Bem mais que uma mal sucedida tentativa de furto de cobre numa subestação de energia**
“Onde já se viu?” “Vândalo!” “Que bicho
burro!”. A cidade toda subscreveu nas redes sociais e nos sites de notícias
comentários e juízos acerca do furto de cobre que Aluísio[1] tentou executar na
Subestação Várzea da CELPE (Companhia Energética de Pernambuco) na madrugada do
dia 11 de janeiro de 2014 em Recife. “Tudo isso por causa de Cu”, comentou um químico aspirante ao
elenco do Zorra Total, da rede bobo, num site de notícias de um grande jornal pernambucano
da mesma qualidade que alguns dos trabalhos oferecidos na Zona Franca de
Manaus. E por falar na qualidade dos trabalhos oferecidos na Zona Franca, a
façanha de Aluísio tem tudo a ver com a confecção do seu e o do meu smartphone,
com o trabalho escravo e com a desigualdade social em que vivemos diante
consumo irresponsável e desenfreado em escala global. Por quê? Vejamos.
Os smartphones,
assim como outros gadgets que nós carregamos em nossos bolsos e mochilas, têm
o cobre (cujo seu símbolo químico é Cu)
como material indispensável a sua confecção. O cobre é usado em alguns componentes
desses produtos por ser um metal maleável e de excelente condutibilidade
elétrica (conduz eletricidade quase sem resistência), contudo hoje em dia ele é
cada vez mais escasso no mercado, devido a sua extração ser um desafio tanto em
termos econômicos, como em termos ambientais.
Para
as mineradoras, por exemplo, a extração do cobre é dispendiosa porque envolve
uma cara e grande quantidade de recursos (energéticos e hídricos, etc.) muitas
vezes desproporcionais em relação ao que se consegue lucrar no curto prazo com
sua venda. Sem falar, é claro, na dificuldade do descarte dos resíduos originados
no processo de coleta do metal, que muitas vezes são de extrema concentração
tóxica. (Fonte: http://migre.me/hrdr0). Não
entrarei aqui em maiores detalhes sobre isso agora, mas, para resumir um pouco
a importância desse “metal de transição” em nosso dia a dia, é preciso lembrar
que o cobre é um produto (de satisfatória vida útil) usado por nós desde os primeiros
passos de nossas atividades agrícolas (há registros históricos dos usos do
cobre que nos remetem a mais ou menos uns 10000 anos a.C.) às comodidades e serviços dos quais
usufruímos no mundo atual: eletrodomésticos, telefonia móvel, Internet, entre outras.
Pensando
nessas tais comodidades modernas, lembro-me que o meu smartphone é da Samsung,
o de vocês também é? Pois bem, sabiam que essa multinacional de origem
sul-coreana, em uma de suas filiais aqui no Brasil, tem diversas acusações de
promover trabalho escravo em suas fábricas? Sabiam que, segundo denúncias da procuradoria
Regional do Trabalho da 11ª Região do Ministério Público do Trabalho (MPT), os
seus trabalhadores das fábricas da Samsung passam de dez a quinze horas por dia de pé, sem pausas? (Fonte: http://migre.me/hrfKQ)
Diante
disso, chegamos então a uma constatação: Aluísio, o homem que tentou furtar
fios de cobre da subestação várzea, não pode ser apenas uma matéria lida em um
aplicativo de notícias do nosso smartphone. Os 70% do corpo queimado de Aluísio
no hospital da restauração são o reflexo de como tratamos o trinômio: produção,
circulação e consumo, e de como este trinômio interfere em nossas relações
sociais. É o
cobre que sustenta a demanda consumidora por smartphones no Brasil e na China,
por exemplo. Por sua vez, é essa demanda crescente e ávida pelo descartável e
pelo novo que sustenta algumas formas de trabalho escravo em pleno século XXI,
tudo isso em baixo de nossos bigodes e buços doutos; visualizados sem culpa na
tela sensível ao toque de nossos smartphones como notícias banais.
Ao
olharmos além da frieza dos números o cenário econômico atual, percebemos que o
preço do cobre cresceu vertiginosamente devido a sua escassez e sua enorme
procura e que, muito embora seu quilo valha entre R$ 6,00 e R$ 10,00 (bem menos
do que outros metais “nobres” como o ouro e a prata), a depender de seu estado
físico, há registro de furto desse metal pululando em toda parte do mundo, e no
Brasil não é diferente. Mas, o que são R$ 6,00, R$10,00 reais, afinal? Podem
ser transformados em pães, café, num quilo de feijão, num livro ou numa pedra de crack, não
importa! O que realmente importa é que esses
casos nos lembram do quanto somos injustos e desiguais.
Ironicamente, em uma entrevista concedida aos
jornais por um dos amigos que ajudaram Aluísio na empreitada na subestação,
somos surpreendidos com as seguintes informações sobre o que motivara a sua
tentativa de furto: “Aluísio queria comprar um smartphone para sua mãe no
começo desse ano”. “Para tanto, resolveu investir em furtos de fio de cobre,
porque catar latinha só tá dando R$ 2,70 o quilo, tá rendendo menos que pegar
um quilo de cobre e vender no câmbio negro”.
Aluísio
talvez não saiba de nada sobre a relação entre o cobre e os smartphones, ou
entre os gadgets e nossa forma de consumo, ou ainda sobre a relação entre os
smartphones e as denuncias de trabalho escravo na Zona Franca de Manaus. Aluísio
talvez não faça ideia de que o preço do cobre voltou a se valorizar impulsionado
pelo explosivo crescimento do consumo na China a partir dos anos 2000. Tomara que
Aluísio tão somente consiga sobreviver, e que um dia, quem sabe, possa ler essas
mal traçadas linhas.
(Links com algumas reportagens sobre o caso: http://migre.me/hri5Q; http://migre.me/hri6t; http://migre.me/hri6H;
http://migre.me/hri6U)
[1]
Aluísio é um nome fictício.
** Texto
ficcional baseado no caso da tentativa de furto de fios de cobre e baterias na
subestação Várzea da CELPE, ocorrido no dia 11 de janeiro de 2014 em recife,
Pernambuco
Crédito da imagem : Hélio Meira Lima (@heliopolho).
Retirada de: (http://migre.me/hrjBk)
0 comentários: