Quinto Monólogo: (é tudo invenção, nada é real!)
Rui:
Irmão de Anácio. Vinte nove anos. Gostou
muito de Vera. Nunca gostou de trabalhar. Nunca gostou de estudar. Nunca gostou
de responsabilidades. Nunca gostou de muita coisa que as pessoas se forçam a gostar.
Rui, voltando da
padaria, pensava no irmão, Anácio, que dias antes criticara a postura
consumista e vazia da vizinha, D. Maria. Acabara de ouvi-la, na fila da
padaria, gabando-se para uma amiga por causa da troca de carro do marido ‘É lindo!’ dizia ‘o outro era um carrão, mas esse é ainda mais’, e Rui se perguntava
“Se ela soubesse que metade das mulheres do bairro vão pro motel com o marido
dela nesse carrão, será que ela diria isso?” parou na barraca de Valdir e
comprou uma carteira de cigarros para Anácio. Seu irmão havia lhe pedido o
favor e tinha lhe dado o dinheiro para tal. Pensou em fumar um cigarro.
Desistiu. Essa vontade sempre vinha, mas ele se controlava. Dois anos sem
fumar. A vontade era cada vez menor. “O cigarro está mais caro... Ainda bem que
parei de fumar... Não tenho dinheiro pra fumar... Não trabalho, por isso não
tenho dinheiro pra muita coisa que eu gostaria de ter, mas é melhor assim do
que viver trancado num emprego, levando ordens. Na fábrica, Roni me dava
ordens... Não dá mais, ninguém dá”. O telefone vibrou no seu bolso, Vera estava
ligando, pensou em atender; desistiu. “Deve ser a mesma ladainha: ‘Vamos nos ver’ ela diz ‘estou com saudades, gosto muito de você,
vou à sua casa’, depois desisti e quando eu pergunto por que ela desistiu,
então ela diz ‘Você não trabalha, não tem
ambição, você é preguiçoso... ’ não quero, deixa ela lá com o Luco dela e
eu fico aqui com minha liberdade, minha vadiagem e minhas punhetas”. Em casa, entregou
os cigarros para Anácio e lhe falou o que ouvira na fila da padaria. Anácio não
deu importância, acendeu um cigarro e depois de alguns minutos em silêncio
falou para o irmão “Tenho a impressão de que não existo” e Rui pensou “Começou,
lá vem loucura”, Anácio continuou “E se a gente não existir? E se a gente não
for mais do que personagens numa história inventada por alguém? Que sentido tem
estar aqui se a gente não existir de verdade? Se sou um personagem criado por
alguém então eu estou preso, estou congelado dentro de alguma crônica, ou
conto, ou desenho, ou qualquer coisa assim. Estamos condenados como figuras
dentro de um quadro: estáticos, inanimados, dependendo da interpretação de alguém
que existe para que possamos existir, também. O que você acha?” Rui ignorou o
irmão, deitou no sofá e pensou “Estou com fome”.
Castanha
12 de maio
de 2014
Para entender melhor esse monólogo, leia o anterior
http://foihoje.blogspot.com.br/2014/05/quarto-monologo-e-tudo-invencao-nada-e.html
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