A morte não anula o riso
Jorge,
apesar de ter diabete e problemas cardíacos, comia até se empanturrar e quando
estava prestes a explodir, falava orgulhoso e sorridente “Quero ser um defunto
bem pesado!”. Pois assim foi, com seus sessenta e poucos anos Jorge morre
saciado e gordo, tão gordo que foram precisos dez homens para carregar seu
corpo até o cemitério. Enquanto faziam pausas periódicas para descansar, um dos
indivíduos que trabalhava arduamente carregando o falecido aproveitou a
situação e protestou em tom de pilhéria “Mas será possível! Que peso é esse?!
Parece até que o caixão é de madeira de cedro!” todos riam. Em outra situação
esse mesmo piadista foi ajudar a preparar o corpo de outro parente que
falecera, irmão de Jorge, porém magro, tão magro, raquítico mesmo, ao ponto de
ser apelidado de “Bichinho”. Bichinho morrera lá pelos setenta e tantos anos.
Oneide, esse era o parente piadista, chegou cheio de boas intenções para ajudar
o dono da funerária a preparar o corpo de Bichinho para a derradeira despedida,
esses rituais que chamamos “velório” e “enterro”. Distraído, Oneide pegou um
casaco pendurado num canto da sala e vestiu o defunto achando que a peça de
roupa fazia parte das vestes de despedida de seu magro parente. Só no final do
serviço foi que percebeu o engano: o dono da funerária estava às voltas
procurando seu casaco dentro da sala, encontrando-o por último no defunto
Bichinho. Oneide se desculpou pelo mal entendido, mas a piada já fora
involuntariamente feita e a família inteira iria rir às tortas. E o que podemos
falar de Alfonso, que estava internado em um hospital envolvido por complicações
em sua saúde, resultado de um erro médico, que logo o levaria a morte enquanto
este beirava os oitenta anos. Mas, durante as visitas, quando era questionado
por seus parentes sobre como se sentia, respondia sorridente “Sinto-me bem,
cercado de anjos, essas enfermeiras de branco são todas uns anjos”. Temos
também Maria, que lá pelos noventa anos, mais ou menos, tinha diabete, mas se
enchia de açúcar. Maria era gaúcha descendente de italianos e sua família tinha
a deliciosa e embriagante tradição de produzir, em casa, vinhos, salames
gordurosos e um pão doce que lá por aquelas bandas eles chamam de “cuca”. Maria
ia escondida de madrugada comer e beber até se fartar e embriagar na despensa
do porão; um dia ela foi encontrada sentada e morta ao lado do barril de vinho
e com bastante comida no seu colo. A diabete associada à gula e a embriaguês foram
mortais, mas no rosto de Maria um sorriso havia ficado estampado: um sorriso de
satisfação. Em algum lugar que não lembro onde, li uma frase que dizia que nada
define melhor o caráter de uma pessoa do que aquilo que a faz sorrir, sendo
assim, rir da morte pode ser entendido como a aceitação sossegada e sorridente do
fim natural desse movimento que chamamos “Vida”.
Castanha 02/06/2014
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