Rosário de ódio

23.12.13 Cabotino 1 Comentarios




Querido Papai Noel,

Primeiramente, quem fala aqui é uma criança ressentida que cresceu de início te amando, mas que depois enxergou a sua real dimensão quimérica e elitista.

Quero que saibas de antemão, eu não gosto mais do Senhor e torço para que você capote com suas renas em alguma curva do céu boreal, ou quem sabe, colida na ponta de um iceberg e que seu corpo fique submergido nas águas gélidas do cálculo frio e egoísta da economia política que tanto alardeias. 

Também desejo que fiques entalado em uma chaminé, e que alguém a desentupa ateando fogo na lareira só para ver toda a sua cútis branquíssima ficar da cor do seu uniforme da Coca-Cola.

Torço para que você caia em meio aos corações partidos dos meninos e meninas que não visitastes nas vésperas de Natal em todo o mundo. Os que você deixou à míngua com os olhos rasos d’água esperando-te como uma promessa nunca cumprida - a inocência construída e roubada por sua imagem.

Sei que sua sacola está cheia sonhos pilhados; de brinquedos fantasmagóricos; de bicicletas sem rodas e de cartões de Natal endereçados ao nada. Sua sacola não tem fundo e tragou tudo o que uma criança tem de mais precioso, a crença nos adultos.

O Senhor é um velhinho mau. O Senhor tem um coração de gelo.

Bater em sua porta é bater na porta de um surdo e suas renas são alimentadas com o mesmo pasto que alimenta às desilusões.

Sua longevidade é fruto de uma lógica que almeja o imponderável e que só socializa as perdas; a miséria; os escombros da guerra e a devastação. Tudo isso alimenta a sua opulência. Sei que sua pança cresce a todo ano às custas da desigualdade; da acumulação e da produção que é coletiva, mas cuja distribuição e a apropriação são para poucos. Você é voraz como um velho glutão que devora sonhos e caga re-a-li-da-de.

Torço que você caia em meio aos pais que tiveram que se desculpar diante de seus filhos porque o presente não veio ou não foi o que eles realmente queriam.

Quantos envelopes selados com os desejos mais ardentes ficaram esperando realização?

Quantos olhinhos semi-abertos esperando por você e que foram vencidos pelo sono ansioso de um corpinho cansado?

Quantos presentes foram procrastinados para um futuro que é feito do mesma matéria que você, ou seja, o inatingível?

Quantas crianças pobres montaram árvores de natal cuja base era uma lata cheia de areia decorada com papel de presente ou jornal; onde a árvore era um galho grande, seco e morto envolvido com algodão para simbolizar a neve e que os presentinhos pendurados nela não passavam de caixas de fósforos envelopadas em papel de presente vagabundo, esperando pelo Senhor?

Quantas crianças comportaram-se o ano inteiro esperando a sua aparição recompensadora, mas o Senhor foi indiferente a todas elas. Em contrapartida, distribuístes aos pobres a amarga espera, o gostinho do, “talvez no próximo ano”.

Sua casa com seus duendes, suas renas e sua esposa são todos convenientes com o seu ideal: aos ricos, tudo; aos pobres, paciência.

Por fim, torço para que você caia ao meu lado porque eu tenho um presentinho para lhe dar.

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