Já matei por menos

20.3.13 Joarez 2 Comentarios




Com o inseparável cigarro no bico, Tenório contava as histórias mais fantasiosas de que já se teve notícia, ao menos pelas bandas da Zona Oeste. Clássica era aquela em que ele narrava o convite que recebeu para descer do coletivo e adentrar a Mercedes de uma balzaquiana, linda:

- Ei, psiu, você: - desça do ônibus e venha para o meu carro. Agora.
- Quem, eu?
- Sim, você. Desça, e venha agora.


Apesar de resvalar na cômico algumas vezes, Tenório, também, não era o que se pode chamar de um doce de pessoa. A lista das coisas que lhe chateavam era imensa: não gostava de tomar de banho, nem de que perguntassem a respeito; não gostava de quem conversava cutucando, nem de quem falava perto demais, nem de quem exagerava no tom da voz; não gostava de cigarro de filtro vermelho; não gostava de gente afoita; não gostava de ser interrompido quando narrava suas epopeias; não gostava de alma sebosa; não gostava de mulher metida; não gostava disso, daquilo, etc., etc., etc.

Para impor algum respeito, intercalava entre duas e três histórias, alguma muito sinistra, que falava de como um fulano foi "derrubado" por causa de alguma "fuleiragem" grande. No final, emendava:

- Também, pudera: depois de uma comédia dessa, o caba só podia tá pedindo pra morrer.

Donde "comédia" vinha a ser a ausência de R$ 5,00 para fechar a conta do bar, uma cobiçada fora de hora na mulher do próximo, uma entrada mais firme na pelada do fim de semana, e coisas do mesmo gênero. Certas vezes, o exagero passava despercebido. Noutras, entretanto, encucava alguém, que perguntava a Tenório se não era demais "derrubar" uma pessoa por coisa tão amena, pequena, boba, sem importância. Aí  era que ele deitava e rolava. Era tudo o que queria, era um passe na cara do gol, a faca e o queijo, o grande momento. Ao ouvir algum contraponto deste naipe de algum espectador, Tenório interrompia o gestual, fazia uma pausa teatral na conversa, pigarreava e tascava:

- Eu já matei por menos, visse?




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