Os sete pecados das capitais [Apatia] IV

5.3.13 Cabotino 0 Comentarios



                                                            APATIA
O Sol nas bancas de revista/ Me enche de alegria e preguiça /
Quem lê tanta notícia/ Eu vou...
            Minha cidade natal que me trouxe a luz sob o signo de Leão, fogo, agosto, cachorro louco, mês oito, deitado, infinito... A contemplar estes espaços não menos infinitos de dor, cor, luz e sombra. Aqui o sol nunca se põe, nas noites o astro rei brilha de uma forma diferente, trans-me-ta-fo-sean-do seus raios ultravioleta em raios ultraviolentos das luzes de mercúrio sob os viadutos e rios cor de cobre.
Minha cidade “tecida de claridade... sonha ao luar, Lendária e heroica cidade, plantada à beira-mar” – besta, brejeira, no mundo da lua, paroquial, provinciana. Cidade madrasta cuja sina nenhum homem arrancado de seu ventre cesarianemente escapa, sem o liquido amniótico, você será tragado pela infecção hospitalar que cresce a cada dia na velocidade de suas altas habitações de concreto, vidro, aço e indiferença protegida por muros ceramizados e cercas eletrificadas. Nela a distinção ganha corpo e forma com a sua ideologia chauvinista, bairrismo tacanho, canhestro e anódino. Cidade vácuo, com seus tristes coqueiros, sobrados de eira, beira e tribeira e no asfalto os banguelas sem eira nem beira a limpar vidros de carros blindados até os dentes.
Kicking around on a piece of ground in your home town/
Waiting for someone or something to show you the way/
Tired of lying in the sunshine staying home to watch the rain
Caminho por ela banhado de sol na moleira, nada me comove, meu coração já foi grande, mas reduziu-se ao tamanho do meu bolso por isso nunca dou esmola, primeiro porque não tenho dinheiro para dar a todos que me estendem as mãos e segundo pela inconveniência de pegar a minha carteira... Vivo cruzando corpos de moradores de rua pela cidade durante o dia, dormem de dia em meio à canícula, pois à noite o sono pode despertar-se em chamas, refugo humano a inalar diariamente o Tolueno – “da cola de sapateiro” – a cola que gruda a parede do estômago e faz dar um role no Mundo Mágico de Oz, sem o sapatinho de cristal e sem a Estrada de Tijolos Amarelos, é claro, estas são as calçadas esburacadas, quente, fedendo a urina e fritura.
Dizem que o homem a tudo se acostuma, se adapta para usar o jargão técnico do barbudo inglês que tinha dois pesadelos: o ornitorrinco e esta cidade, que segundo ele fedia demais, pondera, erguida na lama seus moradores ainda hoje chafurdam em busca de algo para aliviassem, mesmo sendo uma esmola, uma água de coco, uma tapioca, um utilitário blindado, um apartamento a beira mar ou um texto bilioso, sub-reptício.


      

0 comentários: