O fluir do mundo

18.10.11 Castanha 5 Comentarios


Só Mamita conheceu o medo que ela sentiu quando descobriu, aos quinze anos, que estava grávida de um viajante que passava por ali. Ela sabia que teria sérios problemas se sua família descobrisse. Com medo, Mamita fugiu da cidade argentina onde nascera, crescera, engravidara e temera. Estava apaixonada por seu viajante uruguaio e a recíproca era a mesma. Vieram para o Brasil onde passaram o resto da vida. Tudo isso aconteceu a mais ou menos oito décadas. À primeira criança que colocaram no mundo, uma menina, deram o nome de Felicidade. Depois vieram outros filhos e cada criaturinha que ia surgindo construía sua história junto à história de outras e isso foi se desenrolando pelo correr dos anos e do mesmo jeito que Mamita e seu uruguaio sentiram medos e alegrias individuais nos momentos do coito e da fuga, cada uma dessas crianças também sentiu coisas que só a elas pertenceu. Tudo que sentimos fica em nós: compartilhamos quando falamos com os outros, mas a essência daquilo não sai de nossas entranhas e se alguém se comove ao nos ouvir então já está criando outra coisa com outra essência que por sua vez será só dela.
E se Mamita não tivesse fugido? E se o uruguaio não a ama-se também? E se ela não tivesse se entregado a ele por não serem casados? E se tivessem sido pegos na tentativa de fuga? E se? Tudo teria sido diferente para ela, para o uruguaio, para as crianças que talvez nem viessem a nascer, para mim que não teria ouvido e escrito essa história e para você, amigo leitor, que agora não estaria a lendo. E todos esses tantos e mais tantos sentimentos não teriam sido sentidos. Isso - ou a falta disso - não faria o mundo ser diferente, mas faria com que ele não fosse da mesma forma. É assim que funciona o fluir do mundo: entre cada segundo que passa e que é irreversível, e entre cada segundo que está por vir, sempre imprevisível, nós oscilamos entre o que fazer e o que poderia ser; e cada coisa pensada, dita ou feita influi no correr da vida, esse rio com nascentes no passado conhecido, mas imutável, e com desaguar de suas águas no futuro, sonhado, mas incerto.

Castanha 18/10/2011

5 comentários:

  1. Tudo é água! Disse um vez um filósofo. Mas tudo também é sede. ótimo texto castanha ;)

    Rico Santana

    ResponderExcluir
  2. Camarada, belo texto.

    ResponderExcluir
  3. Muito bem Castanha, excelente texto. Nos dias que se seguem de puro pragmatismo, na política, na epistemologia, no mundo da vida e etc. se deparar com uma bela prosa como esta que você cunho nos faz acreditar que a vida não é apenas o fato, o possível, o necessário, o tengível etecetera e tal. Ele nos descortina um mundo da vontade, do impossível, da imaginação que deve tomar conta do poder sempre, pois, sem ela seriamos seres quadrúpedes (em todos os sentidos). E já que as águas do rio não são mais as mesmas quando entramos nele pela segunda vez, se ela não é mais a mesma, nós também não o somos, pois, se o limite do meu mundo é o limite das minhas circunstânicas, que se dane as minhas circunstâncias!!!!

    Ascensorista Godofredo

    ResponderExcluir
  4. Pulsamos no devir!!

    Jonas.

    ResponderExcluir
  5. Eu queria um botão de 'curtir' no comentário de Jonas.

    ResponderExcluir