Noventa minutos no exterior

21.1.14 Castanha 0 Comentarios



Lá estávamos: Eu, minha esposa, meu bom amigo Romulo e sua namorada Monique. Fomos passar uma semana na terra de minha esposa, Rio Grande do Sul, terra de gaúchos orgulhosos por serem gaúchos; um bom povo. A cidade natal de minha esposa é Itaqui, a mais de setecentos quilômetros da capital Porto Alegre, na região de fronteira, dentro da região de campos daquele estado, os famosos pampas gaúchos. Itaqui é uma pequena cidade que beira o rio Uruguai, enorme Rio Uruguai. Do outro lado do rio está à Argentina, basta pegar a balsa e saltando em terra firme, após quinze minutos de viagem, você está em solo estrangeiro e sob administração de Alvear, pequeno município argentino. Pensamos que seria interessante cruzar o rio Uruguai para conhecer Alvear, mesmo tendo sido alertados por meus sogros de que Alvear é só uma pequena cidade parada no tempo. Planejamos tudo enquanto tomávamos uma cerveja no porto de Itaqui, olhando para o rio Uruguai. Acertamos: vamos falar com minha esposa e com Monique para elas não irem, pois, depois de descer no porto de Alvear temos que andar quase três quilômetros de estrada de barro e talvez seja perigoso. Minha esposa não se opôs, pois não queria caminhar mesmo. Não perguntei a Romulo o que Monique achou da ideia, talvez não tenha gostado. Nossa preocupação com a segurança delas era verdadeira, mas a gente também queria ficar bem à vontade para tomar uma cerveja em território estrangeiro. Uma boa leitora feminista não vai gostar disso, mas veja o lado bom: não estou aqui mentindo. Pegamos a balsa às 10h pensando em voltar às 14h. O peso argentino estava custando vinte e sete centavos de real, bom para nós. Meu sogro nos alertou “Ao descer da barca façam um registro na capitania dos portos, pois vocês estarão em outro território”. Foi a primeira coisa que fizemos para cumprir com a legalidade e que surpresa não foi quando o funcionário da capitania nos falou com voz autoritária e em bom espanhol que não sei reproduzir aqui, mas que entendi muito bem: “Não podem entrar!” e nós “Por que?” e ele “Este documento não vale”. Levamos as carteiras de habilitação para nos identificar, teríamos que ter passaporte ou bastava a cédula de identidade nacional para entrar, já que Brasil e Argentina têm acordos. Tentamos explicar que a habilitação para dirigir também é usada para identificação nacional por ter nela os números da identidade, mas “Lo Hermano” foi inflexível “Este documento vale no Brasil, aqui é Argentina, não importa se tem número de identidade, filiação ou qualquer coisa, tem que ser identidade nacional ou passaporte”. No momento fiquei furioso com a grosseria dele, mas depois pensei se não podíamos aprender um pouco dessa disciplina com nossos vizinhos. Para completar ele ofereceu “Podem ficar aí na frente da capitania para circular e compra”. Estava a nossa disposição: um velho prédio da alfândega e duas barracas velhas, uma vendendo cerveja quente e outra vendendo cerveja gelada. Optamos pela segunda barraca. Um argentino, Roberto, nos atendeu naquele boteco velho, pequeno, tocando música brasileira ruim e com uma mesa gasta de um jogo que era meio sinuca e meio bilhar. Fiquei furioso querendo pegar já a próxima barca que saia meia hora depois, às 11h. Romulo, bem tranqüilo, opinou “Já que estamos aqui vamos tomar cerveja, relaxar e voltar às 12h”. Ficamos. Pedi pra Roberto sintonizar numa rádio argentina, pegamos cerveja gelada e relaxamos jogando “sinuca” e gastando tempo à toa; vadiar é preciso. Não conhecemos Alvear, mas não foi de todo mal: o sinal de telefone e internet do Brasil chegavam ao local e Romulo pôde ligar pra sua mãe e dizer que estava no país vizinho e contar a inusitada história. Pôde ainda bater umas fotos nossas e mandar via rede social pra fazer piada para os amigos. Tomamos três litros de cerveja no lado argentino e mais dois litros no lado de cá em solo pátrio. Ouvindo rádio na fronteira descobri que não é só o brasileiro que faz música ruim e melosa, no estilo telenovelas. Noventas minutinhos no exterior também rendem suas histórias.

Castanha 12 de janeiro de 2014.

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