As rasteiras de Petra Laszlo

8.10.15 Cabotino 0 Comentarios


Petra Laszlo é o nome da cinegrafista húngara que passou a perna, literalmente, por meio de rasteiras e chutes, nos exilados políticos sírios que estavam fugindo da polícia húngara que os acossavam por buscarem melhores condições de vida no continente europeu, em especial, na zona mais favorecida da região do Euro, os países ao norte do continente.

Chamei acima de exilados políticos ao invés de refugiados por acreditar que a palavra refugiado guarda forte conotação de refugo, ou seja, lixo.

Segundo entrevistas da própria P. Laszlo, o que a levou a dar rasteiras nos exilados políticos, foi uma postura não deliberada por conta do rompimento intempestivo do cerco que a polícia havia feito. Isto é, segundo suas afirmações, ela teria entrado em pânico e agido de maneira inconsciente. 

Pois bem, acredito que seja secundário tentar encontrar a “gênese” das ações de P. Laszlo, se fora consciente ou não. O que sei é que aquelas rasteiras não eram apenas disferidas por P. Laszlo, foram as rasteiras de um continente assustado com a quantidade de refugiados, lixo, entrando massivamente em seus domínios. 

P. Laszlo é a sinédoque (a parte pelo todo) de um continente que, de maneira estranha, se estarrece com o fenômeno dos refugiados políticos. Explico-me, se reparamos bem nas imagens, veremos que ela é uma mulher branca, magra, até então com emprego fixo, uma câmera na mão e uma máscara no rosto.  

A câmera e a máscara são dois objetos que refletem sobremaneira a relação que o Ocidente estabelece com aquilo que lhe é estranho. No primeiro momento, a vontade de registro e divulgação, por meio de inúmeras mídias para os lares do welfare state ocidental, a posteriori, comoção e indignação, como fora o caso, por exemplo, do refugiado sírio, Aylan Kurdi, encontrado morto em uma praia grega dias antes. A câmera fizera o registro do sonho por uma vida melhor sendo soçobrado em uma praia do mar grego, berço da civilização ocidental.

O que mais incomodou o mundo ocidental é que o garoto Aylan Kurdi era branco, estava bem vestido e calçado. A imagem foi inadmissível para uma região do planeta (Ocidente) que acredita sobretudo num credo (Cristianismo) onde seu Messias veio ao mundo como uma criança, Jesus Cristo.

Já a máscara no rosto de P. Laszlo é o contraponto à câmera, se esta precisa cumprir sua função de registro, a máscara diz para o objeto retratado pela câmera, que ele não é um igual a quem faz o registro, ele é lixo e como tal é preciso evitar o contato físico e a contaminação pelo ar. 

Neste sentido, a câmera e a máscara são os instrumentos que a Europa escolheu para se relacionar com os refugiados: registrar a dor do outro, mas evitando o contato, inclusive o compartilhamento do mesmo ar. E as rasteiras foram para lembrar em que lugar deve ficar o lixo: ao rés-do-chão do capitalismo de bem-estar social. 

por Renato K. Silva, doutorando em Ciências Sociais pela UFRN.

__________
Fonte das fotografias: Google Imagens.

0 comentários: