Traste

20.1.14 Cabotino 0 Comentarios



Hoje à tarde meu violão olhou para mim com seu único olho empoeirado e blue, disse-me: vem cá.

Eu me cheguei todo envergonhado, como quem cometeu um pecado, mas aos poucos ganhei confiança. Peguei-o e o pus junto ao meu peito e, em um ritual muito delicado, comecei a limpá-lo, tirando sua roupa de poeira. Afinei o seu nylon e ele foi ficando todo vaidoso. Ganhou corpo e de ré e já todo fora de si encostou-se mais ao meu peito. Do meu lado, estralei os dedos e comecei a acariciá-lo devagar. Debaixo para cima para sentir o seu corpo recém-afinado. Seu som dilatou-se no espaço como um motor do tempo – circular e cromático. Orgulhou-se de sua desenvoltura e ficou todo tonal. Encapei meus dedos direitos com uma palheta e toquei uma balada em sol que fez até o Sol lá em cima se enrubescer. Depois do estribilho eu o tirei junto do peito e larguei-o no canto sozinho.

Lá do canto ele disse-me: de todos os meus trastes, tu és o maior.

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