Estigma racial? o caso do goleiro Jefferson na seleção brasileira

14.10.15 Cabotino 0 Comentarios


por RENATO K. SILVA


Reza a história que o goleiro Barbosa, bode expiatório da derrota da seleção brasileira no fatídico “maracanaço”, na Copa de 1950, de 2 x 1 contra o Uruguai, ficou trabalhando como serviços gerais no estádio do Maracanã. Quando a direção do estádio carioca resolveu trocar as antigas traves de madeira pelas de ferro, o ex-goleiro Barbosa aproveitou a ocasião para tocar fogo nas antigas metas, por meio de um churrasco, como se fora um ritual de “expiação” diante dos objetos que causaram o estigma que o marcou a vida inteira: o responsável pela derrota do escrete brasileiro diante dos uruguaios.


Segundo o livro do professor José Miguel Wisnik (2008, p. 262), além de Barbosa, outro jogador, também negro, o zagueiro lateral-esquerdo Bigode, foram os escolhidos para serem os culpados pela derrota contra os uruguaios. Porém, sobre o goleiro é que o estigma ganhou corpo. De 1950 até hoje, apenas um goleiro negro defendeu o gol da seleção em Copas do Mundo: Dida, em 2006. 

O estigma que recaiu sobre Barbosa reverberou por toda a vida do ex-goleiro. Um episódio é sintomático do drama sobretudo racista que impingiram sobre o ex-arqueiro da seleção brasileira. Conta-se que na preparação para a Copa do Mundo de 1994, na Granja Comary, na região serrana do Rio, Barbosa pediu para acompanhar o treino da seleção que estava nas vésperas de viajar para os EUA, o auxiliar técnico de C. A. Parreira, Zagalo, não autorizou a visita do ex-goleiro, alegando que ele poderia trazer o “azar” oriundo da Copa de 1950 (WISNIK, 2008, p. 338). 

Barbosa, que morreu em 2000, dizia que: “a pena máxima no Brasil é de 30 anos, eu já vou pagando 50”.

Sem dúvida, Barbosa fora o jogador mais injustiçado do futebol brasileiro.

E hoje (13-10-2015), após a vitória de 3 x 1 do Brasil sobre a Venezuela, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo da Rússia (2018), quando vi que o goleiro titular era o jovem Alisson, do Internacional, que substituiu Jefferson, até então o titular na partida anterior contra o Chile, não pude evitar a relação: goleiro negro x seleção brasileira. 

Os motivos que levaram à substituição de Jefferson por parte de Dunga, por intermédio de Taffarel, preparador de goleiros da seleção, não ficaram claros para a impressa tampouco para os torcedores: justificar a substituição por uma questão de estatura não é suficiente para trocarmos um goleiro (posição com características particulares) experiente, Jefferson, por um mais novo, por conseguinte, menos experiente, Alisson.


Seria leviano em afirmar que a substituição teve conotações raciais. Mas vale refletirmos o porquê de goleiros negros não se firmarem com a camisa número um da seleção e também nos clubes brasileiros. Tendo em vista o baixo número de goleiros negros nesta posição no futebol praticado no país. Parece haver uma “diáspora” maior dos goleiros negros para o exterior. De cabeça, cito alguns nomes de goleiros negros, ainda em atividade, no futebol internacional: Helton e Gomes.

Por fim, não custa nada lembrarmos o racismo sofrido pelo goleiro Aranha, na época no Santos, em partida contra o Grêmio, em Porto Alegre, pelo Campeonato Brasileiro do ano passado. 

Tudo indica que o racismo ainda paira sob as metas dos goleiros brasileiros.

Como fizera Barbosa, é preciso destruir os símbolos de nossas desgraças sociais. Agora, precisamos fazer isso de uma maneira coletiva, pois não será a mera sucessão cronológica que irá dissolver de nossa cultura o estigma do racismo. 

Faz-se necessário queimarmos as “metas” do racismo na cultura brasileira.


REFERÊNCIAS 
FREITAS, Bruno. Queimando as traves de 50 – glórias e castigo de Barbosa, maior goleiro da era romântica do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: IVentura, 2013.
WISNIK, José Miguel. Veneno remédio – o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

____________
Escritor e doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.



0 comentários: