Os sete pecados das capitais [Apatia] IV
APATIA
O Sol nas bancas
de revista/ Me enche de alegria e preguiça /
Quem lê tanta
notícia/ Eu vou...
Minha cidade natal que me trouxe a
luz sob o signo de Leão, fogo, agosto, cachorro louco, mês oito, deitado,
infinito... A contemplar estes espaços não menos infinitos de dor, cor, luz e
sombra. Aqui o sol nunca se põe, nas noites o astro rei brilha de uma forma
diferente, trans-me-ta-fo-sean-do seus raios ultravioleta em raios
ultraviolentos das luzes de mercúrio sob os viadutos e rios cor de cobre.
Minha
cidade “tecida de claridade... sonha ao luar, Lendária e heroica cidade, plantada
à beira-mar” – besta, brejeira, no mundo da lua, paroquial, provinciana. Cidade
madrasta cuja sina nenhum homem arrancado de seu ventre cesarianemente escapa,
sem o liquido amniótico, você será tragado pela infecção hospitalar que cresce
a cada dia na velocidade de suas altas habitações de concreto, vidro, aço e
indiferença protegida por muros ceramizados e cercas eletrificadas. Nela a
distinção ganha corpo e forma com a sua ideologia chauvinista, bairrismo
tacanho, canhestro e anódino. Cidade vácuo, com seus tristes coqueiros,
sobrados de eira, beira e tribeira e no asfalto os banguelas sem eira nem beira
a limpar vidros de carros blindados até os dentes.
Kicking around on a piece of ground in your home town/
Waiting for someone or something to show you the way/
Tired of lying in the sunshine staying home to watch
the rain
Caminho
por ela banhado de sol na moleira, nada me comove, meu coração já foi grande,
mas reduziu-se ao tamanho do meu bolso por isso nunca dou esmola, primeiro
porque não tenho dinheiro para dar a todos que me estendem as mãos e segundo pela
inconveniência de pegar a minha carteira... Vivo cruzando corpos de moradores
de rua pela cidade durante o dia, dormem de dia em meio à canícula, pois à
noite o sono pode despertar-se em chamas, refugo humano a inalar diariamente o
Tolueno – “da cola de sapateiro” – a cola que gruda a parede do estômago e faz
dar um role no Mundo Mágico de Oz, sem o sapatinho de cristal e sem a Estrada
de Tijolos Amarelos, é claro, estas são as calçadas esburacadas, quente,
fedendo a urina e fritura.
Dizem
que o homem a tudo se acostuma, se adapta para usar o jargão técnico do barbudo
inglês que tinha dois pesadelos: o ornitorrinco e esta cidade, que segundo ele
fedia demais, pondera, erguida na lama seus moradores ainda hoje chafurdam em
busca de algo para aliviassem, mesmo sendo uma esmola, uma água de coco, uma
tapioca, um utilitário blindado, um apartamento a beira mar ou um texto
bilioso, sub-reptício.
0 comentários: