Noventa minutos no exterior
Lá estávamos: Eu, minha esposa, meu bom amigo Romulo e sua
namorada Monique. Fomos passar uma semana na terra de minha esposa, Rio Grande
do Sul, terra de gaúchos orgulhosos por serem gaúchos; um bom povo. A cidade
natal de minha esposa é Itaqui, a mais de setecentos quilômetros da capital
Porto Alegre, na região de fronteira, dentro da região de campos daquele
estado, os famosos pampas gaúchos. Itaqui é uma pequena cidade que beira o rio
Uruguai, enorme Rio Uruguai. Do outro lado do rio está à Argentina, basta pegar
a balsa e saltando em terra firme, após quinze minutos de viagem, você está em
solo estrangeiro e sob administração de Alvear, pequeno município argentino.
Pensamos que seria interessante cruzar o rio Uruguai para conhecer Alvear,
mesmo tendo sido alertados por meus sogros de que Alvear é só uma pequena
cidade parada no tempo. Planejamos tudo enquanto tomávamos uma cerveja no porto
de Itaqui, olhando para o rio Uruguai. Acertamos: vamos falar com minha esposa
e com Monique para elas não irem, pois, depois de descer no porto de Alvear
temos que andar quase três quilômetros de estrada de barro e talvez seja
perigoso. Minha esposa não se opôs, pois não queria caminhar mesmo. Não
perguntei a Romulo o que Monique achou da ideia, talvez não tenha gostado.
Nossa preocupação com a segurança delas era verdadeira, mas a gente também
queria ficar bem à vontade para tomar uma cerveja em território estrangeiro. Uma
boa leitora feminista não vai gostar disso, mas veja o lado bom: não estou aqui
mentindo. Pegamos a balsa às 10h pensando em voltar às 14h. O peso argentino estava
custando vinte e sete centavos de real, bom para nós. Meu sogro nos alertou “Ao
descer da barca façam um registro na capitania dos portos, pois vocês estarão em
outro território”. Foi a primeira coisa que fizemos para cumprir com a
legalidade e que surpresa não foi quando o funcionário da capitania nos falou
com voz autoritária e em bom espanhol que não sei reproduzir aqui, mas que
entendi muito bem: “Não podem entrar!” e nós “Por que?” e ele “Este documento
não vale”. Levamos as carteiras de habilitação para nos identificar, teríamos
que ter passaporte ou bastava a cédula de identidade nacional para entrar, já
que Brasil e Argentina têm acordos. Tentamos explicar que a habilitação para
dirigir também é usada para identificação nacional por ter nela os números da
identidade, mas “Lo Hermano” foi inflexível “Este documento vale no Brasil,
aqui é Argentina, não importa se tem número de identidade, filiação ou qualquer
coisa, tem que ser identidade nacional ou passaporte”. No momento fiquei
furioso com a grosseria dele, mas depois pensei se não podíamos aprender um
pouco dessa disciplina com nossos vizinhos. Para completar ele ofereceu “Podem
ficar aí na frente da capitania para circular e compra”. Estava a nossa
disposição: um velho prédio da alfândega e duas barracas velhas, uma vendendo
cerveja quente e outra vendendo cerveja gelada. Optamos pela segunda barraca.
Um argentino, Roberto, nos atendeu naquele boteco velho, pequeno, tocando
música brasileira ruim e com uma mesa gasta de um jogo que era meio sinuca e
meio bilhar. Fiquei furioso querendo pegar já a próxima barca que saia meia
hora depois, às 11h. Romulo, bem tranqüilo, opinou “Já que estamos aqui vamos tomar
cerveja, relaxar e voltar às 12h”. Ficamos. Pedi pra Roberto sintonizar numa
rádio argentina, pegamos cerveja gelada e relaxamos jogando “sinuca” e gastando
tempo à toa; vadiar é preciso. Não conhecemos Alvear, mas não foi de todo mal:
o sinal de telefone e internet do Brasil chegavam ao local e Romulo pôde ligar
pra sua mãe e dizer que estava no país vizinho e contar a inusitada história.
Pôde ainda bater umas fotos nossas e mandar via rede social pra fazer piada
para os amigos. Tomamos três litros de cerveja no lado argentino e mais dois
litros no lado de cá em solo pátrio. Ouvindo rádio na fronteira descobri que
não é só o brasileiro que faz música ruim e melosa, no estilo telenovelas.
Noventas minutinhos no exterior também rendem suas histórias.
Castanha 12 de janeiro de 2014.
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