Não é todo dia que se erra bem dessa maneira

2.9.14 Unknown 0 Comentarios


  *O texto introdutório, porque muito grande, vai no fim.

Conversava com o meu superego esses dias; claro, de maneira muito respeitosa. Perguntava cheio de papas nas línguas por que ele não aliviava uma vez ou outra, argumentei que ia fazer um bem danado para minha saúde mental.

Ademais, meu id é tão tacanha, pede tão pouquinho, uma primavera de Casimiro de Abreu, um porre à la Bukowski, um noite vibrante como quadro de Pollock, um céu azul de poesia parnasiana... E fica por aí toda minha fantasia de satisfação.

Jackson Pollock

Os vacilos, meu superego repetia para alertar, os vacilos! Queria dizer que um vacilo meu vira arrependimento, que vira cobrança e autopoliciamento, que, em alto grau de intensidade, vira imperativo moral... Aí já viu, né? Tome-lhe interdição.

De fato, lembrava de um vacilo colossal com um companheiro de letras, perdi um texto a mim confiado com carinho. Remoí por muito tempo essa hesitação, até que desabafei em um tom que beirava a pieguice, num texto que retribuí ao amigo.

Tirei seis toneladas de culpa das costas. Saí para respirar aliviado.

Depois de alguns meses, ele voltou a falar no assunto. Fazia tanto tempo que eu imaginava que ele nem fosse mais tocar nele. Mas tocou, numa crônica intitulada "Desabafo".

Mas, peço aqui licença e faço um parênteses: não foi um desabafo, foi um arroto. Sim, um arroto: aquilo que fica preso dentro da gente, que causa um mal estar tremendo, que custa a sair, mas quando sai, ah, quando sai, aquele alívio ruidoso nos dá a sensação de que expelimos seis gerações de espíritos ruins e maléficos do nosso interior.

Pensava no meu amigo Madrazzo expelindo o mal que o extravio do texto lhe causou, e, súbito, constatei que essa foi a perca mais profícua que eu protagonizei na minha vida!

Numa matemática simples, pode-se contar: de um lado, um rascunho, uma crônica inacabada; de outro, um texto meu para Madrazzo e outro dele se pronunciando sobre o caso, já são dois; mais este que vós lês agora, caro(a) leitor(a) paciente, e já vamos para três.

Já vislumbro o Pássaro Bege discorrendo sobre o caso; o Cabotino pondo-o em versos esmerosos; Castanha falando nele sob a forma de um belíssimo causo e o Calango arriscando lá também suas avaliações e apreciações de tão inusitada história.

Com a devida licença para a divagação, quiçá o acontecimento ganhe dimensão por toda a rede; inúmeras pessoas, pertencentes a blogues literários ou não, tratando do infortunoso evento, e aumentando exponencialmente, assim, as visões e perspectivas sobre ele.

Toda uma profusão de textos, dos mais variados tipos, discutindo o inglório caso. Uma verdadeira glória, se é que me entendes.

 E, mesmo que toda essa efervescência não ocorra, posso garantir que não há em todo meu passado biográfico outra situação em que um prejuízo tenha se convertido tão exemplarmente em coisa proveitosa, produtiva.

Já me dou por satisfeito, e faço as pazes com meu superego pensando:  não é todo dia que se erra bem dessa maneira!
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*A POÉTICA DO ARROTO (por Rogério Skylab)
A poética do arroto consiste
numa massa de ar condensada.
De dentro pra fora, explode-se.
De repente, desmancha-se.
Então, a gente sente um alívio imediato.
Como se flutuássemos, a gente
nem mesmo repara. E continua.
Incansável, ao sabor dos dias.
E vamos carregando nosso fardo,
pelo qual muitos se preocuparam
e construíram teorias interessantíssimas.
Esse arroto, no entanto, eu traduzo.
Hieroglifo ? Pós-modernismo ?
Esse arroto significa poesia.

** No caso do estimado Madrazzo, é a boa e velha prosa mesmo.


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