Passeio matinal
Trovão (o cão do
vizinho – digo, que pertence ao vizinho – aqui da frente)
da uma fungada no portão percebe que o mesmo não está trancado com cadeado e
com um movimento leve abre-o e dá uma escapadinha. Funga aqui e ali, pára pra
fazer xixi numa pilha de arbustos com folhas secas que estão empilhados em cima
da calçada (marcar o território é preciso). Caminha pela rua, dá uma olhadinha
para o entregador de botijão de gás, que passa dirigindo uma moto,
observa-o distanciar-se. Olha pra trás e vê o gato saindo do jardim vizinho
(nada de agressões ou latidos, manter a política da boa vizinhança é
fundamental); em um idioma animal qualquer devem ter se cumprimentado (um bom
dia meio frio, ou algo do tipo,
afinal eles tem suas diferenças). Nova caminhada ao longo da rua e mais alguns
xixis: um no muro do vizinho, outro no muro aqui do condomínio e mais um no
pneu do carro estacionado na frente da outra casa vizinha (num mundo tão grande
e agitado garantir soberania é um tanto trabalhoso). Uma olhada aqui, outra
ali, mais uns bocejos e lá vem o entregador de gás (não é o mesmo de antes,
agora é outro, também guiando uma moto, mas com um uniforme de outra cor).
Funga um balde de lixo, não acha nada interessante; funga outro, dessa vez o do
vizinho, nova decepção; funga um terceiro, esse sim, parece ideal pra estraçalhar e
arremessar o lixo pra todos os lados (ora, o
que é que há?! Diverti-se é preciso, pois nem só de obrigações é feito o
mundo); vai atacar o saco de lixo com seus caninos quando é interrompido pela
movimentação no terraço da casa de sua humana família: é alguém percebendo que
o fiel amigo escapou para seu passeio matinal e com pequenos assobios tenta
convocá-lo de volta ao lar. Trovão, que é tão esperto quanto o bom marido que
consegue escapar da esposa para ir ao bar com os amigos, faz de conta que não é
com ele e caminha rapidamente em direção a esquina para desaparecer na curva
desta. Quando achar que é hora pra isso, ele
irá voltar para dedicar-se à família e a proteção da propriedade privada. Por
enquanto precisa de um tempinho só pra ele. Pra mim, Trovão tem uma rotina
parecida com a de muita gente por aí, concorda amigo
leitor?
Castanha 29/05/12
O banal nas mãos de um grande observador é um prato cheio de poesia. Parabéns, Castanha!
ResponderExcluirCara, a pergunta no final é um feixe de raio-x nas nossas neuroses carcomidas. Outra coisa: os "Trovões" são mais desinibidos que os bípedes.
ResponderExcluirFalar ou ler sobre animais sempre me traz uma certa nostalgia. Um sorriso ingênuo no canto dos lábios.
ResponderExcluirTemos que ser a favor dos direitos humanos/animais, pois, nunca se sabe em que Guantánamo poderemos dar com os costados.
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