Divagações domingueiras

21.10.12 Joarez 3 Comentarios



                                             "a chuva soluçando devagar sobre o esqueleto tortuoso das árvores" (JUNQUEIRA, Ivan)


Devo confessar que é muito difícil tentar manter a concentração firme em alguma coisa quando se tem uma música melosa, pegajosa, chorosa e insistente do Aerosmith martelando o meio do cocuruto. Vejam só: eu ia começar a falar sobre nebulosidade, falta de transparência, alguma coisa assim, relacionado ao meu dia a dia, ao meu cotidiano. E fui parar na música do Aerosmith.

Aquele ideal do escritor solene e ritualístico, que só consegue lograr êxito no que faz se estiver em ambiente silencioso e calmo, munido de uma xícara de café e de uma boa provisão de tabaco, fica mesmo, perdoem a infeliz redundância, no plano ideal. Primeiro, e mais obviamente, porque não sou um escritor, sou um enxerido. Estes dois últimos formam extremos polarizados, e entre eles existe considerável distância. Segundo, que decorre do primeiro, é que todo grande escritor brasileiro viveu ou vive às expensas do estado, gozando de um emprego público, ocioso e criativo. Eu, pelo contrário, tenho um trabalho que só com uma certa dose de sadismo pode ser chamado de emprego. Terceiro e último, que decorre do segundo, que, por sua vez, decorreu do primeiro, reside no fato de que eu tenho uma vida conturbada, corrida, movimentada, turbulenta, o completo oposto da vida morna, estável, quieta e sossegada do nosso escritor ideal.

Sendo assim, seria de se esperar que até no momento de escrever algumas mal traçadas linhas eu continuasse na mesma toada. E para que a situação ganhe contornos dramáticos, como diria agora o nosso amigo Galvão Bueno, eu tinha que ter uma música chata do Aerosmith penetrando e arranhando meus ouvidos. Não basta o enxerido querer prosear sobre sua vida confusa num domingo à tarde. Não, isto ainda não é desastroso o suficiente. Ele ainda tem que, tal e qual um malabarista pouco hábil, se embaraçar todo com a inoportuna música do Aerosmith.


De qualquer modo, como nos ensinou divinamente Ribalta, depois da tempestade, vem a lama. Não atentemos para o acessório - a lama. Concentremo-nos no essencial: a certeza. A preciosa frase nos dá um alento: a certeza de que a tempestade passará. Para dar lugar ao quê, pouco importa. Mas ela vai passar. E eu sinto que já estou no interlúdio, naquele estado de transição que pode ser, de um lado, o ocaso, o arrebol, ou, de outro, o amanhecer, a alvorada, mas que necessariamente dá lugar a outra coisa.

Sinto agora, até mesmo, uma alegria mansa, porque estou nesse limbo, que preferi chamar de interlúdio porque achei esta palavra mais pujante.O interlúdio anuncia o fim das pretensões de perenidade do caos. Ele me diz que eu estou sendo empurrado para outro lugar; que em breve eu poderei enxergar a linha do horizonte. Agora é o momento de cultivar a paciência. Logo a chuva existencial estiará.










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