Cadê o ôco?

2.10.15 Cabotino 0 Comentarios



No tempo que virgindade era chamada de cabaço, eu costumava correr atrás de papagaios após o toque: aquele momento de rebuliço que mexe nas pernas de 11 onze entre dez meninos maloqueiros de rua quando uma pipa voa, moribundamente,  pelo céu e a gravidade puxa-a devagarinho para o chão onde, logo mais, toda uma batalha campal estourará para ver quem pega-a primeiro.

Sempre rolava um buruçú na hora de pegar o papagaio que voou. Os moleques lá do Córrego eram os mais água de coentro porque se nenhum da patota deles pegava, eles destroçavam o papagaio na mão de quem o agarrou. Não sabiam perder. Estrilavam tal qual o dono da bola que nas peladas quer jogar todas as partidas, caso não deixem, ele toma a bola e vai para casa. 

Os almas sebosas do Córrego só deixavam quieto quando era Gago que agarrava a pipa, porque com Gago o pau cantava, mesmo sozinho ele se garantia contra a patota pois se ele agarrava um... Fodeu! Nem d. Jaidete, avó/mãe de Gago, o fazia soltar o infeliz.

Pior do que torar e aparar um papagaio, como o nome já diz, você tora a pipa do otário e ainda apara-a com sua linha, não me venham perguntar como isso é possível, só sei que a pipa torada fica enroscada na linha do papagaio que o torou, era fazer voar o tremendão de Tricongate. 

Esse bicho fazia os melhores papagaios da quebrada: usava três paletas de coco nas armações, fazia castelo na cabeça e umas rabadas de mais de dez metros, sem brincadeira. Só usava zebrão com cerol de pó de mármore. Não chocava papagaios, se subisse um, só arredava o pé quando levava um toque. Caso contrário, dava-o para o peru mais próximo. Por isso, quando ele subia um... Ficava uma pá de peru queimando a cara ao redor dele.

O cúmulo da maloqueiragem é pegar um toque pelo ôco. 

Ou seja, quando uma pipa é torada em disputa – linha e cerol x linha e cerol – e dependendo de onde a linha seja torada, há uma quantidade maior ou menor de ôco, pois este é o resto de linha que voa junto com o papagaio. 

Por isso, é muito difícil pegar um pelo ôco, até por que, há as doideras do clima: vento, luminosidade para enxergar a linha, velocidade, tempo. E onde ela vai cair: se num telhado de casa? num descampado? no canal etc., e claro, a cagada, ou melhor, a sorte de conseguir antevê o ôco em meio à correria do toque.

Uma única vez eu peguei um papagaio pelo ôco, foi um dos dias mais felizes da minha vida. Estávamos subindo papagaios lá no Campo do Calango, eu já tinha voado e no momento estava na resenha das toranças pelo céu e peruando umas dibicadas nas linhas dos outros. 

De repente, o grito que anuncia o rebu: tooquêê! Partimos desabaladamente pelas encostas de barreira que margeavam o Campo do Calango, era sebo na canela e calcanhar batendo na bunda. Abrindo caminho nas tiriricas com o peito – regra número um da maloqueiragem: camisa não existe –, o coração acelerando com o pique repentino, pés no chão e olhar no céu, foda-se o que está à frente, atrás e dos lados o que interessa é o papagaio. 

Olhei para o sol e vi uma nuvem encobrindo-o do lado direito do poente e, parecia um dedo de anjo apontando a trilha do ôco para mim, pensei: esse daí é meu e ninguém tasca. Pulei igualzinho as comemorações que H. Stoichkov fazia após seus gols: só que ao invés de um soco no ar, eu dei uma tapa e em seguida fechei-o com o ôco na mão.

Saí correndo com o ôco do papagaio na mão porque atrás de mim vinham os filhos da puta do Córrego. Depois eu parei e pensei: o que eles vão fazer com o meu papagaio já que ele não está em minhas mãos? Fodam-se, se quiserem tomar à força eu solto o ôco, e um abraço pra todo mundo. Parei de correr. Subi as barreiras com ele tremulando lá em cima, bonitão ao sabor dos ventos de setembro e comecei a dibicá-lo na suavidade. Neste instante, a nuvem saiu da frente do sol e os maloqueiros cochichavam: bicho cagado da porra, pegou o papagaio pelo ôco.

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Crédito da fotografia: Fabio Teixeira - Jornal Extra, Rio de Janeiro.


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