Camões

26.10.11 Joarez 2 Comentarios


Não é fenômeno antigo, é coisa de dois anos para cá, que Seu Paulinho começou a encasquetar com o pessoal do bairro que não fala o português dito correto. Na frente de sua casa, folgado na cadeira de balanço já velha, passa as tardes a cuspir nas fuças alheias o bom português, tal e qual um Professor Pasquale. Ouvir alguém dizer "pobrema" é o mesmo que sentir um arame penetrando minhas orelhas, diz Seu Paulinho. E o sujeito que diz "vrido"?, pouxa vida!, "vrido" é mais difícil que vidro, que é o correto, e ainda tem gente que teima em falar assim. Dona Nena, vizinha dele, passa por perto e cutuca, "Vamo brincar de deixar a vida dos zôto em paz?", no que Seu Paulinho emenda sem perder tempo, "Inclua o 's' no seu 'vamo' e pronuncie direito, separando o artigo da palavra: os outros, e não o's zôto'". Dona Nena passa, Seu Paulinho fica. Ele apaga seu cigarro, olha de lado, e comenta: "meus ouvidos dói quando ouço esse tipo de coisa", sem atentar ele que, não fazendo a concordância verbal correta, também está fugindo da norma culta da língua portuguesa, essa moça arrogante. A tarde segue mansa, vai embora sem ninguém se dar conta. Quando eu já estava partindo, na casa ao lado ouve-se alguém, em voz alta, chamar "Creide". Seu Paulinho dramatiza a cena, olha para cima com cara de contrariado. Tem a expressão de quem quer dizer alguma coisa, mas titubeia. Dois tragos no cigarro, um suspiro profundo, e, enfim, se abre: "Minha vontade era ter um cão grande e brabo, chamado Camões, que eu ia mandar atacar quem atacasse o português". Seu Paulinho, irritado, ainda repetiu essa mesma frase duas vezes, com uma ênfase que dava a entender que "o português" era gente de carne e osso.

2 comentários:

  1. "Gente de cara e dente e nariz pra frente." Seu Paulinho não atentou para o fato de que os nossos mais sinceros pensamentos, não respeitam a "norma culta": "meus ouvidos dói quando ouço esse tipo de coisa"
    Mas, concordo com algumas de sua observações, acho muito mais difícil dizer "intregação", do que, integração. ehehehe.
    A arrogância por vezes tende a achar o confundir a coisa com seu arbitrário profana, como diria Benajmim, o nome. E, passa a achar que "o português" é mesmo de carne e osso. Vil é o destino desse cão, Camões não merecia tal incumbência!

    Massa esse texto, seu Jaurez Prosador!

    Rico Santana

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  2. Pois é, no final a gente se agarra a uma coisa - a norma culta - e olha mais pra isso que para as pessoas pra quem língua foi criada e por quem é criada.



    eheheheh, mas vrido é mais difícil que vidro mesmo rsrsrsrsrs

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