Rosário de ódio
Querido Papai Noel,
Primeiramente,
quem fala aqui é uma criança ressentida que cresceu de início te amando, mas que
depois enxergou a sua real dimensão quimérica e elitista.
Quero
que saibas de antemão, eu não gosto mais do Senhor e torço para que você capote
com suas renas em alguma curva do céu boreal, ou quem sabe, colida na ponta de
um iceberg e que seu corpo fique submergido nas águas gélidas do cálculo frio e egoísta da economia política que tanto alardeias.
Também desejo que fiques entalado em uma chaminé, e que alguém a desentupa ateando fogo na lareira só para ver toda a sua cútis branquíssima ficar da cor do seu uniforme da Coca-Cola.
Também desejo que fiques entalado em uma chaminé, e que alguém a desentupa ateando fogo na lareira só para ver toda a sua cútis branquíssima ficar da cor do seu uniforme da Coca-Cola.
Torço
para que você caia em meio aos corações partidos dos meninos e meninas que não
visitastes nas vésperas de Natal em todo o mundo. Os que você deixou à míngua
com os olhos rasos d’água esperando-te como uma promessa nunca cumprida - a
inocência construída e roubada por sua imagem.
Sei
que sua sacola está cheia sonhos pilhados; de brinquedos fantasmagóricos; de
bicicletas sem rodas e de cartões de Natal endereçados ao nada. Sua sacola não
tem fundo e tragou tudo o que uma criança tem de mais precioso, a crença nos
adultos.
O
Senhor é um velhinho mau. O Senhor tem um coração de gelo.
Bater
em sua porta é bater na porta de um surdo e suas renas são alimentadas com o
mesmo pasto que alimenta às desilusões.
Sua
longevidade é fruto de uma lógica que almeja o imponderável e que só socializa
as perdas; a miséria; os escombros da guerra e a devastação. Tudo isso alimenta
a sua opulência. Sei que sua pança cresce a todo ano às custas da desigualdade;
da acumulação e da produção que é coletiva, mas cuja distribuição e a
apropriação são para poucos. Você é voraz como um velho glutão que devora
sonhos e caga re-a-li-da-de.
Torço que você caia em meio aos pais que tiveram que se desculpar diante de seus filhos porque o presente não veio ou não foi o que eles realmente queriam.
Quantos
envelopes selados com os desejos mais ardentes ficaram esperando realização?
Quantos
olhinhos semi-abertos esperando por você e que foram vencidos pelo sono ansioso
de um corpinho cansado?
Quantos
presentes foram procrastinados para um futuro que é feito do mesma matéria que
você, ou seja, o inatingível?
Quantas
crianças pobres montaram árvores de natal cuja base era uma lata cheia de areia
decorada com papel de presente ou jornal; onde a árvore era um galho grande,
seco e morto envolvido com algodão para simbolizar a neve e que os presentinhos
pendurados nela não passavam de caixas de fósforos envelopadas em papel de
presente vagabundo, esperando pelo Senhor?
Quantas
crianças comportaram-se o ano inteiro esperando a sua aparição recompensadora,
mas o Senhor foi indiferente a todas elas. Em contrapartida, distribuístes aos
pobres a amarga espera, o gostinho do, “talvez no próximo ano”.
Sua
casa com seus duendes, suas renas e sua esposa são todos convenientes com o seu
ideal: aos ricos, tudo; aos pobres, paciência.
Por
fim, torço para que você caia ao meu lado porque eu tenho um presentinho para
lhe dar.
Muuito bom.
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