, aventureiro
e trágico. Em 2004, quando sediou a Eurocopa, Portugal perdeu categoricamente a
final para os gregos. Desta vez, com o gol do contestado atacante nascido em
Guiné-Bissau, Éder, no segundo tempo da prorrogação, os verdes e vermelhos
sagraram-se campeões numa mistura de tons e sotaques oriundos de toda lusoceia.
Dos 23
jogadores da seleção portuguesa nove nasceram em outros países, como o zagueiro luso-brasileiro Pepe, visto com reservas por
conta de sua verve truculenta, mas que ontem foi eleito o melhor jogador da final. A imagem de Pepe vomitando após o apito final é a de alguém que doou a
própria bílis em prol do país que o adotou. A imagem de Pepe vomitando nos
remete à Odisseia. Como Ulisses (do
latim: “ulcerado”) os jogadores foram em Saint-Denis e repararam a honra do
filho, Telêmaco/Brasil, aviltado há 18 anos.
“Ó mar salgado, quanto do teu sal / São
lágrimas de Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos
filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses
nosso, ó mar!”
E
calhou de CR-7 ser o responsável por erguer a taça, ele, um garoto oriundo da Ilha
da Madeira, uma espécie de Ítaca lusófona. E hoje, falou à imprensa uma
frase que sintetiza muito bem o espírito do convívio lusitano: - “É um
troféu para todos os portugueses, para todos os imigrantes, todas as pessoas
que acreditaram em nós. Estou muito feliz e muito orgulhoso” – falou o atacante
português.
Ao
cabo, o futebol voltou a falar a língua que tanto a tratou bem, a língua do ão
– portuguesa. Na noite parisiense, a torcida lusitana e o futebol estiveram em
casa. E muito à vontade, ambos gritaram a plenos pulmões o grito de
“Campeão!”. Por uma noite o futebol voltou a habitar sua pátria: a língua portuguesa.
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